Roberto Rillo Bíscaro
Martins Pena é conhecido e até respeitado por suas
comédias, mas sua produção dramática sempre foi esnobada. Em Fernando ou O
Cinto Acusador, o herói D’Harville é preso no mesmo calabouço onde seu pai fora
encarcerado, também vítima do titular Fernando. E não é que D’Harville descobre
o esqueleto do pai e, junto dele, o famigerado “cinto acusador”, onde estão
escritas com sangue as seguintes palavras: “Vítima das perseguições do infame
Fernando Strozzi. Um homem de honra viu aqui sua hora suprema. Aquiles, vinga a
morte de teu pai”? Diz-se que um grupo montou a peça em tom farsesco e
arrancava gargalhadas mediante tamanho melodrama absolutamente despreocupado
com qualquer espécie de realismo.
Isso me veio muito à cabeça durante a trinca de episódios
de Ordeal By Innocence, que a BBC exibiu na primeira quinzena de abril, do ano
passado. De três anos pra cá, a estatal britânica tem transmitido modernizações
da obra de Agatha Christie (leia a resenha pr’O Caso dos Dez Negrinhos), no
Natal.
A história entupida de flashbacks roga pro telespectador esquecer qualquer escrúpulo
realista ou verossímil e mergulhar em suas sanguinolentas águas turvas. Está
tudo exagerado, desde a cinematografia às interpretações. E isso não é crítica
derrogatória. É constatação.
Rachel Argyll, nobre milionária que não podia ter filhos
e adotara cinco, aparece morta numa das salas de sua enorme propriedade. Seu
rebelde filho Jack é suspeito, julgado e condenado pelo crime e até morre na
prisão. Dezoito meses depois, um forasteiro que diz ser físico retornando duma
expedição ao Ártico, apresenta-se na mansão com álibi inocentador pro finado
Jack. Mas, se não foi ele, quem matou Rachel?
A desculpa pra que todos os suspeitos estejam reunidos no
vasto espaço é o iminente casamento do patriarca Argyll com moça décadas mais
jovem. Não demora pra descobrirmos que Rachel era megera indomada e todos
possuíam motivos de sobra pra eliminá-la.
Resta saber, porque tamanha casca de ferida adotaria
crianças e até uma negra, em plenos anos 50. Mas, lógica não é o forte de
Ordeal By Innocence, que tem abrigo nuclear (atenção nele!), automutilação, homossexualidade
enrustida, tendências suicidas e um terceiro capítulo com revelações e
melodrama que fazem produção espanhola parecer contrita e, se encenados em
chave cômica, rivalizariam com a obra de Martins Pena.
Tudo é over: a trilha-sonora, a disfuncionalidade da família e a cena
final do fino e esbelto Bill Nighy, ou te arrepiará ou despertará gargalhada de
prazer. Em mim, causou ambos. Os dois capítulos iniciais são interessantes e
escuros também, mas francamente não me prepararam pro orgasmo de exageros do
terceiro. Rapaz, esses ingleses, quando rompem o exoesqueleto fleumático da
contenção das emoções vulcanizam com tiro, porrada e bomba!
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