Roberto Rillo Bíscaro
Indra Rios-Moore tem nome de divindade indiana e é filha
de porto-riquenha e afro-sírio-americano, baixista de jazz. Estudou vocalização
lírica, participava de acampamentos, onde se praticava música balcânica e
cresceu na multicultural Nova Iorque.
A Grande Maçã é tão madura de oportunidades pra quem as
busca, que, enquanto trabalhava como garçonete, Indra conheceu o saxofonista de
jazz dinamarquês Benjamin Traerup. Logo estavam casados e desde então, a moça
vive a chata vida de se dividir entra a Nova Roma e a pobre Escandinávia. Seus
músicos de apoio são todos da região, onde faturou prêmios e excursiona sempre.
A aderente mania de catalogar, enquadra Rios-Moore como
cantora de jazz, mas seu som aglutina muito mais que apenas o que se
convencionou imaginar como clichê jazzístico. Claro que há muito saxofone – uma
das marcas de certa facção do subgênero – e sua divisão no cantar é de grande
do jazz, porém, seus dois álbuns aventuram-se com muita competência até por
terrenos art-rock, conseguindo transformar em seu, clássicos de alguém tão
personalista quanto David Bowie. E, caso você não conheça como o Camaleão
inovou em seu auge, acredite, o que Indra fez é muita coisa. Presente no álbum
Heartland (2015), até predatou o canto de cisne de Blackstar.
O onipresente sax do maridón sueco introduz o esparso
início de Heroes, que Rios-Moore despiu e deixou praticamente irreconhecível a
não ser que você entenda a letra. Embora haja elementos de free jazz, aquilo
tem art-rock no DNA.
A moça é atrevida. A versão de Money, do Pink Floyd,
mantém a estrutura melódica, especialmente no baixo e na guitarra acentuadamente
mais bluesy. Mas, Indra também resgatou a canção pra si. Não é o caso de
procurar melhores, mas de reconhecer que a cantora nos apresentou outra grande
possibilidade de desfrutar do clássico de Dark Side Of The Moon.
Território de jazz tradicional só mesmo o encerramento
Solitude, que volta ao Duke Ellington, dos anos 1930. Talvez por influência da
mãe latina, Indra tenha tido contato com boleros e isso se traduz em Hacia
Donde. Por qualquer língua e subgênero que tateie, a norte-americana se sai
bem, até mesmo cantando em algum idioma africano, em Oshun.
From Silence pode agradar quem ama folk, alt country e o
sentimento spiritual, entre gospel e R’n’B, está em números como Little Black
Train, Your Long Journey e Blue Railroad Train.
Com voz tão educada e
expressiva, os arranjos têm mesmo que evidenciá-la e a releitura de What
Becomes Of a Broken Heart é tão esparsamente sublime que lembra a intensidade
quieta das Trinity Sessions, dos Cowboy Junkies, que completa 30 anos. Indra
Rios-Moore está na mesma liga de bambas como Lizz Wright e Margo Timmins.
Conta-se que Heartland foi gravado em três dias, um mês
após a morte da mãe, da qual Indra cuidou por muito tempo. Carry My Heart saiu
este ano e seu pontapé veio também de uma situação de tristeza pra
norte-americana. No dia seguinte à eleição de Donald Trump, um afroancião
percebeu que Indra estava desolada na rua. Acercando-se, deu-lhe um abraço, do
nada, e garantiu-lhe que tudo ficaria bem, afinal já haviam passado por coisa
pior.
O clima de conforto espiritual deve ter influenciado no
tom gospel/spiritual de várias escolhas no repertório, como a abertura, que
batiza o álbum, além de Keep On Pushing (tem até coro de haleluia) e Come
Sunday, que tem o arranjo mais ousadinho, num álbum cujas melodias são mais
lineares, o que não significa queda na qualidade. Pelo contrário, o caráter esparso
de quase tudo, realça o espantoso vocal de Rios-Moore.
Seria bem mais correto e descritivo rotular o trabalho de
Indra com o abrangente “Americana”. Carry My Heart tem baladona soul em Don’t Say Goodnight (It’s Time
For Love) e acenos para o country, em Give It Your Best e para o folk à Indigo
Girls, em Be Mine. I Loved You é a coisa mais tradicionalmente jazz de um álbum
que também tem covers de Creedence Clearwater Revival (I Can See Clearly Now) e
Steely Dan (Any Major Dude Will Tell You). Love Walked In soa como valsinha
jazzificada à Billie Holiday.
Muito maior do que qualquer
tentativa de reduzi-la a um subgênero, Indra Rios-Moore é uma das grandes
vocalistas da atualidade; esse é o único mínimo comum sobre ela.
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