O QUE (DES)APRENDI COM AS ELEIÇÕES.
José Carlos Sebe Bom Meihy
É mais ou menos consagrado que depois de certa idade, considerando-se a vivência do tempo, podemos nos dar por satisfeitos com a certeza de que pouca coisa nos surpreende. Pois é, pensei que tivesse visto tudo da vida, e tendo a História como bússola do entendimento do passado, achava que nada mais se mostraria espetacular ou formidável no mar da sociedade. Ledo engano. Errei feio. Por mais preparado que achava estar, eis que me vejo diante de enigmas para os quais precisarei de pelo menos uma década para entender.
Quando alguém se vê frente a situações confusas, é recomendável que se estabeleça uma ordem de prioridades, recurso eficiente para que se possa analisar a situação com calma. Em termos de método analítico, o melhor que se faz é dar destaque às complexidades. Sim, é sábio partir do pressuposto de que tudo não se explica simplesmente, numa relação imediata de causa-efeito. Outro comando sugere o estabelecimento de uma hierarquia de perguntas das quais as afeitas ao poder exercem importância. Munido desses supostos me coloquei em questão inquerindo o significado das eleições brasileiras, para Presidente da República, neste ano de 2018. A gravidade do tema, desde que verbalizado, me pareceu uma sentença com cheiro de fatalidade. Fiquei estarrecido não só pelo emaranhado de temas que se perdem na distância da origem, mas também, e principalmente, pelo impacto das propostas enunciadas.
Por ordem, o tema “poder” demandou escala. De que poder falamos? Da altura da democracia, poder-se-ia argumentar sobre razões que levam o povo a se seduzir não por propostas construtivas, mas sim por rejeição aos contrários. Depois de mais de 20 anos de um cruel golpe militar, passadas décadas de vivência no sistema eleitoral livre, não mais que de repente, emergem ameaças de retrocessos extraordinários. O poder que emerge da condição de liberdade constitucional, porém, implica direitos que garantem inclusive o atraso. O voto soberano é mandatário e mandatório. A ele toda gloria da liberdade de escolha, seja ela qual for. É exatamente sob esta premissa que defrontamos com o sutil paradoxo da escolha. Mesmo que seja para o retrocesso, para o atraso no tempo sequencial esperado pela democracia, a liberdade decisória acolhe o reconhecimento da contradição. É claro que isso exige legitimação do direito positivo, e a eleição é a maneira representativa por excelência, mecanismo capaz de garantir o desejo universal da maioria.
A existência de dois turnos de votação é ato complementar garantidor da soberania do voto popular, universal e intransferível. Todos somos iguais perante a lei, e pronto. No caso presente, o resultado de dois turnos eleitorais, se polarizou em dois programas opostos. Não se trata pois e apenas de dois candidatos, mas de duas propostas extremas de poder. De um lado, tem-se uma bandeira vencedora, que defende com autonomia de voo a prerrogativa da força, do mando irrestrito do personalismo presidencial, algo próximo a um autoritarismo anulador de mediações. De outro, a democracia e o direito de minorias que sempre foram vitimadas por discriminações eivadas de seletividades. Em termos populares, dizendo de outra forma, o que se viu um segmento votando mais contra o outro do que propriamente de apoio. Esta, para mim, aliás é a grande novidade.
Como argumento, a corrupção posou como divisor de águas. Esta mancha horrível do mais crucial dos pecados políticos se colocou como corte simbólico de tudo, mas não se fez sozinho. Emblemando outras marcas, junto ao combate à corrupção vieram sintomas de uma sociedade adoecida pelo desemprego, pela insegurança e pela judicialização inexplicavelmente emergente de um dos três poderes. Mas, isso não é tudo. Há sim um lado novo nesta questão: a perda da inocência. De cultura pacífica, vimo-nos violentos; de país da miscigenação e convívio harmônico de etnias, vimo-nos racistas; de tolerantes, mostramos nossa força de inclemência contra os mais fracos – e para a defesa desse ameaçador inimigo, propaga-se o uso de armas, o elogio à tortura e até o banimento dos contrários. Não para por aí a ciranda de ódio: o machismo patriarcal se viu revelado em discriminação contra a mulher e homossexuais, e, nesse quesito exibe-se a surpresa de pessoas inteligentes e de gays que desculparam as intempéries de um candidato temperamental e despreparado para as funções de comando democrático.
Temo. Temo muito o propalado apagamento da história. A restrição a direitos duramente conquistados na área de educação me assusta e me faz cativo de condições que garantem a correção de erros históricos. Por certo, a dose de veneno promovida pelos governos anteriores serviu de potência para o teor eufórico de vingança triunfantes. Pois bem, sintam-se desagravados todos os que apoiaram o triunfo de uma direita embebecida na indignação contra os desfavorecidos que, afinal, conquistaram algum lugar na brasilidade cidadã. Com a certeza de que perdemos a inocência, resta aguardar o futuro próximo para ver o que a chamada realidade dos fatos nos tem a dizer. Se não for banida, a história dirá... Se não for banida, pois não é conveniente a quantos emergem de uma cultura de mando vertical.
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