Não me surpreendi, quando achei o álbum de estreia de
Kali Uchis em listas de melhores de 2018, tanto de publicações mais
hipsterizadas, quanto mais mainstream
(mas, não demais). Adoto política inflexível com relação à permanência de
álbuns em meu celular: assim que resenhados, dão lugar a novos. Como me recuso
a adicionar espaços de memória além dos fornecidos por fábrica e ouço bastante
coisa “nova” e nova, tal rotatividade é necessária. Gosto tanto da síntese de
Uchis, que Isolation ficou quase um ano mais visível/acessível. Agora,
finalmente, repousa na biblioteca do serviço de streaming.
Karly-Marina Loaiza nasceu e cresceu na ponte
Colômbia-Estados Unidos. Sempre envolvida por/com música e vídeo, seu pai
sugeriu-lhe o nome artístico Kali Uchis. Desde adolescente, vem lançando
material e colaborando com gente do naipe de Snoop Dogg. Dia 6 de abril, de
2018, finalmente saiu seu primeiro álbum cheio.
À primeira vista, Isolation parece título inadequado:
- Uchis já mostra seu poderio ao juntar-se a tanta gente
boa e famosa em sua estreia: a lenda Bootsy Collins; Damon Albarn, do Blur e Gorilaz;
a ascendente Jorja Smith, que faturou BRIT Awards, ano passado. Isso pra
mencionar apenas os mais graúdos (pra mim).
- bilíngue e abordando temas como imigração e exploração
trabalhista, além do usual amor e bravatas pós-modernas, Isolation é nada
isolacionista ou ensimesmado. Ao contrário, é cadinho fervilhante e fervente de
ajuntamentos.
A menina, porém, é sábia além da tenra idade (nasceu em
julho de 1994) e cônscia de sua posição no pop contemporâneo. Isolation tem
esse nome, porque ela não quis seguir as principais tendências sônicas e de
produção atuais. Sem exagero, Uchis inventou sua sonoridade, através de
caleidoscópica recombinação de elementos, às vezes, tantos em uma só canção,
que daria resenha à parte para algumas delas. Kali está isolada no cenário;
sabe disso, orgulha-se e demonstra segurança e a coragem de desbravadora. O
resultado nas paradas foi o esperado: a maioria não ouviu, mas quem o fez, não
teve remédio senão cair de joelhos, daí as resenhas reverentes chovidas de todo
canto.
As quinze faixas jamais derrapam e até os interlúdios se
sustentam, como minicanções. Uchis arriscou-se: atira pra todas as direções,
mas acerta os alvos, sem exceção. Seja com vozinha de anjinha ninfetada na
bossa-jazz de Body Language, seja no synthpop chiptunado, de causar inveja a
qualquer beldade gelada da Escandinávia, de In My Dreams, Uchis canta com
segurança e os arranjos são inventivos e originais. Os timbres de Just a
Stranger fazem-na soar como se produzida nalguma dimensão paralela, que
estivesse experienciando uma década de 70 coetânea aos nossos 2010’s. A balada
soul Flight 22 causa a mesma impressão, às vezes. Ela desacelera o reggaeton em
Tyrant e Nuestro Planeta; desliza pelo urban soul, em After the Storm e é
influenciada por Amy Winehouse na modernidade retrô de Feel Like a Fool.
Resenhar álbuns tão inovadores é desafiador, porque
descrições como “balada soul” são redutoras e ineficazes. Cada canção é montada
a partir da simbiose de tantos elementos. Miami, talvez o Everest de Isolation,
é exemplar nesse sentido. Em seus quatro minutos, las cabroncitas Kali Uchis e
BIA cantam sexy, proferem bravatas rap, em cima dum arranjo que é uma galáxia
nova: tem cheirinho bem suave de trap, guitarras plangentes à Steve Howie e
clima de Lana del Rey, produzida por Serge Gainsbourg tudo ao mesmo tempo ou se
alternando. E mantém a qualidade pop de ir direto ao ponto.
Experimentação e
desbravamento afugentam os sem paciência para inacessibilidade. A genialidade
de Isolation, dentre outras coisas, reside na capacidade canibal de Uchis e
seus produtores de recombinarem elementos e transformá-los em pop perfeitamente
acessível. Isolation é música ‘fácil”, para curtir, só não é conformista.
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