Roberto Rillo Bíscaro
Quando criança, achava o máximo da civilização os casais
dormindo no mesmo quarto, mas cada um em sua cama. Era assim nos filmes da
Sessão da Tarde e no desenho dos Flintstones. Sem que eu suspeitasse, aquela
representação noturna de casais de respeito era fruto da censura em Hollywood.
Como há 40 anos ainda se exibia muito da produção cinquentista na TV, eu cria
que nos EUA era assim que acontecia.
Lembrei disso, quando vi o casal de Invasores de Marte
(1953) dormindo separados, logo no começo do influente filme. Invaders From
Mars é a história do menino que acorda de madrugada com barulhão de espaçonave
alienígena pousando bem atrás de seu quintal e logo percebe que seus pais e
diversos a seu redor estão possuídos pelos verdes (literalmente) marcianos.
Produzido independentemente pela National Pictures Corp.,
por menos de 300 mil dólares, Invaders From Mars (IFM) não tinha muito tempo
pra enrolação: o pequeno leva suas suspeitas pro Exército, que prontamente crê
e entra em ação. Ao invés de gastar dinheiro com mais tempo de exibição, IFM
preferiu investir numa trilha-sonora fantasmagórica e em efeitos especiais
decentes pra época, resultando num produto que dá pra ver até hoje, porque tem
ação e clima até meio de medinho. Aquele coro sobreposto à instrumentação meio
do além, mostrando o redemoinho de areia ou o marciano capacetado, deve ter
grudado na cabeça de muito Steven Spielberg no escurinho do cinema dos 50’s.
Roteiros cuja “solução” final é o “tudo não passou dum
sonho” estão entre os mais toscos na pirâmide da criatividade, porque equivale
a admitir que você criou uma história, mas não sabe termina-la. O final onírico
de IFM, porém, pré-data em décadas o aprisionamento temporal d’O Feitiço do
Tempo. Será que o pobre David está preso num ciclo eterno de pesadelo? Que
cruel.
E não é que um final diferente teve que ser filmado pra
exibição na Grã-Bretanha, porque o original era aberto demais? Ué, mas não é na
Europa que tem mais “cultura” que nos EUA? Pelo menos é o que muita gente diz
até hoje, em frente aos portões da Eurodisney.
A inserção na dimensão do
sonho também faz com que IFM drible algumas de suas falhas. Como quem sonha é
David, dá pra perdoar porque os ETs já não o cooptam desde o começo ou porque
tantas imagens de arquivo do exército são usadas. Sabemos que é pra poupar
dinheiro, mas no universo de IFM é expressão do fascínio e confiança infantil
no exército, que vencera a Segunda Guerra e em 53 defendia o “mundo ocidental
livre” na Coreia.
Em 1986, Tobe Hooper dirigiu releitura de Invaders From
Mars, a partir do roteiro original, colocando até o ator que fazia David como o
chefe de polícia. Quando ele se dirige à colina onde caiu o disco voador, diz
algo como “Gee, I haven’t been here since I was a kid”. O David original dizia
“gee whiz”, quando via os OVNIs.
Fracasso de bilheteria e crítica, houve quem malhasse o
IFM oitentista, pelo uso excessivo de efeitos especiais. Desconfio que esse não
seja o problema, afinal, será que se os produtores cinquentistas tivessem
dinheiro, não bombariam seu filme com os efeitos à disposição então?
O que pega mesmo é que enquanto o original é cheio de
personalidade, Hooper dirigiu versão gremlinizada, claramente influenciada por
Spielberg. Os marcianos de Hooper parecem versões com elefantíase de Mr. Potato
Head, fazendo aqueles barulhinhos característicos de monstro oitentista.
Brocha, porque Hooper tem talento pra ser mais do que mero copista: ele é o
cara por trás do influente Massacre da Serra Elétrica.
O original praticamente
inventou as narrativas de despersonalização por meio de invasão alienígena no
cérebro e suas imagens distorcidas, quase Expressionistas às vezes,
influenciaram horrores. O de 1986 foi apenas mais um filme, sem sal não por
culpa dos efeitos especiais por si, mas por quem os usou sem criatividade.
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