Roberto Rillo Bíscaro
O returbinamento da franquia de horror Halloween, no ano
passado, incentivou-me a rever todos os filmes da série e comentá-los pros
leitores do blog. Como já me referi ao clássico de 1978 por várias vezes, esta postagem fala de Halloween II em diante, sem contar com o filme do ano passado, também já resenhado.
Quando Halloween II (1981) foi lançado, slasher films já
despertavam a ira da censura e o período mais lucrativo em termos de bilheteria
pra cinemas já estava em declínio. O subgênero continuaria produzindo dezenas
de filmes e a chamada Era Dourada dos slice’n’dice acabaria em 1984, mas
durante anos foi tudo mera repetição de fórmula e tentativas de causar mais
ultrajes, mediante tramas cada vez mais amalucadas e mortes mais despirocadas e
sangrentas (que nos cinemas eram editadas).
Originalidade não existe na parte dois, que pode ser
tranquilamente usada como roteiro-guia pra elaborar um slasher padrão. Isso não
significa que seja inassistível, mas é pura fórmula. Como na segunda parte de
Sexta-Feira 13, a história segue na mesma noite em que ocorreu o primeiro filme
(quem copiou de quem?); estratégia que seria reutilizada e estendida na
franquia O Terror no Pântano, já do século XXI.
Laurie é levada ao hospital e lá Michael Myers tenta
eliminá-la vez mais. A quantidade de implementos e instrumentos da locação
permite mortes mais diversificadas e o caráter labiríntico da construção
contribui com muitos esconderijos e recônditos. Claro que o filme é repleto de
decisões estúpidas e o maciço hospital é convenientemente deserto de
funcionários e pacientes. Pra quem cresceu com aquelas ambientações bem início
dos 80’s, é supernostálgico.
Foi em Halloween II que a mitologia começou a ser
complicada a ponto de perder qualquer verossimilhança depois. Laurie é definida
como irmã do mascarado. Pra que, né? Naquela época Jamie Lee Curtis vivia sua
fase scream queen, então ainda participou da sequela.
A sequência do ano passado
pede que desconsideremos qualquer filme que não seja o primeiro. Beleza, mas, o
final do II, de 81, indica que a técnica pra eliminar Myers, em 2018, pode não
ser totalmente eficaz.
Ou foi a ideia mais estúpida ou mais audaciosa do mundo
do horror, nos anos 1980, mas a terceira prestação da franquia aboliu Michael
Myers e partiu pra algo totalmente distinto. O preço que Halloween III: Season
of the Witch (1982) pagou por isso foi retumbante fracasso de bilheteria e
opróbrio provavelmente eterno. Nem é um mau filme, mas o III do título, o uso
de frações da trilha-sonora original e a ausência do psicopata dão muito a
sensação de ludibrio.
Enquanto o Halloween, de 78, mama em Psicose, este deve
muito a Invasores de Corpos: a cidade chama Santa Mira e tem protagonista
bigodudo berrando em telefone público. Embora tenha algum gore oitentista, a trama está mais pra episódio d’A Quinta Dimensão. Uma indústria de brinquedos pretende usar um comercial de TV pra
induzir crianças a surtos psicóticos mortais, durante o Halloween. Tudo está
conectado a uma baboseira de bruxaria envolvendo Stonehange. Tontice.
Se sua intenção for seguir
a franquia, pule essa enganação. Se for ver, aviso: é pra quem é beeem fã dos
sons e visuais oitentistas. Uma coisa há que admitir, porém: matar criança é
meio tabu até hoje, no horror norte-americano, mas Halloween III não se fez de
rogado!
E daí, os 80’s passam quase todos e nada de Michael Myers
reaparecer, como seus colegas Jason Voorhees e Freddy Krueger. Slasher films
haviam deixado de ser tendência há anos, mas o mercado de vídeo e mesmo os
cinemas ainda justificavam o baixo investimento em produções baratinhas. Foi
numa delas que Brad Pitt começou...
