terça-feira, 26 de março de 2019

TELINHA QUENTE 353

Roberto Rillo Bíscaro

Quando a primeira temporada da francesa Les Témoins debutou na Bélgica, em novembro de 2014, a Europa encontrava-se varrida pela gélida lufada do vento Nordic Noir. Dinamarca e Suécia congelaram e escureceram telinhas na Espanha, Reino Unido, França e outros.
A meia dúzia de capítulos reza obediente o breviário escandinavo: no cinzento, úmido e congelante inverno nortista francês, detetives problemáticos investigam crime hediondo.
Na costeira Le Tréport – que tem pouco mais de 5 mil habitantes – alguém está desenterrando cadáveres ainda frescos e dispondo-os em idílicas cenas de convívio familiar amoroso em uma casa-modelo num condomínio. Les Témoins pode ser escancarada cópia de Nordic Noir, mas em termos de morbidez supera sua inspiração.
Sandra Winckler, Justin e o tristonho policial aposentado por invalidez Paul Maisonneuve (olha o simbolismo uau do sobrenome!) mergulham no mundo das pistas falsas e conclusões sacadas de quase nada, que cobrem todas as motivações dum serial killer com recursos inesgotáveis, ubiquidade e controle até sobre o imponderável. Mas, será que é um só mesmo?
Les Témoins é pura diversão macabra implausível, porque se quiséssemos verossimilhança, veríamos datenices ao fim da tarde. Os capítulos e cliffhangers prendem e despertam curiosidade pro próximo; o clima macambúzio - embora menos que o típico escandinavo – envolve; as roupas de inverno são lindas e o elenco fotogênico. Que mais esperar duma série de policial noir?

Em 2017, Sandra Winkler e seu parceiro Justin voltaram pra mais uma mórbida aventura, mais decalcada ainda de Nordic Noir, porque o criador não poupou esforços pra chocar. Como tudo que é em excesso – mesmo excessivos shows policiais – parece postiço. Witnesses: a Frozen Death às vezes dissipa-se em seu próprio frenesi maluquete psicopata.
Num ônibus, são encontrados 15 homens congelados, imaculadamente vestidos e penteados. Simultaneamente, uma mulher retorna totalmente desmemoriada a Lille após anos desaparecida. Ponto de partida super Bron/Broen; não há como não grudar na telinha com um mistério desses.
Agora com 8 episódios e patologicamente centrada em Sandra, Witnesses começa a incorporar tantos elementos, que quando chega o final você nem se importa mais com a trama, apenas com o desenrolar do nonsense. É Minotauro, mulher traumatizada que pensa ser criança, velho maluco defendendo doideiras sobre suposta vontade infante por liberdade, enfim, evidencia-se demais a construção do roteiro. Não flui com naturalidade, é forçado, e pra isso há que se contar com tantas decisões estúpidas, que, muitas vezes dá vontade que Sandra ou quem tomou a decisão realmente se estrepe.
Fãs de policial bizarro oriundo de Nordic Noir gostarão, mas quando Sandra adentra uma espécie de comuna infantil o expectador já estará tão saturado de sandices, que o efeito é mais anestesiante do que excitador. 

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