quinta-feira, 22 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 263


Roberto Rillo Bíscaro

A celebração da família como célula matricial da sociedade passa tanto pela fofura da idealização natalina, quanto pela invenção do conceito de família estendida, quanto pelo oportunismo cínico de campanhas políticas. É tanto amor pela família, que há quem tenha mais de uma: a “oficial” e uma com a amante.
My Happy Family (2017) ironiza, com sutileza, como boas (será?) intenções familiares sufocam, especialmente as mulheres. O filme que a Netflix mantém em seu catálogo com título em inglês é feminista. E excelente. E vem da Geórgia, uma das ex-repúblicas soviéticas, vizinha da Armênia, Turquia e Rússia, com a qual vive às turras. E é bem desconhecida da maioria de nós brasileiros. Só isso já serviria preu dar a oportunidade que o filme merece por méritos próprios, jamais por “cota de exotismo”.
Manana é professora de meia-idade, que vive em apartamento abarrotado de familiares. Além dela e do marido, seus pais e filhos, com respectiv@s cônjuges. Um dia, ela se enche e vaza. Simples assim é a trama. Ela não explica; não há nenhuma DR ou diálogo-cabeça explorando e explicitando cenas de um casamento em seus gritos e sussurros woody-allenianos.
My Happy Family é cinema com todas as letras maiúsculas, porque MOSTRA e sugere o porquê da liberação de Manana. As cenas de confusão e superpopulação no apartamento atordoam e inúmeros dados no relacionamento familiar dão conta da opressão benévola enfrentada pela exausta mãe-esposa-filha que não podia ter vontade própria. Então, quando ela se senta sozinha, em silêncio, comendo bolo e ouvindo Mozart em seu pequenino apartamento, vendo a chuva, não é preciso mais nada, palavras são desnecessárias, canta o Depeche Mode há quase 3 décadas.
Alguns leitores hão de estar enfurecidos, porque “contei o fim do filme”. Não. Isso é o óbvio; My Happy Family é típico filme de festival, vagaroso, paciente, quieto, não está estruturado pra ter fim fechadinho, solucionador. Embora haja alguns pararelismos típicos de roteiro, para reforçar/contrastar a situação de Manana, a película parece com aqueles recortes de alguns dias na vida das personagens – que na nossa América, a Argentina já fez tão bem.
O cotidiano vai acontecendo e através de diálogos simples, os diretores/roteiristas Nana Ekvtimishvili e Simon Gross demonstram a exaustão emocional causada pela repressão de nãos durante anos; a chantagem emocional que mal esconde o desejo de tirania; a toxicidade camuflada das interações sociais. Sem fluxos de consciência, sem imagens metafóricas ou “alegorias”. Não que houvesse algo de errado se os tivesse, mas a genialidade de My Happy Family é ser supercabeça sem essas coisas. Na verdade, o filme depende muito que o expectador perceba a opressão de Manana. Nesse sentido, é muito mais inteligente do que as produções que gastam horas explanando mirabolices. My Happy Family as apresenta e deixa pra nós a compreensão e a empatia. Ou não.

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