No auge dos cabelos everesticos da década, 1988, eis que
surgiu Halloween 4: The Return of Michael Myers. No que concerne slashers do
período, nem é um mau filme. Dez anos depois do massacre em Haddonfield, o
perigosíssimo assassino é transferido do hospital. Sua periculosidade é tão
alta e ele a personificação tão letal do mal, que uma ambulanciazinha, equipada
à filme B, serve de transporte. Claro que ele mata todo mundo, escapa e retorna
a Haddonfield. Não importa que jamais tenha tido contato com coisas do mundo
exterior, Myers sabe operar qualquer máquina. Como é o mal, é onisciente,
onipresente e onipotente. E o Dr. Loomis tenta matá-lo com um revórvinho...
Donald Pleasance - com queimadura superfake na cara, seu sobretudo e sua
canastrice - estava de volta.
Jamie Lee estava com a estrela em alta, era “atriz
séria”, então não participou. Na verdade, sua personagem foi morta, mas deixou
filha. É essa menininha que Myers quer matar agora. Sua sobrinha; não deixem de
prestar atenção à “lógica” da franquia! Se você acha doentio que um adulto
mascarado persiga uma garotinha de 8 anos pra esfaqueá-la, espere até os
comentários da parte 5! Pra proteger a guria: levam-na prum casarão
esparsamente povoado, deixando-a pra dormir sozinha em um quarto.
Não entendo porque tantos elogiam o final “criativo” d’O
Retorno de Michael Myers. A plot twist é legal, mas àquela altura, Halloween
copiava sua cópia Sexta-Feira 13, que em uma de sequências indicara caminho
similar. Nota: nenhuma das duas séries teve audácia pra trilhá-lo.
Embora haja mortes legais,
esses filmes têm muito blá-blá-blá, é mais pra completista mesmo. As mortes
estão compiladas em vídeos no Youtube... Mas, ainda gosto de revê-los. A
propósito, se tem algum valor “histórico”, Halloween 4 pode se gabar de ter
sido a estreia de Danielle Harris, que até hoje é presença marcante em filmes
de terror. Ela esteve nos Halloweens de Rob Zombie, foi uma das Marybeths, d’O
Terror do Pântano e muito mais.
Como havia deixado de ganhar muita grana na parte mais
polpuda da década pra slasher, o produtor Moustapha Akkad apressou-se a começar
as filmagens de Halloween 5: The Revenge of Michael Myers, lançado, em 1989.
Desastre em termos fílmicos, anunciado por um roteiro sem terminar. E
financeiro (mais ou menos), porque começava a hibernação do subgênero, que só
se revitalizaria em meados dos 90’s.
Michael Myers virou Jason Voorhees: mata até com ancinho,
casal trepando num celeiro. Não dá pra dizer que as mortes não sejam legais, ou
que não haja momentos de tensão slasher. Há, mas o roteiro é tão podre e a
produção/atuação tão irritantes em seu desleixo, que incomoda. Antes havia o
cuidado de disfarçar o vicejante verde californiano pra nos fazer crer que
estávamos no outono dourado do Meio-Oeste. Na parte 5, Haddonfield está tão
verde, no ocaso de outubro, como na primavera! Há dupla de policiais patetas,
cuja trilha-sonora é literalmente de efeitos cômicos circenses. Podre demais.
Se você conseguir abstrair esse mambembismo é até legal.
Há momentos de suspense; é bem divertido rever a sobreposição madonística de
roupas e acessórios de final da década, e, sobretudo, delicioso ver algumas das
personagens mais esganiçantes do planeta slasher sendo merecidamente
exterminadas! Como guinchava aquele elenco, por Deus!
Prá vários fãs, forte
concorrente a pior entrada da franquia. Mas, creio que ter menininha de 9 anos
como scream queen e final girl, em cenas bem angustiantes, deveria ser lançado
como crédito à parte 5.
