RENATO TEIXEIRA: EM QUALQUER LUGAR.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Assumi o ridículo e nem liguei para as pessoas que me ladeavam,
e até riam discretamente, vendo um senhor de 75 anos cantarolando pela rua. A
letra era de “Vamos celebrar”, do
Oswaldo Montenegro, e que servira de fechamento do Show com Renato Teixeira, no
VivoRio, num calorento sábado, dia 09/02/19. E lá ia eu no encalço de um táxi,
meio que dançando, meio que flanando, meio que bobo com o enredo da vida: “Eu gosto de andar pela rua/ bater papo, de
lua e de amigo engraçado/ Eu gosto do estilo do Zorro/ o visual lá do morro e de abraço apertado/ Eu
gosto mais de bicho com asa/ mais de ficar em casa e mais de tênis usado/ Eu
gosto do volume, do perfume/ do ciúme, do desvelo e do cabelo enrolado...”
Repeti por vezes como um longo poema, admirado por me lembrar de cada verso, mas,
por fim, lá pelas tantas, parei no tal do “cabelo
enrolado”. Dei uma repentina travada, e troquei o passo alegórico pela
dúvida paralisante: Cabelo enrolado,
como assim? O Oswaldo pode, como ninguém, pois ostenta uma vasta e invejável coleção
de fios lisos escorregados. Mas eu sou careca, e o que me resta de cabelo, uns
20%, não permite nada próximo de cabelo
enrolado. O Renato, sim, bem definido em sua postura de compositor,
libertou-se de aparas e soltou seus caracóis agora nevados.
Outra canção do Oswaldo atiçou minhas lembranças “não sei se o poema é bonito, mas preciso
escrever”. Ato contínuo, deixei o espetáculo, abracei longamente o amigo, e
vim para casa. Tentei, mas não consegui dormir. Agitado, levantei-me e
novamente Oswaldo me veio à cabeça e me autorizava retraçar os nós que a vida
me permitiu com o gentil amigo Renato Teixeira. E foi assim que o passado se me
abriu como azul céu taubateano. E lá atrás, escondida entre as nuvens que
mostram a beleza sempre pretérita, me via em várias situações ao lado dele. No
interior, as pessoas não se apresentam, todos se trançam e nem me lembro dos nossos
primeiros encontros. Sei só que, certa feita, estávamos juntos na casa de
nossas namoradinhas que eram irmãs. Depois, fiz uns poeminhas e ele musicou
(certamente esqueceu-se, mas eu ainda cantarolo “seus olhos grandes, sua boca pequena, o seu jeitinho, sua pele morena);
o interessante dessa passagem é que fomos juntos a uma Rádio local, a Cacique
de Taubaté, e em um programa do amigo comum Robson Barone nos apresentamos. O
rádio era importante veículo de comunicação, em particular em um tempo que a
televisão ainda não dominava todos os lares. E foi pela voz do Renato que se
investira em radialista que, pela Rádio Difusora Taubaté, todos os dias às 6
horas da manhã ele lia crônicas que eu assinava. De minha parte, comemoro com
lágrimas as leituras desses textos que ainda tenho bem guardados. Mais tarde
virei, ainda muito jovem, diretor cultural do Clube da cidade, e, com empenho
pouco traduzido, revelo que me esmerei em dar dimensão a um show escrito por
ele e seu irmão Roberto, intitulado “Samba
em três tempos” – sinceramente, daria alguma coisa valiosa em troca de ver
reencenado esse espetáculo. Certa feita, fui como estudante de intercâmbio para
os Estados Unidos e trouxe-lhe de presente dois LPs, um do Bob Dylan e outro de
country music.
Para seguir carreira, Renato e eu saímos de Taubaté. Como
rizomas que brotam em outros quintais, ele seguiu a carreira musical e eu virei
historiador. Nunca nos deixamos de maneira consequente. Encarregado dos alunos
estrangeiros na USP, diretor de estudos sobre a Contemporaneidade Brasileira,
por anos seguidos convidava o Renato para apresentações no campus. E assim
íamos costurando nossas histórias: casamentos, filhos e mil amigos. Mais
recentemente, por dever acadêmico, me vi convidado a escrever sobre música de raiz
interiorana, e então redigi um texto intitulado “Nossa Senhora Sertaneja”
dedicado a ele, colocando “Romaria” como aposse de um processo de louvação. E,
por ocasião dos trezentos anos da aparição da Imagem da Santa de Aparecida,
supusemos escrever uma ópera que, talvez, um dia se torne realidade. Há um
evento, contudo, que me comove mais que todos. Em dado momento, Renato compôs
uma canção linda, chamada “O Turco do mercado”, e a inspiração foi meu pai.
Confesso que poucas atitudes marcantes em minha vida têm a força dessa menção.
Não posso ouvi-la sem chorar. Em ocasião anterior, mesmo sem avisar, fui ver um
show do amigo querido, pois não é que ele me vendo na plateia, introduziu a
peça e me fez despencar a ponto de precisar de apoio de amigos. Tenho outras
passagens que guardo na melhor gaveta de minhas emoções, mas retomo Oswaldo
Montenegro para sintetizar o que sinto ouvindo a canção “Velhos amigos” detalhando que “velhos
amigos sempre hão de se encontrar seja onde for/ seja em qualquer lugar”.
Pois é, quem conhece Renato Teixeira sabe que ele é dos que estão, sempre, no
coração de seus amigos... em qualquer lugar e que vamos sempre nos encontrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário