Ao escutar o
arrebatador galope épico de Tatanagüê, ouvintes mais experientes poderão cismar
que ecoa o clima das canções de protesto, dominantes nos festivais de MPB nos
meados sessentistas. Estarão cobertos de razão: o compositor de Tatanagüê é
Theo de Barros, autor da antológica Disparada, covencedora do II Festival da
Música Popular Brasileira, com A Banda, de Chico Buarque.
Já na metade
da septuagenaridade, Theo tem biografia tão extensa e iimportante, que daria
livro. Compositor, arranjador, instrumentista, produtor, empresário, Teófilo
Augusto de Barros Neto fez trilha pra teatro engajado, com Guarnieri e Boal;
formou quarteto com o albino Hermeto e até fundou gravadora, a Eldorado.
Sem lançar
muito e bem longe da grande mídia, Theo ressurgiu ano retrasado com o álbum
independente Tatanagüê. Para as 16
canções, dezenas de músicos para executar os arranjos exuberantes e o paulista
Renato Braz para cantar com excelência, a maioria delas.
As letras
abundam em valorização dos elementos da brasilidade, como capoeira (Cavalo de
Oxóssi) e mestiçagem, como em Mestiço, que idealiza, com melodia faceira, que a
miscigenação tenha sido feita pelo amor à luz de candeeiros. Em Fruta Nativa, o
corpo da mulher é composto por frutas brasileiras e Três Vertentes versa sobre
choupanas iluminadas por candeia. Quem hoje canta sobre cambucás, em melodias
tão lindas e sensíveis?
Tatanagüê
traz convidados vocais: Monica Salmaso, na lenta seresta de Alguém Sozinho;
Alice Passos, no irresistível samba de roda de Camaradinho. Dá vontade de
aprender capoeira e fazer o corpo virar cata-vento. Mas o holofote é de Renato
Braz, que resplandece quando precisa ir às alturas conclamatórias da faixa
título ou quando carece ser delicado, como em Cantiga de Beira-Mar.
Sofisticado
de doer, como a melhor estirpe da MPB,
musicalmente Tatanagüê vai do pan-americanismo andino de Barco Sul à
Renascença, de trecho de Três Violas. Mas, nunca é tão simples; a maioria das
canções opera em mais de um sub-sub-gênero, vide a catirada no meio de Desafio,
que abre soando meio como fado.
E como não quer fugir do espírito contestatório,
quando você pensa que Tatanagüê chegou ao fim com a despedida de Desafio, o
próprio Theo vem alfinetar a pouca-vergonha política atual com o sambinha
violonado de As Sombras. Depois do espetáculo orquestral-vocálico da quinzena
de faixas irretocáveis, soa meio anticlimático, mas não estraga uma obra-prima.
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