Nani Medeiros cresceu influenciada por seus irmãos
músicos, então, seu diploma de bacharel em direito (como o paulista Flávio Tris) tem menos importância pro mundo, do que seu trabalho como locutora,
apresentadora e atriz. Fã de Elis Regina, Medeiros lançou seu primeiro álbum ano
passado.
Valentia traz dezena de faixas, onde o samba dá o tom à
metade do material: Sabor Amargo, Negra, Não Volto Atrás, Ilê e a faixa-título
porão suas cadeiras pra requebrar.
Sétimo Drinque é samba, mas bossa, com letra totalmente
sinestésica, uma maravilha, num trabalho que só traz inéditas e mostra que a
MPB vai muitíssimo bem, obrigado. Tem até chorinho abolerado com letra de bofe
sofredor, melodramatizando em mesa de bar, confira Batom Azul. Coisas Raras é
seresta; Coração Passageiro, ijexá e Viver do Mar, aquelas solenes baladonas
MPB só ao piano, linda.
Valentia traz arranjos límpidos, certeiros pra agradar apreciadores
de vozes femininas cristalinas, entoando MPB com sabor anos 70.
Mais informações no site de Nani Medeiros.
Livia Mattos começou no circo, então, performance e
criação musical pra cenas sempre estiveram em seu rol de habilidades e
interesses. Sanfoneira e integrante da trupe de Chico César, Lívia excursiona
pelo mundo, solo e com Chico. Além da música, dedica-se à carreira acadêmica.
Formada em sociologia pela Universidade Federal da Bahia, dedica-se a resgatar
narrativas e experiências de profissionais circenses idosos, pra preservar suas
memórias.
Com tantos influxos artísticos, educacionais e de
vivência estradeira, o som de Lívia Mattos não poderia se restringir a
folclorismos sanfoneiros xotados ou forrozeiros. Não que houvesse erro se assim
fosse. Em 2017, saiu o totalmente autoral Vinha da Ida, que mostra artista
pesquisadora e unificadora de tradição e modernidade.
A dezena de canções começa com o filé-mignon da
faixa-título: sem usar electronica,
Livia cria pop com sanfona fracionada e barulhinhos, que não faria feio se
comparado aos experimentos do mineiro Psilosamples, em sua fase Mental Surf.
Outro ponto acima da média é a circense Melodia-A-dia, música de picadeiro,
cheia de efeitos e onde o limite do silêncio chega ao desconforto: há duas
interrupções tão longas que você pode pensar que houve problema com seu player.
O resto de Vinha da Ida nem
de longe é tão aventureiro, mas isso não significa debilidade. Quando a sanfona
vem mais sassariqueira, carimbozada ou forrozada, sempre é em conjunção com
toques latino-salerosos, uma delícia, como em Vou Lá, Mais Eu e O Que Eu Quero
Levar? Pra descer o bundão até o chão! A malemolência reggae-xoteira de Amarear
tem a participação de Chico César; Deixa Passar também flerta com o tradicional
nordestino (o que quer que isso signifique), mas seu espírito é pop, porque tem
outros temperos no caldeirão. E isso qualifica Vinha da Ida pra públicos mais
amplos e sequiosos por novidade feminina na/da MPB.
Da cena recifense vem Isadora Melo, poliartista, que atua
na TV e teatro, além de sempre ter estado envolta em música, desde a infância.
Depois de participar de álbuns e turnês de diversos músicos, Isadora decidiu
aventurar-se solo e em 2016, saiu Vestuário, delicado álbum de estreia, onde os
arranjos doces e discretos realçam a delicada voz. Não é pra qualquer uma ter o
violoncelista Jaques Morelenbaum já tocando no início da carreira. Ele é
internacionalmente renomado como instrumentista e arranjador de trabalhos
emblemáticos de Tom Jobim, Caetano Veloso, Gal Costa e Ivan Lins.
Vestuário não utiliza percussão, apenas acordeão e
cordas, como violão, baixo, guitarra e bandolim. Esse minimalismo de renda fina
não apenas ressalta o canto cristalino, como faz com que muitos arranjos sejam
uma espécie de eco de subgêneros. As duas versões de Partilha comprovam que o
leque propositalmente bem finito de instrumentos jamais deixa o álbum cair no
tédio repetitivo, além de definirem bem essa ideia de “eco”. A primeira versão
é nitidamente a desaceleração d’alguma xotice nordestina, mas as cordas não
escondem a influência fadista da música portuguesa na nossa. Daí, quando se
escuta a versão que encerra o álbum, constata-se que a despeito da igualmente
parca instrumentação, a canção vira outra coisa.
Mimoso e intimista, Vestuário
traz pelo menos uma faixa indispensável, a divina Braseiro. Se fosse só por
ela, Vestuário já merecia audição. Mas não é, ele é todo lindo.
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