Os livros de Sara Blaedel não foram traduzidos pro português, segundo pesquisa rápida num site de livraria (outrora) grande daqui. Ao ler The Midnight Wwitness (2018), na tradução pro inglês, do ano passado, de Mark Kline, não acho que os brasileiros estejam perdendo muito. Nem deu pra entender muito bem porque ela é tão popular e vende tanto, mas daí, não compreendo como isso pode ocorrer em diversas áreas e em 90% dos casos.
História de detetive pressupõe mistério, pelo menos, e isso o livro não traz. O Kindle marca porcentagem de material lido e fiz questão de ver quanto estava, quando um policial diz que ainda não tinham nada sobre o caso: 47%. E ainda não acontecera nada no livro.
Uma jovem é assassinada num parque numa chuvosa noite em Copenhague. Louise Rick começa a investigar o caso, que logo é ofuscado pelo brutal assassinato dum jornalista, que trabalhava no mesmo jornal da melhor amiga de Louise, Camila Lind. Louise reclama que a própria polícia estava priorizando o caso do periodista morto, porque rendia mais pautas na imprensa, em detrimento da pobre menina loira, mas sem altas conexões. Alfinetada pertinente no status quo, mas que prova ser hipócrita, porque o próprio livro joga o caso de Karoline pra escanteio, ao matar outro jornalista, transferindo o foco da narrativa totalmente pro caso que a suposta protagonista criticava ter tomado procedência. E, na conclusão mais improvisada que planejada a fundo, a brutalização de Karoline é resolvida num acaso telegrafado ao leitor, de tão passageiro.
É certo que a era dos investigadores solitários e geniais à Poirot não cola muito mais. A literatura policial de hoje prioriza o trabalho do grupo policial, embora haja uma personagem mais central. Nesse caso, tratar-se-ia de Louise Rick, porque ela é quem subnomeia a série. Mas, ela não faz nada; cheguei a pensar que a protagonista fosse Camila Lind, na verdade.
A despeito de ter uma policial interessante como “protagonista”, porque é emotiva, The Midnight Witness é moroso e gasta tempo enorme com coisas que não interessam à trama ou com a rotina da chefatura da polícia. Casos sem pistas podem refletir a realidade, mas não proporcionam ação dramática. Essa, nas raras ocorrências, acontece “fora de cena”, é narrada por alguma personagem. Isso podia funcionar com tragédia grega, mas leitor de livro policial quer suspense.
Será que esse tipo de livro é pensado pro “público feminino”, uma vez que duas mulheres dominam a narrativa?
Sei lá, de qualquer modo é insípido e maracutaiado, recomendo, não.
Ano passado, Halloween fez 40 anos e ganhou continuação, estrelada por ninguém menos que a mais famosa de todas as scream queens e final girls: Jamie Lee Curtis. Embora minha franquia do coração seja Sexta-Feira 13, votaria em Halloween como o melhor filme de horror de todos os tempos, porque é o protótipo de centenas de slasher films. Leitores assíduos estão carecas de saber que esse é meu subgênero favorito de filmes de terror.
Assim, quando vi no Youtube o documentário The Shape Lives: 40 Years of Halloween, enviei-o na hora pra meu email pra depois poder vê-lo na tela grande da TV. A produção britânica, roteirizada e dirigida por Dave James, presta excelente trabalho como homenagem a e minienciclopédia sobre filme tão importante.
Discutem-se desde os antecedentes até os desdobramentos do filme mais famoso de John Carpenter. James não esquece de citar BlackChristmas e vai até a tentativa de ressurreição da franquia, por Robbie Zombie, desaprovada por Carpenter e meio mundo. Não acho que o primeiro filme seja ruim, embora entenda a reclamação da perda da essência misteriosa de Michael Myers (você aprenderá quem foi o “padrinho” do nome no documentário), mas o segundo é realmente atroz.
São cerca de 75 minutos de informações legais e imagens de arquivo de quase todo mundo. Acertos como não restringir a discussão das personagens a apenas Michael, Laurie e o Dr. Loomis. Suas duas amigas também são destacadas (totally!), até porque a pecha de moralismo não é bem a vibe de Halloween. A morte das personagens depois de fazerem sexo ou “fumarem tóxico (pronunciem como ch, please!) virou convenção slasher, como é universalmente sabido e zombado. Mas, Carpenter sempre defendeu que Laurie não morreu, porque era a virgem não drogada, mas porque estava mais antenada aos perigos que a rondavam.
