Roberto Rillo Bíscaro
Não são poucos os debates sobre deficiência enfocando o
uso do termo “especial”, para descrever pessoas ou necessidades. Estas são
específicas e os deficientes nada “especiais”, são gente capaz de maravilhas e
canalhices, como qualquer outra, apenas com características próprias, como não
poder ver ou andar. O nome da nova sitcom da Netflix, Special, foi escolhido
por seu roteirista e ator principal, Ryan O'Connell, autor do livro que a
inspirou, I’m Special and other lies we tell ourselves to get through our
twenties (2015). Assim, antes de conclusões precipitadas sobre o “especial”
titular, perceba que foi retirado de um contexto bastante irônico, dado por uma
pessoa com deficiência.
O’Connell afamou-se na blogosfera/twittersfera por
começar a falar sem muitos rodeios sobre como é ser gay com deficiência. Ele
tem paralisia cerebral em nível não muito forte, o que lhe permite até estrelar
a série, parecendo meio que um nerd, ao estilo do garoto autista de Atypical.
Pessoas com deficiência ganham cada vez mais espaço protagônico, desde que
possam fazer o motorzinho do drama funcionar e pareçam versões excentricamente
fofas de qualquer um. Há que louvar a inclusão na TV, mas sempre é preciso
discutir se ela não está criando olhares que só enxerguem a deficiência como
peculiaridade proporcionadora de momentos de humor e idiossincrasia. Autistas
podem ter acessos de raiva; queimar possíveis cânceres de pele com nitrogênio,
nos albinos, não é leve e divertido. Se bem que os albinos ainda não foram
lembrados pelos estúdios iluminados e que dificultam a abertura dos olhos. A
discussão precisa passar pela real validade da propalada inclusão, ou seja, se
as pessoas com deficiência não são apenas mais um objeto de curiosidade
divertida, sem repercussão educativa real nas representações.
Isto posto – e é necessário que o seja – resta a série e
Special é cativante e inovadora. Ryan O'Connell vira Ryan Hayes, que vive sob a
asas da mãe até arrumar estágio não-remunerado num blogue, onde esconde sua
paralisia cerebral. Como sofreu acidente de carro, atribui suas restrições e
diferenças como sequelas. A ideia é que seria mais facilmente aceito. Nesse
sentido, a personagem Ryan desenvolve um arco dramático de sair do armário como
pessoa com deficiência, porque como gay isso não precisa acontecer, porque
sempre foi assumido. Isso confere uma das originalidades de Special e é feito
com competência.
Formalmente, o modelo de sitcom passa por processo de
redução no tempo diegético. Cada episódio tem meros 15 minutos e todos os
episódios podem ser maratonados em pouco mais de duas horas. Mesmo com essa
brevidade, o roteiro consegue tocar em ponto bastante importante: o
ressentimento na relação entre mãe e filho. Não há dúvida de que Karen Hayes
ama seu menino, mas deixou de viver um monte de coisas por sua causa. Tal
constatação é o ápice da temporada de estreia e espera-se que seja desenvolvida
na possível jornada posterior. No laconismo da geração Twitter, o roteiro de
O’Connell consegue desenhar personalidades e trajetórias às personagens
coadjuvantes, especialmente à mãe e sua tentativa de romance com o vizinho
Phil. Ou seja, Special é também competente exercício de concisão narrativa.
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