quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

TELONA QUENTE 272

Roberto Rillo Bíscaro

Lázaro é o personagem bíblico ressuscitado por Jesus, mesmo depois de estar fedendo. Essa é apenas uma das inúmeras referências que dão profundidade e multiplicidade de interpretações a Lazzaro Felice (2018), escrito e dirigido por Alice Rohrwacher e constante do catálogo da Netflix.
A italiana produziu um daqueles longas que não devem nada a qualquer filme de arte europeu, especialmente os de seu país. Alice caminha com extrema segurança por caminhos de pedras que indicam sua familiaridade com o Neo-Realismo e o Cinéma Vérité e, típico de sua geração, não teme misturar Realismo Mágico a essas formas mais engajadas de mostrar realidades nuas e cruas. Há até quê de Forrest Gump.
O angelical Lazzaro vive feliz, fazendo o bem sem olhar a quem, em uma comunidade rural isolada, que, apesar de situar-se temporalmente em algo que se assemelha aos anos 90, vive sob o jugo duma marquesa, que fuma como chaminé e vê a vida como Hobbes. Os lobos mencionados são metaforizações do filósofo inglês. Pra ela é conveniente essa visão de relação humana, visto ser quem explora mais. Mas, os campesinos não são anjos de candura explorados. Replicam o comportamento, quando podem, especialmente com Lazzaro. Apesar de provar conhecer bem a tradição marxista de cineastas conterrâneos, a italiana não idealiza a classe trabalhadora e sequer aponta visão otimista, de vitória do proletariado. No meio da narrativa, há mágico salto temporal e o grupo, agora na Europa eurada e emigrada, aparece na mesma pindaíba e sucateamento de antes, só que agora têm TV e comem salgadinhos (roubados).
Ligando esses dois mundos aparentemente tão distintos, mas no fundo tão iguais, está Lazzaro, cujo nome significa Deus ajudou. Mas, será que o Criador ajuda mesmo nesses dias de economia dominada por banqueiros e ruas cheias de gente de bem civilizada?
Lazzaro Felice poderá ser lido como fábula, como denúncia de exploração, como mistério, só não poderá ser acusado de imparcial. Merecidamente premiado, o filme de Rohrwacher não tem vergonha de ser didático, acusação feita por quem – tola ou manipuladoramente – acha ou quer que achem, que a novela das oito também não o seja.

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