quinta-feira, 11 de abril de 2019

TELONA QUENTE 283


Roberto Rillo Bíscaro

Em 1895, Leon Tolstoi publicou o longo conto Mestre e Homem. Numa Rússia profundamente desigual, onde campesinos viviam ainda em condições medievais, o autor magistralmente desenhou retrato de como a ganância pode ser fatal, além de um dos mais célebres momentos de epifania da literatura.
No dia imediatamente após o Natal, o próspero negociante Vasily Andreyevich Brekhunov ignora as festividades e o gélido inverno e cai nas perigosas estradas nevadas de um dia de tempestade. Tudo porque queria adquirir uma propriedade e aquela época do ano era ótima pra negociatas, afinal, a maioria estava desfrutando do quentinho com suas famílias. Mas, o Ebenezer Scrooge czarístico tem que lucrar. Conduzindo o trenó, o campônio Nikita, beberrão e tão acostumado a ordens, que jamais questiona o amo sobre os perigos.
Tolstoi congela os ossos do leitor com sua descrição da ventania polar da tempestade e seu narrador onisciente dá abertura pra tantas discussões, que análise do conto proporcionaria um curso. Sem contar o segmento derradeiro, de inteligência ímpar.
Transpor os devaneios e elucubrações do narrador de Tolstoi pruma narrativa imagética certamente implica perdas, mas o diretor britânico Bernard Rose saiu-se bastante bem com sua adaptação de 2012, Liquidação de Natal, disponível na Amazon Prime.
No século XXI anglofalante, Vasily é Basil, especulador imobiliário arrogante e fominha, que larga esposa e filha pra ir comprar casas leiloadas por quem não as pode pagar. Nikita é Nicky, taxista meio infantiloide, que está parando de beber e vive longe da ex-esposa, depois de ter-lhe picotado as roupas. Nem Tolstoi, nem Rose criam personagens gostáveis; não idealização duma suposta classe trabalhadora pura e elevada.
Basil e Nicky saem pelas estradas frias do Colorado, perto de Denver, região montanhosa, onde a tecnologia nem sempre consegue guiar o homem em seus caminhos. Assim, destituído de sua bengala hi-tech, que sequer é usada direito, Basil e Nicky são jogados à própria sorte.
Indicado pra quem gosta de filmes mais dialogados e com nuanças discretas, mas relevantes, daqueles típicos de mostra de cine, Liquidação de Natal é boa pedida. Melhor ainda, se pareado com a leitura do conto de Tolstoi; um complementa o outro.

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