segunda-feira, 11 de março de 2019

CAIXA DE MÚSICA 356


Roberto Rillo Bíscaro

Os algoritmos do Spotify me entendem melhor do que os da Netflix. Supostamente baseada no que vejo ou adiciono a minha lista, a plataforma de vídeo vive me sugerindo coisas que nem de longe me atraem. O serviço de streaming musical, por outro lado, tem me fornecido sugestões tão boas a ponto de correr o risco de ficar preguiçoso e me fiar apenas nelas.
Victory Boyd nasceu em Detroit, uma de muitos membros duma família de músicos e cantores, que se apresentam como coral em escadarias de metrô e, mais recentemente, no nova-iorquino Central Park. Foi lá ou através de um de seus vídeos acústicos no Youtube, que a moça captou a atenção de Jay Z. Depois de um EP, ano passado saiu o primeiro álbum de Victory, The Broken Instrument.
Com sua jovem voz meio rouca, Victory cravou um trabalho sem erros, rico em influências e otimismo. É mesmo o trabalho de uma jovem entusiasmada com a vida, mas cônscia de que existem barreiras raciais.
The Broken Instrument abre com Against the Wind: começo discreto de violão e percussão, bem folk, para aos poucos se transformar em hino orquestral sobre encarar a vida. É o folk que informa boa parte do álbum, mas sempre com elementos de música negra e certa sensibilidade pop. Weatherman e First Night Together seguem essa linha, com suas inflexões gospel e soul.
Muito embora o influxo folk seja bem sentido, colocando Victory na tradição de Roberta Flack e da oitentista Tracy Chapman, o álbum percorre outras veredas. Jazz Festival é delícia de brisa, que abre discreta pra desabrochar em sambinha-jazz. A Happy Song tem título autoexplicativo e clima balançante de Motown, que dá vontade de sorrir sozinho na rua. O mesmo alto-astral ocorre na midtempo Open Your Eyes, com sua batida começo dos anos 90. Who I Am é fluida e com discretos metais funk, com letra que reconhece a necessidade de luta por igualdade racial. Extraordinary é balada folkeada, que valoriza a singularidade individual.
O triunfo de The Broken Instrument termina com a faixa-título, dividida em três seções, sendo que a do meio é uma narração. Dramática, orquestral, a canção conta a história de um instrumento musical que se quebra, vai parar num lixão e é resgatado. A estória é metáfora para o poder divino em proporcionar redenção.    
Sem preocupação em soar como a última tendência da produção musical, Victory venceu com um álbum orgânico, que demorará muito pra soar datado, porque aposta no poder do canto e na acusticidade.

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