Preste bem atenção à sequência inicial de Thelma (2017),
adicionado ao catálogo da Netflix recentemente. É algo perturbadora, mas prenhe
de promessas de reviravolta e estranheza.
Dirigido por Joachim Trier e escrito por ele e Eskil
Vogt, Thelma discretamente assombra em diversos níveis. Logo após a inquietante
abertura de pai e filha caçando (geralmente é sempre pai e filho...) no gelado
interior norueguês, há salto temporal e a guria já está na universidade, em
Oslo. De família cristã tradicional, daquelas que não bebe, não fuma e sequer
gosta que se insinue crítica a outrem, a jovem vive controlada pelos pais,
mesmo distantes.
Quando a futura bióloga (imagine, numa família que
provavelmente leva a Bíblia ao pé da letra), conhece a linda Anja e desejos
inconfessáveis afloram, Thelma começa a experimentar convulsões parecidas com a
de epiléticos. Também começamos a ver cenas de flashback e a supervisão
asfixiante dos pais começa a tomar outro sentido. Thelma, a moça, tem tanta
repressão, que seu cérebro parece que materializa coisas. Mas, não dá pra falar
demais sobre o enredo.
De modo redutor, Thelma, o filme, é uma espécie de
Carrie, a Estranha, versão lésbica. De Palma e seu mestre Hitchcock certamente
inspiraram cenas, como a do primeiro avanço erótico de Anja sobre Thelma, a
moça, na linda ópera de Oslo, enquanto viam um balé muito corpóreo.
Com suas imagens clean,
o filme está em constante convulsão formal, totalmente disfarçada de calma e
contenção narrativas, como no enredo que é fogo sobre gelo. Repare como o ponto
de vista da câmera se desloca o tempo todo, entre visões micro de caras e
coisas, pra de repente, virar macro, numa fachada de edifício ou panorâmica,
onde transeuntes parecem insetos. É como se inconscientemente, toda a narrativa
apresentasse os flashes de claro-escuro, que o psiquiatra a certa altura usa
pra induzir um surto em Thelma (epiléticos, cuidado: tive que fechar os olhos
por causa da fotofobia, de tão desagradável que é). E quem viu O Exorcista não
desperceberá a semelhança das cenas.
Não confundam a citada
convulsão formal com velocidade de edição. Thelma parecerá lento demais aos
viciados em ação. Na verdade, o roteiro é um pouco reprimido como a repressão
que quer criticar.
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