segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

CAIXA DE MÚSICA 351



Dedicado à memória de Steven Young, falecido em 13 de julho, de 2016



Roberto Rillo Bíscaro


Em 1987, uma canção mudou o rumo da música pop. Parece exagero de saudosista 80’s, mas não é. Pump Up the Volume, constituída basicamente por samples de inúmeras canções e falação sobre base hip hop, cravou primeiro lugar na parada britânica e quase conseguiu entrar no Top Ten ianque. Isso por si só seria um feito, dada à impenetrabilidade norte-americana pro alternativo.

Pump Up the Volume era música feita por e pra DJs, pra clubes hipsters e desafiava o conceito de autoria. Hoje é segunda natureza surrupiar trechos de qualquer coisa pra compor qualquer coisa, mas há três décadas as gravadoras ainda tinham poder sacrossanto sobre direitos autorais. Além disso, o single marcou a chegada do independente selo 4AD ao cume do Top Ten. A gravadora dos etéreos Cocteau Twins batendo majors como Rick Astley e até Wacko Jacko. Até nos rincões do conservador noroeste paulista dançávamos ao som de M/A/R/R/S, nome dos anônimos compositores da canção, até nisso precursores. Hoje é tão comum nomes de artistas que nem sabemos quem são, com grafias ingrafáveis.
O fundamental M/A/R/R/S foi evento único constituído por duas bandas da 4AD, que provavelmente não constarão nem no rodapé dos futuros volumes de história da música pop: AR Kane e Colourbox.
O Colourbox foi formado em 1982, pelos irmãos Steve e Martyn Young, e sua cantora “clássica” é Lorita Grahame, que entrou em 83 e é a voz das gravações mais conhecidas. Até 87, lançaram esparsos singles, EPs e um par de álbuns, nunca obtendo sucesso de massa. O trio é cult desde a época em que atuou, mas agora o acesso é facilitado pelo Spotify, que tem praticamente tudo. Escolhi o álbum homônimo de 1985, a versão com 14 faixas, porque no serviço há umas duas bem mais vitaminadas. Na verdade, essa já é maiorzinha, porque o álbum original possuía uma dezena de canções e chegou ao topo da parada indie.
O underground tem servido de farto pasto pro mainstream, que o digam Bowie e Madonna, sempre antenados pra transformar o alternativo em mais palatável pra consumo maior. A batida alucinada de Punch e Manic, que viraria estouro de sucesso até nas paradas da Billboard, já estava dada pelo Colourbox, em 85. Compare as locomotivas do álbum de estreia de Taylor Dayne, que entrariam até pra trilha de novela global, com essas duas canções dos britânicos: as estruturas rítmicas de percussão e linhas de teclado são similares, parte de uma estrutura de sentido muito comum mais pro final da década.
Desde que ouvi pela primeira vez – no fim do século passado, creio – formulei teoria pro fracasso do Colourbox em se popularizar. Ou foi problema de divulgação da 4AD ou o que pra mim é mais provável: a produção não é tão bombástica, quanto à do mainstream da época; o som parece meio “distanciado’, tem hora que parece vir d’outra dimensão. Novamente, evoco a comparação com Dayne, digamos Tell It To My Heart e/ou Prove Your Love para notar como a sonoridade é diferente. O Coloubox soaria algo interplanetário pro ouvinte apenas do Top Ten.
Repertório não deve ter sido empecilho pra popularidade, porque é acessível e eclético (alguns dirão que até demais). Tem reggae/dub (Say You e Hipnition), balada à anos 50 (The Moon Is Blue), balada pop à anos 80 (Arena e Arena II), eletrosoul (Inside Informer), puro pop (Suspicion) e até Motown, na cover de You Keep Me Hanging On, das Supremes. Kim Wilde também regravaria o clássico, em 1986. Ouça as duas em seguida e veja como a do Colourbox é mais “esparsa” Isso não significa melhor, apenas diferente. Amo Kim Wilde e Taylor Dayne.
E como boa parte do M/A/R/R/S estava no Coloubor, claro haver precursora de Pump Up the Volume. Just Give’m Whisky é uma espécie de cavalgada spaghetti punk, cheia de samples de filmes de velho oeste e séries obscuras, como The Prisoner (you are number six!) e até solo de guitarra. O repertório é tão diversificado que abre com instrumental em piano elétrico, que parece anunciar um álbum dalgum de seus companheiros mais etéreos de 4AD.
Colourbox pra sempre permanecerá pra poucos, mas os leitores deste blog podem fazer parte dessa seleta minoria.

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