Muito pior que qualquer sequência oitentista é Halloween:
The Curse of Michael Myers (1995). Descontem meu dissabor pra com o visual e
som dos anos 90, mas esse filme, além do roteiro sem sentido, nem mortes legais
tem muitas. Pra esse recomendo mesmo procurar só os ataques do mascarado. Nem o
Dr. Loomis redime, porque a participação de Donald Pleasence é pequena e sem
função. O ator morreria antes do lançamento; sua voz tá bem fraquinha, dá dó.
A simplicidade basilar do original de Carpenter
complicava-se cada vez mais. Desta feita, a garotinha dos dois filmes
anteriores parece que era mantida cativa num complexo subterrâneo e consegue
fugir ao dar a luz. Determinado a extinguir sua família, Myers sai atrás da
sobrinha e do sobrinho-neto e acaba encontrando mais Stroders. Parece coelho
essa parentalha! Tudo é muito confuso e envolve malévolo culto satânico de
médicos, que querem ter a pura maldade de Michael a seu serviço. As mortes,
assim, passam a ter sentido sacrificial, meio Bebê de Rosemary. Uma porcaria.
Tem hora que tem tanto
flash na imagem, que não dá pra ver nada. Nem perca tempo, olha só as mortes e
boa:
1998 celebrava duas décadas da obra-prima de John
Carpenter, além da inesperada ressurreição do subgênero, com o estrondoso
sucesso de Pânico. Entretanto, no final do milênio, o hipster era
explicitar/parodiar os lugares-comuns dos filmes de horror. Pra vocês verem
como fazer isso hoje, já é antigo, já é, por si, convenção engessada. A
carreira de Jamie Lee Curtis não estava mais tão lucrativa, então era hora de
fazer exatamente como o atual Halloween: trazer Laurie Stroder de volta e
desconsiderar qualquer sequela a partir da segunda. Isto posto, a scream queen
mais famosa continuava irmã do serial killer.
Não falta quem elogie Halloween H20 e não dá mesmo pra
desconsiderar que a Baronesa Haden-Guest (sério, Jamie Lee tem título de
nobreza) trabalha muito bem e eleva o nível, mas slasher é morte e não há
muitas!
Vinte anos após o massacre em Haddonfield, Laurie
encontra-se reclusa como diretora dum internato chique na Califórnia. Tem
problemas com alcoolismo (como Curtis, à época) e superprotege seu filho.
Perceba que a filhinha foi pro espaço. Myers a descobre na escola e faz de tudo
para matá-la. O roteiro é bem de volta ao básico, o que é bem-vindo, mas tanto
tempo tem que ser gasto com o drama de Laurie e piscadinhas autorreferentes,
que Michael não mata muito. É tudo elegantemente dirigido por Steve Miner,
amado por fãs de slasher, porque dirigiu 2 Sexta-Feira 13 e estava em
consonância com a visão original de John Carpenter. Mas, vinte anos haviam se
passado e o roteirista não é John...
Dá pra curtir mais como
suspense do que terror e deixe-me contar uma das piscadelas autorreferentes: a
secretária de Laurie é a atriz Janet Leigh. Janet é mãe de Jamie Lee Curtis e
estrela do influente Psicose, um dos modelos de Halloween. O resto é com quem
decidir assistir, mas, preste atenção no nome da velhinha, no que ela fala e no
carro que dirige.
Em 2002, nova descida ao fundo do poço, com Halloween:
Ressurrection. O nome já indica que a morte de Michael Myers em H20 foi de
mentira. A explicação é estapafúrdia, mas se fosse esse o problema, fãs de
slahser perdoariam, porque é um dos traços do subgênero. Se o anterior foi
influenciado por Pânico, este é tentativa de emular o sucesso da Bruxa de Blair
(1999), que ignificou a onda dos found footage films. Não que Ressurrection
seja um, porque o filme não sabe o que é. Os primeiros dez minutos são de
slasher clássico, quando Myers finalmente acerta as contas com sua irmã Laurie.
