segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 342



Roberto Rillo Bíscaro

A apaixonada por automóveis Kandace Springs mostrou tanto potencial que não apenas o Príncipe Púrpura a convidou pruma jam em Paisley Park, como foi contratada rapidinho pela legendária Blue Note Records, gravadora de feras do jazz.
Ser filha dum músico que fez backing vocals pra gigantes como Aretha e Chaka ajudou no networking, mas se a cantora-pianista não tivesse talento, não seria fisgada por uma das casas sagradas da música negra.
Ao resenhar Soul Eyes (2016), seu álbum de estreia, afirmei que a norte-americana buscava seu nicho. Seu segundo trabalho, Indigo, saiu pela mesma Blue Note, dia 7 de setembro e soa como se Springs não queira escolher uma etiqueta: entre originais e covers, a trezena de canções e vinhetas remete de Nina Simone a Portishead, com arranjos sofisticados, que unem o tradicional ao contemporâneo.
A sinuosidade da faixa de abertura, Don’t Need the Real Thing, com sua percussão africanizada prenuncia álbum caprichado. Totalmente deliciosa. Outra faixa com percussão bem marcada e interessante é o jazz esfumaçado de 6 8; seria muito legal se houvesse um mix sem ela, pra ver se a languidez dos teclados, a flauta fantasmagórica e os vocais totalmente relax dariam conta de segurar a canção.
A quantidade e frequência de vinhetas em álbuns de soul/R’n’B contemporâneos leva a crer que os compositores possuem criatividade abundante a ponto de desperdiçarem boas ideias melódicas em faixas que duram segundos. Pra que as vinhetas-título, não?
Breakdown é balada de diva sofredora; Fix Me referencia o padrinho Prince na letra e tem piano à Chopin; Unsophisticated é sofisticado jazz defumado, à Chet Baker; People Make the World Go ‘Round é funk hiper-comportado, que você só saca ser funk pela estilização do pianinho e da percussão. Indigo tem pra quase tudo que é gosto: até cover jazzificado muito bonito de The First Time Ever I Saw Your Face, que pouca gente conseguiria achar superior à perfeição de Robert Flack.
E aí está um dos pontos que Kandace tem que considerar pra futuros trabalhos. É tudo muito bem feito/cantado, mas não se distingue ainda um selo Springs. Quando ouvimos Piece Of Me, a Sade de Soldier Of Love vem à cabeça na hora. Quando Springs canta “sometimes love is war”, difícil não imaginar como a Deusa anglo-nigeriana faria. Em Love Sucks, o peso da comparação ainda é mais esmagador: numa melodia com arranjo super 60’s/70’s, Kandace soa perigosamente como clone de Amy Winehouse, até com alguns maneirismos. Ficou bom, mas ela não é Amy (poucas são).
O problema nem é soar como cicrana ou beltrana, a questão posta fica sendo: se a cantora não achar sua própria voz e nicho, como futuras resenhas de artistas iniciantes poderão apontar que tal faixa soa como Kandace Springs?
Que isso não seja desestímulo pra audição de Indigo. É muito gostoso, ouçam só que belezura essa faixa de abertura:

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