Roberto Rillo Bíscaro
A celebração da família como célula matricial da
sociedade passa tanto pela fofura da idealização natalina, quanto pela invenção
do conceito de família estendida, quanto pelo oportunismo cínico de campanhas
políticas. É tanto amor pela família, que há quem tenha mais de uma: a “oficial”
e uma com a amante.
My Happy Family (2017) ironiza, com sutileza, como boas
(será?) intenções familiares sufocam, especialmente as mulheres. O filme que a
Netflix mantém em seu catálogo com título em inglês é feminista. E excelente. E
vem da Geórgia, uma das ex-repúblicas soviéticas, vizinha da Armênia, Turquia e
Rússia, com a qual vive às turras. E é bem desconhecida da maioria de nós
brasileiros. Só isso já serviria preu dar a oportunidade que o filme merece por
méritos próprios, jamais por “cota de exotismo”.
Manana é professora de meia-idade, que vive em
apartamento abarrotado de familiares. Além dela e do marido, seus pais e
filhos, com respectiv@s cônjuges. Um dia, ela se enche e vaza. Simples assim é
a trama. Ela não explica; não há nenhuma DR ou diálogo-cabeça explorando e
explicitando cenas de um casamento em seus gritos e sussurros woody-allenianos.
My Happy Family é cinema com todas as letras maiúsculas,
porque MOSTRA e sugere o porquê da liberação de Manana. As cenas de confusão e
superpopulação no apartamento atordoam e inúmeros dados no relacionamento
familiar dão conta da opressão benévola enfrentada pela exausta
mãe-esposa-filha que não podia ter vontade própria. Então, quando ela se senta
sozinha, em silêncio, comendo bolo e ouvindo Mozart em seu pequenino
apartamento, vendo a chuva, não é preciso mais nada, palavras são
desnecessárias, canta o Depeche Mode há quase 3 décadas.
Alguns leitores hão de estar enfurecidos, porque “contei
o fim do filme”. Não. Isso é o óbvio; My Happy Family é típico filme de
festival, vagaroso, paciente, quieto, não está estruturado pra ter fim
fechadinho, solucionador. Embora haja alguns pararelismos típicos de roteiro,
para reforçar/contrastar a situação de Manana, a película parece com aqueles
recortes de alguns dias na vida das personagens – que na nossa América, a
Argentina já fez tão bem.
O cotidiano vai acontecendo e através de diálogos simples,
os diretores/roteiristas Nana Ekvtimishvili e Simon Gross demonstram a exaustão
emocional causada pela repressão de nãos durante anos; a chantagem emocional
que mal esconde o desejo de tirania; a toxicidade camuflada das interações
sociais. Sem fluxos de consciência, sem imagens metafóricas ou “alegorias”. Não
que houvesse algo de errado se os tivesse, mas a genialidade de My Happy Family
é ser supercabeça sem essas coisas. Na verdade, o filme depende muito que o
expectador perceba a opressão de Manana. Nesse sentido, é muito mais
inteligente do que as produções que gastam horas explanando mirabolices. My
Happy Family as apresenta e deixa pra nós a compreensão e a empatia. Ou não.
Só com o trailer fiquei esgotado !!!! Eu teria feito o mesmoooo
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