Jamie Lee topou voltar pra esse desfecho, depois de dizer que H20 seria seu
último Halloween. É a única parte que presta. Depois, a trama inexplicavelmente
volta-se prum reality show, que se passaria na casa dos Myers. Mas, ficara
estabelecido em H20, que Laurie Stroder tinha um filho. Se o objetivo de
Michael era exterminar a família, porque não foi atrás do jovem, ao invés de
retornar a Haddonfield. Será que precisava hibernar?
Como ele volta à cidade natal não é estabelecido, mas,
uma vez em casa, começa a eliminar os participantes do webshow. Essa é a
desculpa pra que as mortes sejam mostradas via câmeras, numa simulação do que
os espectadores do reality viam. Também é a desculpa pra qualidade de imagem
podre da maioria dos ataques.
Nem final girl Halloween: Ressurrection tem. À época, Busta Rhymes
estava com tudo e como trabalhou no filme, claro que tem que ser o solucionador
do problema. As cenas em que usa golpes de kung fu, com aqueles gritinhos e
tudo, são constrangedoras.
Mediante tal fiasco/fracasso, a franquia ficou dormente 5
anos, e quando ressurgiu, ganhou novo reboot.
Em 2007, o roqueiro industrial Rob Zombie escreveu e roteirizou Halloween, que
contava a mesma história do original, mas do seu jeito, exagerado e explicando
tudo. O legal desse recomeço é que boa parte é dedicada à (de)formação da
loucura de Michael. Pode-se alegar que isso quita a aura de mistério engendrada
por John Carpenter, mas pelo lado positivo, resulta em mais mortes e estamos
falando dum slasher!
Durante a infância do assassino, todo mundo tem visual
grunge white-trash e a boca imunda. Irmã biscatinha, mãe stripper, pai que
chama o filho de viado, enfim, é tudo milimetricamente planejado pra explicar a
bestialidade de Myers. Até o Dr. Loomis tem aparência grunge! A roqueirice de
Zombie perpassa a trilha, que tem até Rush. A clássica banda-sonora de
Carpenter – tão reconhecível quanto a de Psicose – tem seu espaço, mas a
composta pra Halloween do século XXI é grandiloquente, over the top, como toda
a produção.
A releitura dividiu
opiniões, como não podia deixar de ser, mas, como filme slasher, sustenta-se
muito bem e dá pra perceber que Zombie respeita e gosta do material original.
Há várias cenas-homenagem, além dum elenco cheio de ícones do subgênero, como
Danielle Harris, a sobrinha de Michael Myers nos 80’s e Dee Wallace, scream
queen também oitentista, familiar pra fãs de horror. E, claro, Malcolm McDowell,
como Dr. Loomis. Ninguém roubará o espaço de Donald Pleasence de nosso coração
cinquentão de fã original, mas McDowell também tem seu crachá britânico
canastrão.
Em 2009, Zombie provavelmente sentia-se confiante com o
sucesso da reinvenção da franquia e decidiu expressar sua criatividade em
Halloween II, distanciando-se do original. A trama se passa na mesma noite do
primeiro, num hospital deserto. Nada errado expressar suas próprias ideias,
desde que não sejam de jerico. O número de mortes é astronômico, mas a mais
merecida é a da franquia, que ficou no necrotério por quase uma década antes do
reboot de 2018.
Fã de slasher gosta de
óbitos violentos, claro, mas Zombie faz Myers virar máquina de moer carne, sem
o menor suspense. Num filme excessivamente longo, com 2 horas, há diálogos
estúpidos supérfluos; uma gente que parece que jamais saiu dos anos 80 ou da
sujeira grunge e desesperada tentativa de aprofundar freudianamente uma
personagem que recebe descargas de metralhadora e não morre. Pra quê ficar
explicando o inexplicável? Torcemos pra que todo mundo morra, não importa como,
pra que o filme acabe logo. Parece que há uma versão extended: acho que eu
preferiria assistir a uma aula de geometria analítica, sem nem saber direito o que
é!
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