terça-feira, 29 de janeiro de 2019

TELINHA QUENTE 345


Roberto Rillo Bíscaro

Ken Bruen é prosista policial nascido na Irlanda, cuja produção impressiona pela quantidade. São várias séries protagonizadas por distintos detetives e policiais. Um deles é o ex-guarda Jack Taylor, cujas aventuras em livro ganharam adição, em 2017, com o lançamento de The Ghosts Of Galway.
Galway é a cidade de cerca de 80 mil habitantes, onde se passa a maior parte das aventuras de Taylor, se bem que algumas cenas dalguns episódios da série irlandesa Jack Taylor foram gravadas na Alemanha, porque a TV3 a coproduziu com parceiros germânicos. Desde 2010, 9 filmes de cerca de 90 min. cada foram produzidos e estão na Netflix.
Afastado da guarda municipal de Galway por haver se metido com figurão político, Taylor é malquisto pela força policial local, apesar de resolver os casos que essa não consegue, quando contratado por clientes insatisfeitos com os resultados policiais. Conforme avançam os episódios, não dá pra evitar de pensar que a animosidade para com Jack chega a ser quase gratuita, apenas mais uma convenção ou arbitrariedade do roteiro pra garantir estatuto noir à personagem.
Jack Taylor é praticamente protótipo do detetive durão noir, beberrão e sempre apanhando, mas que tem bom coração, apesar de autocentrado e atormentado. O aspecto cartoonish é dolorosamente evidenciado pela vestimenta. Ao ser expulso da polícia, Taylor mantem o casacão azul-marinho do uniforme e o usa em todos os episódios. Personagem de quadrinhos e desenhos é que vestem a mesma roupa eternamente. Na série, mesmo após anos do rompimento entre Jack e a polícia, o casaco parece ainda OK.
Iain Glen  afirmou mais de uma vez que o divertido em interpretar Jack Taylor é poder soltar seu lado Scarface ou Clint Eastwood. Tudo muito bem, mas sua interpretação meio declamatória e enfática, além do vozão grave murmurante, podem resultar em overdose de teatralidade, junto com todo o resto de clichês. Fãs demais de Downton Abbey e Game Of Thrones poderão se interessar ao saber que Glen é Sir Richard Carlisle na primeira e Ser Jorah Mormont, na segunda. O ator é bom e Jack é gostável, mas enjoa se consumido seguidamente de perto.
Progressivamente os episódios tornam-se mais sombrios, especialmente porque aos casos somam-se as muitas desventuras de Jack Taylor e dos azarados que cruzam seu caminho.
Não desgostei, mas igualmente não posso recomendar, porque Jack Taylor é por demais genérico. Fãs completistas de qualquer coisa noir ou obcecados por qualquer coisa Downton/GoT são as únicas criaturas pras quais eu indicaria.

Mais interessantes, porém, mais difícil de ver, porque fora da Netflix, são as curtas quatro temporadas de Single-Handed. A RTÉ One produziu seis histórias, divididas em temporadas de dois capítulos, cada (exceto a última), que foram ao ar entre 2007 e 2010.
Ambientada na linda, mas meio desoladora costa atlântica da Irlanda, Single-Handed foca no policial Jack Driscoll, que retorna à cidadezinha natal e, além dos crimes, tem que enfrentar fantasmas familiares, especialmente conjurados pelo pai, ex-policial não de todo honesto. No fundo, Single-Handed é o confronto de duas Irlandas: aquela do passado, pobre, corrupta e cheia de abusos contra crianças e fracos e uma do presente, que quer se livrar dessas práticas. Embora as histórias sejam independentes, é útil ver a série em ordem e na íntegra, porque o último episódio revelará se Jack consegue se libertar totalmente das práticas do pai/da velha Irlanda.
Assim como historiadores de slasher films apontam Black Christmas como precursor do subgênero, cronistas atentos anotariam Single-Handed como Celtic Noir avant la lettre. Ou terão que dizer que mesmo sem o Nordic Noir, o clima de séries como Hinterland (tem na Netflix) e Shetland prenuncia-se na produção irlandesa. Quando da primeira temporada, Forbrydelsen mal fora ao ar em sua nativa Dinamarca, mas o policial irlandês já apresenta os céus carregados e o prevalente clima depressivo da miséria humana, que se tornaria tão em moda nos anos vindouros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário