Em 1895, Leon Tolstoi publicou o longo conto Mestre e
Homem. Numa Rússia profundamente desigual, onde campesinos viviam ainda em
condições medievais, o autor magistralmente desenhou retrato de como a ganância
pode ser fatal, além de um dos mais célebres momentos de epifania da
literatura.
No dia imediatamente após o Natal, o próspero negociante Vasily
Andreyevich Brekhunov ignora as festividades e o gélido inverno e cai nas
perigosas estradas nevadas de um dia de tempestade. Tudo porque queria adquirir
uma propriedade e aquela época do ano era ótima pra negociatas, afinal, a
maioria estava desfrutando do quentinho com suas famílias. Mas, o Ebenezer Scrooge czarístico tem que lucrar. Conduzindo o trenó, o campônio Nikita,
beberrão e tão acostumado a ordens, que jamais questiona o amo sobre os
perigos.
Tolstoi congela os ossos do leitor com sua descrição da
ventania polar da tempestade e seu narrador onisciente dá abertura pra tantas
discussões, que análise do conto proporcionaria um curso. Sem contar o segmento
derradeiro, de inteligência ímpar.
Transpor os devaneios e elucubrações do narrador de
Tolstoi pruma narrativa imagética certamente implica perdas, mas o diretor
britânico Bernard Rose saiu-se bastante bem com sua adaptação de 2012,
Liquidação de Natal, disponível na Amazon Prime.
No século XXI anglofalante, Vasily é Basil, especulador
imobiliário arrogante e fominha, que larga esposa e filha pra ir comprar casas
leiloadas por quem não as pode pagar. Nikita é Nicky, taxista meio
infantiloide, que está parando de beber e vive longe da ex-esposa, depois de
ter-lhe picotado as roupas. Nem Tolstoi, nem Rose criam personagens gostáveis;
não idealização duma suposta classe trabalhadora pura e elevada.
Basil e Nicky saem pelas estradas frias do Colorado,
perto de Denver, região montanhosa, onde a tecnologia nem sempre consegue guiar
o homem em seus caminhos. Assim, destituído de sua bengala hi-tech, que sequer
é usada direito, Basil e Nicky são jogados à própria sorte.
Indicado pra quem gosta de
filmes mais dialogados e com nuanças discretas, mas relevantes, daqueles
típicos de mostra de cine, Liquidação de Natal é boa pedida. Melhor ainda, se
pareado com a leitura do conto de Tolstoi; um complementa o outro.
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