Roberto Rillo Bíscaro
Quando descobri que o original de Segredos e Mentiras era
australiano, vi um seguido d’outro: primeiro as duas temporadas da cópia
norte-americana (tem na Netflix) e depois a matriz.
Com a minissérie The Slap experimentei. Como Secrets
& Lies, a original é australiana e a releitura, ianque. Ambas são
adaptações do romance homônimo do greco-australiano Christos Tsiolkas. São
leituras do mesmo livro e não série original e adaptação. Mas, como o blog não
se presta a discussões acadêmicas, sigamos com minha experiência: por se
tratarem de oito episódios, escolhi dias em que tinha tempo de ver dois:
primeiro o australiano, imediatamente depois, o estadunidense. Foi assaz
instrutivo.
O Tapa envolve o antes e o depois de um incidente em uma
festa entre parentes e amigos. O insuportável garotinho Hugo faz tanta pirraça,
que um amigo da família o esbofeteia com gosto e vontade, bem no meio da fuça.
Isso vira litigio judicial e suas implicações nas vidas e relações das
personagens são abordadas em capítulos que levam nomes de alguns deles, como a
dizer que o foco está neles no episódio tal.
Se eu me interessasse em ministrar curso de roteiro ou
análise de, adotaria esse experimento para compor toda a disciplina. Apesar da
espinha dorsal do show australiano estar replicado em detalhes, trata-se de
duas abordagens diametralmente distintas. Os australianos fizeram mini centrada
nas personagens, ao passo que sua parente americana, tipicamente, salientou a
trama.
Tal efeito foi conseguido através de inúmeros
estratagemas – daí esse experimento poder virar uma disciplina de pós, facinho,
facinho. São tempos diferentes em cada episódio; mudança na ordem de alguns;
ocupações e classe social distintas; detalhinhos como um tiozinho preferir
cocaína e o outro maconha (maconha é ‘do bem”, até presidenciável defende já,
sacam a sutileza?); um ancião que tem ereção matinal e outro que tenta
arremedar seu papel de patriarca já sem função, conseguindo um advogado predador;
um aborto aqui, uma mãe terminal acolá.
As diferentes abordagens fazem com que a versão
australiana tenha certo jeitão de cine indie, ao passo que a posterior, mais de novelão metida a visual de filme de
Woody Allen (a ianque se passa em Nova York). A leitura dos Estados Unidos é
mais autocentrada em seu universo de classe-média alta, enquanto a original
flui muito mais para questões de multiculturalidade. Sob esse prisma, dá pra
perceber direitinho, como o arco-íris de tons de pele na atual TV norte-americana
é mera ilusão.
Não posso dizer ter gostado mais duma ou doutra; ambas
têm perdas e ganhos, mas uma coisa me incomodava e foi a norte-americana que,
mesmo que de raspão, comentou isso. Que bando de gente idiota é aquela que leva
aos tribunais um assunto desses, sem jamais questionar esses pais que não deram
a menor educação ao pirralho? Mais de um expectador certamente terá ganas de
esmurrar o menino, que usa raros discos de jazz como frisbee e cospe em idosos.
Sorte que a juíza ianque dá uma lavada naquela gente, que, de verdade,
precisava dumas cozinhas bem sujas pra lavar e ocupar as cabeças ocas.
Especialmente as da versão norte-americana, mas lembre-se de que a ênfase aí é
na trama. Viu? Perdas e ganhos...
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