Roberto Rillo Bíscaro
Em meados do ano passado, pesquisa revelou que o Partido
Democrata sueco tinha alcançado cerca de 24% das intenções de voto numa
possível eleição. Conservadora anti-imigração, a agremiação já obtivera bom
desempenho no pleito de 2014, o que serviu de inspiração pra minissérie Blå
ögon, traduzida para o inglês como Blue Eyes, quando exibida na Inglaterra pelo
More 4, subdivisão do Channel 4.
Os 10 capítulos desse thriller político apresentam o
mal-estar do Estado do Bem-Estar sueco, com sua escalada de xenofobia,
antissemitismo e homofobia à medida que a política multicultural do reino
aprova a entrada de mais e mais imigrantes e refugiados. Em 2016, o dinamarquês
Kim Bodnia afirmou a um site israelense que um dos motivos pelos quais largou
Bron/Broen foi o antissemitismo que enfrentava, quando tinha que gravar na
sueca Malmo.
Blå ögon começa com 2 tramas paralelas, que no final se
cruzam em desfecho desanimador, que não deixa espaço pra surpresa pelo
crescimento dos Democratas, representados pelo ficcional Security Party, que,
com sua ideologia nacionalista, atrai gente muito mais extremista, que quer
“purificar” a Suécia através de porrada e bomba. E a isso que aludem os Olhos
Azuis do título.
Elin Hammar é jovem burocrata que retorna a seu posto de
chefe de gabinete do ministro Gunnar Elvestad, mas logo percebe que sua
antecessora havia se dado muito mal por alguma tramoia de alto escalão. Durante
boa parte do tempo, essa é a trama menos interessante, porque a transformação
da desencantada e furiosa jovem Sofia Nilsson em extremista de direita é bem
mais movimentada e fascinante.
Agredida pelo ex-marido e se sentindo injustiçada por
ralar tanto, Sofia só precisava dum empurrão pra radicalizar. Isso acontece,
quando sua mãe – membro menor do Security Party (em sueco, Trygghetspartiet) –
e assassinada, no mesmo dia em que profere discurso conservador. A partir de
então, Sofia e o irmão Simon envolvem-se com turma da pesada, que começa com o
discursinho típico: eliminar os desonestos, aproveitadores e corruptores do
sistema, tipo quem lucra com a queda na qualidade no serviço de proteção aos
idosos ou pedófilos. Mas, como sempre, os alvos passam a ser qualquer um de que
não gostem, inclusive suecos, também de olhos azuis.
Sem proferir palestra, Blå ögon coloca na construção das
personagens e em dados da trama, algumas das contradições de membros do grupo.
Filhinho de papai que diz odiar o capitalismo; membro de partido supremacista soft que é filho de imigrante e tem pele
bem menos alva que seus companheiros loirérrimos.
Preocupada em elaborar porque ideologias eugenistas podem
se tornar atraentes numa sociedade que se percebe em decadência devido ao
influxo de muita diferença, Blå ögon não se dedica a nem pelo menos tocar de
leve nos motivos que levam tantos a quererem se refugiar na afluente Suécia.
Será que os países desenvolvidos são apenas “vítimas indefesas” do processo?
A percepção do cidadão comum, incapaz de entender a
complexidade dum mundo globalizado, está competentemente representada e a
culminação da trama de Elin, que descobre grande trapaça governamental, enevoa
ainda mais alguma possibilidade de compreensão.
Blå ögon nem de longe é
otimista ou redentora, mas seu clima não é o sombrio do Nordic Noir. É uma
história bem contada, com suspense, que mostra uma Suécia ainda limpa e
lindíssima, mas confusa pelo medo, com mulher que leva porrada do ex. Tipo, há
algo de podre nesse reino de cartão postal.
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