quinta-feira, 8 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 261

Roberto Rillo Bíscaro

Puristas geralmente são pessoas muito bobas (e perigosas também), porque pureza de gêneros é duro de alcançar, se é que existe. Grosso modo, chamamos os anos 1950 de era dourada da ficção-científica, mas esse subgênero vinha misturado com horror, drama, aventura, comédia.
When Worlds Collide (1951) – que no Brasil chamou-se O Fim do Mundo – traz todos elementos típicos do cine-catástrofe, como preparar terreno pra quem vamos gostar ou não e torcer pra perecer ou não; decisões tomadas com o coração, porque motivadas por crianças ou cãezinhos e até personagem que se sacrifica, neste caso, pelo bem da espécie humana, porque When Worlds Collide (WWC) é do sub-subgênero apocalíptico.
Um cientista sul-africano (?!) descobre que a estrela Bellus está em inevitável rota de colisão com a Terra, mas existe esperança de salvar pelo menos um punhado, através da construção duma nave que levaria uns 40 – além de animais – até Zyra. Esse planeta orbita Bellus, portanto, antes que a estrela incinere nosso mundo haveria chance de aproveitar a passagem de Zyra perto de nossa órbita e ir pra lá colonizá-lo. Só não se explica o que aconteceria com um planeta cujo sol estivesse se deslocando pelo espaço sideral e trombando com outros corpos celestes. Se a passagem de Zyra por aqui causaria destruição maciça, por que não em Zyra?
Ninguém acredita nos cientistas, nem no ONU, que tem delegado do Brasil, falando com sotaque levemente lusitano. Mas, um ricaço prepotente e cadeirante financia a espaçonave. Alguma dúvida sobre seu fim? Assim, começa a construção da arca espacial, que levará 40 sortudos a Zyra, sob as bênçãos divinas. Só não fica claro porque a espécie humana teria que agradecer à divindade o sacrifício de bilhões pra se começar do zero com um bocadinho de “inocentes”.
WWC é a Arca de Noé da era atômica. Mas, enquanto a lenda bíblica coloca o dilúvio como castigo divino, o filme situa o choque dos corpos celestes como algo apenas físico. Então, por que ficar grato ou compreender um Deus que permite isso? Mas, nos anos 1950 questionar seria subversivo, literalmente antiamericano.
Então, a ciência de WWC existe a serviço de Deus. Dê uma olhada na cena da microfilmagem dos livros salvos pra iniciar a nova vida em Zyra. A Bíblia Sagrada é o primeiro da fileira, seguido por obras de matemática, anatomia e um volume relativamente fino de História Geral. Quem não curte discurso religioso, não se assuste, porque WWC não faz proselitismo. Ao contrário do que creem ingênuos ou mal-intencionados, não é necessário vomitar ideologia pra todo canto pra se propagar uma.
Alude-se à construção de naves similares em outros países, mas nada sabemos do resultado. Se depender dos Estados Unidos, porém, a nova civilização em Zyra será inteiramente branca, como nos condomínios suburbanos que pipocavam por todo o país, que proibiam aluguel/compra por negros. Veja se consegue localizar algum afrodescendente, quando o foguete levanta voo ou no desembarque no novo mundo, que, por falta de verba, é nitidamente uma pintura.
Pros padrões sci fi de então, WWC teve até orçamento polpudinho: uns 950 mil dólares. Filmado em Technicolor, com um monte de extras, dá pra ver de boa ainda hoje, especialmente se você cresceu com produções que gastavam 1 hora com a preparação e apenas na meia hora final acontecia efetivamente a catástrofe.
Comparando com primos bem mais pobres, WWC fracassou na bilheteria: faturou apenas 1,6 milhões nos EUA, enquanto O Homem do Planeta X, do mesmo ano e que custou pouco mais de 50 mil, amealhou 1,2 milhões de dólares. Compensava ser B de drive in.

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