quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

CONTANDO A VIDA 266


É PROIBIDO GARGALHAR, RISADINHA PODE, MAS...


José Carlos Sebe Bom Meihy


Lembro-me com nitidez do conselho ouvido quando ainda era menino e queria escrever como gente grande. Explicava o saudoso professor que todo texto bom deve “fisgar o leitor pelo título”. E quantas vezes não compramos livros ou lemos um artigo por essas indicações? Tudo ganha ainda mais sentido e demanda especial cuidado ao se tratar de assuntos sérios, tristes, sisudos, ou de impacto social dramático. Meio atordoado, já crescidinho em termos de redação para público amplo, retomo aquelas dicas, tendo em mira declarações de pessoas que dizem “pois é, o título prometia”, “comecei ler, mas...”, ou ainda, “o título diz uma coisa, mas o texto fala de outra”. Frente a tais supostos, a responsabilidade em dar bom nome aos escritos aumenta muito, e o estabelecimento de uma lógica entre o título e o conteúdo, entre a provocação e o argumento deve marcar a fluidez de uma proposta. Em termos de crônicas, isso é vital, pois os espaços reduzidos exigem costura fina.

Pois bem, resolvi abordar algumas loucuras do discurso político brasileiro atual assumindo um mar de preocupações ameaçadoras (tive cuidado com a metáfora, pois quase disse “mar de lama”, de tal forma estou tomado pelo inaceitável impacto da catástrofe ambiental de Brumadinho). Assim, os ensinamentos daquele tempo de estudante, agora, recobraram sentido em minha cabeça, quando pensei tanger o tema desta crônica atenta aos limites do riso X tragédia. É que pretendi trançar fatos explícitos da desgraça nacional com interpretações políticas exaradas de autoridades que se dizem competentes – algumas, aliás, falam até em nome de Deus. Foi assim que se me aflorou a gasta menção expressa por Caetano Veloso em 1968, no Terceiro Festival da Canção: “é proibido proibir”. E dei forma à essa latejante alusão evocando aquele tempo fechado, de ditadura civil-militar, recorrendo ao título “ é proibido gargalhar”. Isso porque, ao ouvir tanta besteira dita, repetida e “viralizada”, a vontade é mesmo de soltar o riso, sonorizar gargalhadas que fariam a alegria de trupes pândegas. E são tantas! Tantas, tantas, que poderíamos fazer uma ladainha ou boa ópera bufa, justificadora da perplexidade do ex-ministro Mangabeira Unger, professor e filósofo lotado em Harvard, ao dizer sobre a vitória do atual presidente que o resultado eleitoral foi “uma resposta popular tosca”. Sem medo de errar, acrescentaria “tosca e burra”. Em que se pesem exceções, a melhor tradução dos equívocos está na composição ministerial. E neste caso, não há como deixar a abertura dessas loas à outra pessoa que não Damares Regina Alves, regente (“Regina/ regente” é mesmo irônico, não?!) da pasta Da Mulher, Direitos Humanos e da Família. Além da alusão decantada que é “terrivelmente cristã” ainda que o “estado seja laico”, e de sua sonora preferência cromática em termos de gênero (“azul para meninos, rosa para meninas”), outras pérolas engrossam o anedotário coerente com as políticas que defende. Eis algumas pérolas selecionadas, e publicamente desmentidas, pelo “detetive virtual”, no programa “Fantástico”: “Estamos vivendo uma ditadura gay”, “a Europa já está ensinando que precisamos masturbar bebês”, “no Brasil tem muitos hotéis-fazenda de fachada, que é para turistas transarem com animais”.

Mas, infelizmente, a ministra-pastora não está sozinha em suas pregações idiotas. O discurso de posse do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, concorre como capolavoro das sandices universais. Ao misturar citações em latim, grego e tupi, quase provou que somos mesmo uma república das bananas, pois o público imediato, a seleta e refinada elite diplomática e os representantes eleitos, sequer podiam, pela etiqueta conveniente a uma posse, exibir a perplexidades. Reinou o silêncio; o silêncio dos que entenderam e dos que estavam ali por obrigação do cargo e nada entenderam. Em continuidade, o ministro representante da Educação, Vèlèz Rodrigues, poderia ter ficado calado em vista do caudaloso encadeamento de besteiras sobre ensino público, reinstauração das disciplinas de moral e cívica e de direito amplo e acesso aos níveis superiores de estudos. É claro que não cabe minorar seus doutos comentários sobre o comportamento de brasileiros no exterior, e nem mesmo sua alusão besta à frase supostamente atribuída a Cazuza. E o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que, mesmo se reconhecendo ignorante em vista da figura de Chico Mendes, o percebeu como alguém que agia em benefício próprio? 

O problema não minora quando escapamos do discurso federal. O Rio de Janeiro – que apesar da avassaladora onda de desgraças padece também com um prefeito que frente ao desabamento de encosta da Avenida Niemayer afirmou publicamente, com ar de quem sabe o que está falando, que “estávamos preparados para enfrentar as ondas do mar, não para os deslizamentos das montanhas”. Seria fácil continuar arrolando estapafúrdios que se atropelam em velocidade geométrica. O difícil mesmo é entender a combinação dos discursos que provocam risadas. Mais complicado ainda é ter que admitir que tais discursos são expressos por autoridades que ostentam poder e manipulam ações consequentes para todos. É triste admitir uma verdade que se plasma na consciência nacional “o que dá pra rir, da pra chorar”. Creio que deveremos verter muitas lágrimas antes de achar tudo isso engraçado, portanto, por enquanto é proibido gargalhar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário