NOVA
(IN)DECIFRAÇÃO DO BRASIL.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Já
escrevi que sempre achei muito difícil explicar o Brasil para estrangeiros.
Repetidas experiências me fizeram acumular preocupações renovadas a cada
tentativa, todas algo frustrantes. Juro que achava ser essaa uma das tarefas
mais complexas da formulação lógica dos acontecimentos que, afinal, nos
implicam como seres políticos, entes inscritos na política. A certeza de que
nosso percurso histórico é/seria peculiar, me obriga garantir que “sim”, que há
uma originalidade no desempenho de nosso papel no universo, e que a marca do
Brasil tinha que ser reconhecida como garantia de uma combinação única, mescla
de segmentos étnicos colocados no mesmo espaço de redefinição miscigenada (pelo
menos culturalmente, já que a propalada democracia racial é um mito resistente).
Esta garantia, por forte que é, nos convoca a relativizações, é verdade, pois olhando
cada outra realidade chegaríamos a constatações de particularidades também
evocadas como diferentes. Tal posicionamento, contudo, nos obriga a uma
hierarquia expositiva que, obrigatoriamente, nos faz acatar que há mais fragmentos
de singularidades entre nossas manifestações do que a de muitos países ou
culturas que somam semelhanças menos esdruxulas, ou mais facilmente
justificadas. Tamanho geográfico, áreas florestais, secas e ao mesmo tempo
fartura de água, tudo juntado a etapas de povoamento que agrupam sobrevivências
indígenas com o maior contingente de escravos vindos da África, portugueses que
se desafiaram em uma experiência formidável, e uma imigração branca mais recente,
nos distingue com facilidade, e tudo junto, nos faz peculiares e relevantes.
Julgava
essas explicações para gringos entre as mais difíceis missões dos historiadores,
e até admitia de saída que o esforço, por mais bem resolvido que fosse, seria
falho. De tal forma me consolava, que consegui firmar uma máxima: o estrangeiro tem que aceitar o Brasil como
dogma de amor, pois compreende-lo é impossível. Houve, contudo, um momento
mais recente, em que rebaixei essa escalação. Falar para brasileiros fora do
Brasil tornou-se proposta ainda mais intrincada. Justifico minha afirmativa
garantindo que há uma natural e imediata relação de poder e julgamento de quem
está fora do meio e quer se sentir parte integrante. Explico-me: como o
processo de desligamento identitário dos nossos patrícios é manhoso e
insistente, insinuante, e porque ao invés de assumir coerência entre a
distância física ou geográfica, os evadidos em todos os níveis, mais se ligam e
não largam da identidade original. Aprendi que eles perdem o processo em
movimento e coisificam fatos e os tratam como se fossem fenômenos isolados. Tudo
fica mais concreto e palpável, pois a vertiginosa velocidade das consequências
locais, nossas, se lhes ficam a um tempo minoradas pela distância, agravada
pela impossibilidade de participação no espaço e tempo imediatos.
Por
favor, não pensem que as coisas pararam aí. Não mesmo. Tive que propor outra
escala, também renovada na surpresa dos acontecimentos recentes sem os quais
não seria viável qualquer esforço explicativo. Assim, mais do que admitir que explicar
o Brasil para os estrangeiros, ou para os brasileiros que deixam o país, tem
sido ainda mais embaraçoso explicar o Brasil para os próprios brasileiros. Em
tempo, ainda antes que me julguem pretencioso, transfiro os méritos e defeitos
de tal pretensão ao coletivo nacional, pois é visível que, de repente, todos se
tornaram explicadores, donos de visões pessoais que autorizam a garantir que,
afinal, somos historiadores natos, com ou sem necessidade de formação
acadêmica. E nesse caldo de explicadores, pouco vale se somos ou não
profissionais especializados. O pior é que a garantia disso decorre do
princípio de igualdade política, no dizer já expresso por Millôr Fernandes que
garantia: a lei é igual para todos, aí
começa a injustiça.
Em
conversa recente com uma colega também historiadora, em vista dos acontecimentos
recentes, contabilizando uma vida de trabalho em escolas, em particular em
nível universitário, sentimo-nos abalados e tendo que admitir nosso esforço
vão. Um breve giro pelas redes sociais é prova cabal de nosso fracasso: ninguém
sabe nada de História. Se para alguns pode parecer chocante essa afirmativa,
cabe convidar a uma olhada nas redes sociais. A perda da credibilidade dos
historiadores de ofício transparece um nivelamento raso que delega a todos
direitos sobre visões do passado. A negação da ditadura como processo político
drástico e consequente, por exemplo, é prova de que se apaga um passado,
colocando-se no lugar um nacionalismo sem cabimento no conjunto das culturas
politicamente desenvolvidas. E junto vem a liberação de armas, o desprezo ao
meio ambiente, o sexismo descabido e todos os preconceitos. Sem uma revisão do
pretérito com vistas no presente, sem um diagnóstico cabível da comédia de
erros que vivemos em termos de governo, antes de explicarmos o Brasil para os
brasileiros que estão fora de nosso quadrante geográfico e antes de explicá-lo
para os estrangeiros, temos que nos entender, internamente. Então, como pensar
escola sem partido? Como, por favor, expliquem-me e expliquem-se.
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