Roberto Rillo Bíscaro
Puristas geralmente são pessoas muito bobas (e perigosas
também), porque pureza de gêneros é duro de alcançar, se é que existe. Grosso
modo, chamamos os anos 1950 de era dourada da ficção-científica, mas esse
subgênero vinha misturado com horror, drama, aventura, comédia.
When Worlds Collide (1951) – que no Brasil chamou-se O
Fim do Mundo – traz todos elementos típicos do cine-catástrofe, como preparar
terreno pra quem vamos gostar ou não e torcer pra perecer ou não; decisões tomadas
com o coração, porque motivadas por crianças ou cãezinhos e até personagem que
se sacrifica, neste caso, pelo bem da espécie humana, porque When Worlds
Collide (WWC) é do sub-subgênero apocalíptico.
Um cientista sul-africano (?!) descobre que a estrela
Bellus está em inevitável rota de colisão com a Terra, mas existe esperança de
salvar pelo menos um punhado, através da construção duma nave que levaria uns
40 – além de animais – até Zyra. Esse planeta orbita Bellus, portanto, antes
que a estrela incinere nosso mundo haveria chance de aproveitar a passagem de
Zyra perto de nossa órbita e ir pra lá colonizá-lo. Só não se explica o que
aconteceria com um planeta cujo sol estivesse se deslocando pelo espaço sideral
e trombando com outros corpos celestes. Se a passagem de Zyra por aqui causaria
destruição maciça, por que não em Zyra?
Ninguém acredita nos cientistas, nem no ONU, que tem
delegado do Brasil, falando com sotaque levemente lusitano. Mas, um ricaço
prepotente e cadeirante financia a espaçonave. Alguma dúvida sobre seu fim? Assim,
começa a construção da arca espacial, que levará 40 sortudos a Zyra, sob as
bênçãos divinas. Só não fica claro porque a espécie humana teria que agradecer
à divindade o sacrifício de bilhões pra se começar do zero com um bocadinho de
“inocentes”.
WWC é a Arca de Noé da era atômica. Mas, enquanto a lenda
bíblica coloca o dilúvio como castigo divino, o filme situa o choque dos corpos
celestes como algo apenas físico. Então, por que ficar grato ou compreender um
Deus que permite isso? Mas, nos anos 1950 questionar seria subversivo,
literalmente antiamericano.
Então, a ciência de WWC existe a serviço de Deus. Dê uma
olhada na cena da microfilmagem dos livros salvos pra iniciar a nova vida em
Zyra. A Bíblia Sagrada é o primeiro da fileira, seguido por obras de
matemática, anatomia e um volume relativamente fino de História Geral. Quem não
curte discurso religioso, não se assuste, porque WWC não faz proselitismo. Ao
contrário do que creem ingênuos ou mal-intencionados, não é necessário vomitar
ideologia pra todo canto pra se propagar uma.
Alude-se à construção de naves similares em outros
países, mas nada sabemos do resultado. Se depender dos Estados Unidos, porém, a
nova civilização em Zyra será inteiramente branca, como nos condomínios
suburbanos que pipocavam por todo o país, que proibiam aluguel/compra por
negros. Veja se consegue localizar algum afrodescendente, quando o foguete
levanta voo ou no desembarque no novo mundo, que, por falta de verba, é
nitidamente uma pintura.
Pros padrões sci fi
de então, WWC teve até orçamento polpudinho: uns 950 mil dólares. Filmado em
Technicolor, com um monte de extras, dá pra ver de boa ainda hoje,
especialmente se você cresceu com produções que gastavam 1 hora com a
preparação e apenas na meia hora final acontecia efetivamente a catástrofe.
Comparando com primos bem
mais pobres, WWC fracassou na bilheteria: faturou apenas 1,6 milhões nos EUA,
enquanto O Homem do Planeta X, do mesmo ano e que custou pouco mais de 50 mil,
amealhou 1,2 milhões de dólares. Compensava ser B de drive in.
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