CONVERSA PARA BOI DORMIR...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Como ocorreu com muitos, passadas as eleições o cansaço venceu. A naturalidade da exaustão trazida pelo calendário que consagra outubro como ponto de partida para os festejos do fim do ano, se faz presente, desta feita, carregando uma dose extra de peso. Saímos exauridos de um processo político consequente, e prometedor de mudanças drásticas. A apreensão se expressa tanto no olhar de quem votou consciente no vencedor como naqueles que optaram pelo eleito, mesmo inseguros. O refluxo esperado mostra suas garras e aponta para espectro de novas formas de governabilidade. A imitação do novo modelo presidencialista norte-americano e o uso diferenciado das mediações jornalísticas sugerem que o Twitter será alternativa para contato entre a presidência e os eleitores, com redução do papel da imprensa usual. E assim teremos que aprender a captura do andamento político emergente e, nesta toada, cada qual tem que se habilitar às soluções informativas sem crítica especializada, a favor ou contra.
Sob tal céu nebuloso, minha intimidade solitária convoca os prazeres pessoais como lenitivo para sobrevivência. A noite de quatro anos se me afigura como tempo obscuro com ameaças fatais, convite à tristeza e recolhimento. O retiro pessoal, a contemplação dos objetos biográficos que compõem minha memória afetiva, as páginas de livros que se abrem complacentes para leituras catárticas, uma dose de músicas escolhida segundo os mandamentos sagrados do gosto pessoal, tudo isso reunido servirá para serenar um oceano de indignações e expectativas negativas. O arquivo de velhas tormentas caçadas em censura, limitação de falas e expressões, a possibilidade de prisões e fugas de amigos da oposição, me ensinou a eficácia desse remédio personalíssimo que, diga-se, nada tem a ver com alienação. É lógico que os docinhos das vovós e os cafunés dos bichos de estimação, olhadas para o mar e para as montanhas, completam a cena alegórica do revigoro. Dizendo de forma contundente, pelo menos em um primeiro momento, comprometo-me com o aconchego de recolhimento íntimo.
Estou longe do Brasil neste momento. Vendo tudo filtrado por olhos amigos, mas também pela imprensa nacional e internacional, dei-me o direito de planejar minha solitude com discrição. De presente, desta feita, um outro alívio se juntou à minha tristeza de ver a extrema direita na condução de meu país: um velho amigo. O termo “velho”, aqui é empregado como prova de que a idade dos companheiros não precisa ser metafórica. George tem 94 anos. Os meus 75 me fazem menino na intensidade dos aprendizados que ganho. Depois de uma vida de sucesso em todas as direções, o colega me acolhe a cada ano em Nova York, com a grandiosidade de quem recebe um parceiro aliado, me ajuda a sobreviver politicamente. E como nos afinamos! Ainda trabalhando, aprendeu lidar com internet e vende guarda-chuvas para um comerciante que compra da China. E como tem clientes! Por certo a simpatia e elegância ao falar lhe é recurso seguro para tanto reconhecimento. Também estou a trabalho, sempre na sina dos apaixonados por história oral. A cada manhã, tomamos café juntos, repartimos a leitura do The New York Times e fazemos os exercícios respiratórios a ele recomendados. É um tempo sagrado esse.
À noite, depois de cumprida a jornada, ele se põe a contar histórias. E como narra! Fatos da Guerra, dos encontros com Bob Hope, do flerte como algumas atrizes famosas e shows inesquecíveis. Por lógico, frente a tanto exemplo, procedi a outra eleição: candidatei-me a ser como ele, se a idade me permitir mais um pouco de vida. E, para tanto, até fiz um acervo de canções que ele evocava em suas narrativas. Dentre tantas, uma se destaca “We’ll meet again” na interpretação de Dame Vera Lynn. Reza a letra algo próximo de “nós nos encontraremos outra vez/ não sei onde, não sei quando/ mas nós nos encontraremos outra vez”. Pronto, está dada a lição: nos encontraremos outra vez, ele e eu, eu e tempos menos tensos. We’ll meet again...
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