Roberto Rillo Bíscaro
Lázaro é o personagem bíblico ressuscitado por Jesus,
mesmo depois de estar fedendo. Essa é apenas uma das inúmeras referências que
dão profundidade e multiplicidade de interpretações a Lazzaro Felice (2018),
escrito e dirigido por Alice Rohrwacher e constante
do catálogo da Netflix.
A italiana produziu um daqueles longas que não devem nada
a qualquer filme de arte europeu, especialmente os de seu país. Alice caminha
com extrema segurança por caminhos de pedras que indicam sua familiaridade com
o Neo-Realismo e o Cinéma Vérité e, típico de sua geração, não teme misturar
Realismo Mágico a essas formas mais engajadas de mostrar realidades nuas e
cruas. Há até quê de Forrest Gump.
O angelical Lazzaro vive feliz, fazendo o bem sem olhar a
quem, em uma comunidade rural isolada, que, apesar de situar-se temporalmente
em algo que se assemelha aos anos 90, vive sob o jugo duma marquesa, que fuma
como chaminé e vê a vida como Hobbes. Os lobos mencionados são metaforizações
do filósofo inglês. Pra ela é conveniente essa visão de relação humana, visto
ser quem explora mais. Mas, os campesinos não são anjos de candura explorados.
Replicam o comportamento, quando podem, especialmente com Lazzaro. Apesar de
provar conhecer bem a tradição marxista de cineastas conterrâneos, a italiana
não idealiza a classe trabalhadora e sequer aponta visão otimista, de vitória
do proletariado. No meio da narrativa, há mágico salto temporal e o grupo,
agora na Europa eurada e emigrada, aparece na mesma pindaíba e sucateamento de
antes, só que agora têm TV e comem salgadinhos (roubados).
Ligando esses dois mundos aparentemente tão distintos,
mas no fundo tão iguais, está Lazzaro, cujo nome significa Deus ajudou. Mas,
será que o Criador ajuda mesmo nesses dias de economia dominada por banqueiros
e ruas cheias de gente de bem civilizada?
Lazzaro Felice poderá ser
lido como fábula, como denúncia de exploração, como mistério, só não poderá ser
acusado de imparcial. Merecidamente premiado, o filme de Rohrwacher não tem
vergonha de ser didático, acusação feita por quem – tola ou manipuladoramente –
acha ou quer que achem, que a novela das oito também não o seja.
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