segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

CAIXA DE MÚSICA 349


Roberto Rillo Bíscaro

Ao escutar o arrebatador galope épico de Tatanagüê, ouvintes mais experientes poderão cismar que ecoa o clima das canções de protesto, dominantes nos festivais de MPB nos meados sessentistas. Estarão cobertos de razão: o compositor de Tatanagüê é Theo de Barros, autor da antológica Disparada, covencedora do II Festival da Música Popular Brasileira, com A Banda, de Chico Buarque.
Já na metade da septuagenaridade, Theo tem biografia tão extensa e iimportante, que daria livro. Compositor, arranjador, instrumentista, produtor, empresário, Teófilo Augusto de Barros Neto fez trilha pra teatro engajado, com Guarnieri e Boal; formou quarteto com o albino Hermeto e até fundou gravadora, a Eldorado.
Sem lançar muito e bem longe da grande mídia, Theo ressurgiu ano retrasado com o álbum independente Tatanagüê.  Para as 16 canções, dezenas de músicos para executar os arranjos exuberantes e o paulista Renato Braz para cantar com excelência, a maioria delas.
As letras abundam em valorização dos elementos da brasilidade, como capoeira (Cavalo de Oxóssi) e mestiçagem, como em Mestiço, que idealiza, com melodia faceira, que a miscigenação tenha sido feita pelo amor à luz de candeeiros. Em Fruta Nativa, o corpo da mulher é composto por frutas brasileiras e Três Vertentes versa sobre choupanas iluminadas por candeia. Quem hoje canta sobre cambucás, em melodias tão lindas e sensíveis?
Tatanagüê traz convidados vocais: Monica Salmaso, na lenta seresta de Alguém Sozinho; Alice Passos, no irresistível samba de roda de Camaradinho. Dá vontade de aprender capoeira e fazer o corpo virar cata-vento. Mas o holofote é de Renato Braz, que resplandece quando precisa ir às alturas conclamatórias da faixa título ou quando carece ser delicado, como em Cantiga de Beira-Mar.
Sofisticado de doer, como a melhor estirpe da MPB,  musicalmente Tatanagüê vai do pan-americanismo andino de Barco Sul à Renascença, de trecho de Três Violas. Mas, nunca é tão simples; a maioria das canções opera em mais de um sub-sub-gênero, vide a catirada no meio de Desafio, que abre soando meio como fado.
E como não quer fugir do espírito contestatório, quando você pensa que Tatanagüê chegou ao fim com a despedida de Desafio, o próprio Theo vem alfinetar a pouca-vergonha política atual com o sambinha violonado de As Sombras. Depois do espetáculo orquestral-vocálico da quinzena de faixas irretocáveis, soa meio anticlimático, mas não estraga uma obra-prima. 

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