Roberto Rillo Bíscaro
O Hitchcock Que Virou MacGyver
Deve ser coisa acentuada a partir do século XIX essa
idealização e romantização da gravidez. Maternidade e mulheres esperando bebês
sempre derretem corações, mas uma recrutadora me contou que evitava contratar
mulheres, porque davam prejuízo à empresa com licença maternidade e afins. E
você leu corretamente, recrutadorA.
Os dois capítulos iniciais de The Replacement (2017)
funcionam maravilhosamente bem como crítica social a certos comportamentos e
expectativas com relação à gravidez e gestantes. A minissérie é sobre Ellen,
arquiteta bem-sucedida, em Glasgow, que engravida em meio ao projeto mais
importante de sua carreira. A firma contrata Paula Reece pra substitui-la na
licença-maternidade e não demora até que Ellen suspeite que a novata esteja
tramando pra assumir seu posto, em mais de uma instância.
Os dois terços inicias de The Replacement apontavam pra
mais um arraso da BBC. Ellen e Paula possuem históricos suspeitosos, então
estabeleceu-se clássica ambiguidade de thriller psicológico: Paula é psicopata
ou tudo não passa de paranoia de Ellen, que se sente insegura de perder o
emprego e a individualidade, porque todo mundo passa a tratá-la
paternalisticamente e a ver apenas um bebê numa mulher e não mais o ser-humano
Ellen. Algo como Alfred Hitchcock filmando um episódio de Black Mirror. Atente
para o uso dos silêncios e das portas de vidro do escritório.
No terceiro episódio, parece que o diretor/roteirista Joe
Ahearne viu episódios de MacGyver e filmes como A Malvada. O que cozinhava em
banho-maria vira sucessão de ações sem nexo, divertidas porque de suspense, mas
sem nuance alguma. Sabemos quem é a vilã, o marido de uma toma decisão
estapafúrdia, assim, do nada, e tem até ligação direta em airbag. Porque,
afinal, todo mundo que fica preso num carro sabe como sair inflando o airbag
mediante ligação direta, né? Básico, gente, ensina na autoescola, ah vá! Sem contar
que a personagem estar presa no auto não tem lógica, mas isso você descobre se
decidir dar uma chance pro sotaque escocês difícil de decifrar de The
Replacement. E se você entender, me conte porque uma melhor amiga marcaria encontro
à noite, numa construção, pra contar algo que poderia ser dito tranquilamente
pelo telefone ou frente a uma caneca de machiatto.
Ah, e ao final, quando um
cara fala uma frase que é supertípica em inglês, de alguém ser um “emprego em
tempo integral”, a mulher - devidamente fora do mercado de trabalho - replica
“ela não é um emprego, é minha filha”. Margo Channing deve ter se sentido
orgulhosa.
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