James realmente gosta de Halloween, então, tratou de destacar não apenas a óbvia influência de Hitchcock, mas também a menos comentada inspiração no Polanski de Chinatown na iluminação.
Difícil pensar em outros atores que não Jamie Lee Curtis e Donald Pleasance, como Laurie e Loomis, mas, se você virThe Shape Lives: 40 Years of Halloween saberá quais eram as primeiras opções de Carpenter. Além disso, também aprenderá qual ator um dia famoso quase começou a carreira em Halloween.
Usando material de arquivo, o doc não traz realmente nenhuma novidade, mas sempre é bom ver pra detalhes que esquecêramos ou pra saber o mínimo necessário, caso você seja fã mais casual de horror e/ou slasher. Halloween é obrigatório, portanto, faça sua lição de casa.
Oficialmente, sou historiador, profissional da disciplina História. Na intimidade inerente a quem escreve crônicas semanais, contudo, devo dizer que cultivo nuanças. Sou daqueles que gostam de histórias – no plural e na modéstia do “h” minúsculo. É claro que respeito as grandes interpretações que remetem aos momentos capitais da aventura humana, e nesse mar imenso navego preferências e respeito pelos feitos dos consagrados heróis, santos, mártires, figuras de ciências, bandidos eloquentes, e artes. Gosto sim de pensar os instantes capitais das transformações do mundo e no milagre da sobrevivência contemplada pelos processos civilizatórios. Mas... mas, gosto também das pequenas histórias, dos casos que se perdem no palheiro da grandiosidade coletiva. Ainda que não escape do fundamento das utopias globais e da inerência à luta pela igualdade, fraternidade e liberdade, me deixo deliciar pelas lendas locais, mitos, fábulas populares. E neste quesito me permito determinadas licenças, inclusive para buscar nos “fatos notáveis” o pequeno acontecimento, aquele que quase não se mostra ou que é ofuscado pela grandiloquência cativada por apologias e finais felizes. Foi assim que achei nos Evangelhos uma passagem intrigante: a Parábola das 10 Virgens (Mt 25, 1-13).
O enredo é assaz provocador e diz textualmente: “então o Reino dos céus será semelhante às dez virgens, que saíram com suas lâmpadas ao encontro do esposo. Cinco dentre elas eram fúteis e cinco, prudentes. Tomando suas lâmpadas, as fúteis não levaram óleo consigo. As prudentes, contudo, levaram de reserva vasos de óleo para as lâmpadas. Tardando os esposos, as moças cochilaram e logo adormeceram profundamente. No meio da noite, porém, ouviu-se clamor anunciando a chegada dos pretendentes e, então, uma voz se ouviu: eis os esposos, ide ao seu encontro. As virgens levantaram-se todas e prepararam suas lâmpadas. As fúteis, preocupadas, disseram às prudentes: dai-nos de vosso óleo, porque nossas lâmpadas estão se apagando. As prudentes assim responderam: não temos o suficiente para nós e para vós; aconselhamos irdes aos vendedores, a fim de o comprar para vós. Ora, enquanto foram comprar, os esposos ninguém encontrando voltaram. As que estavam preparadas entraram com Ele para a sala das bodas e foi fechada a porta. Mais tarde, chegaram também as outras e clamavam: Senhor, Senhor, abre-nos a porta! Mas ele respondeu: em verdade vos digo: não vos conheço!”
É claro que não sou exegeta e declaro que mesmo tendo lido a Bíblia regularmente em anos de aulas de religião em colégio salesiano, não me coloco como intérprete. Também não engrosso fileiras dos iconoclastas modernos. Pelo contrário, gosto de ser diletante, leitor eventual das Sagradas Escrituras. A Parábola das 10 virgens me chamou a atenção exatamente pelo momento cultural que vivemos. Nem vou discutir o tema da virgindade nos parâmetros delineados por Foucault na questão do controle dos corpos. Também não vou penetrar nos avanços semióticos tão oportunos para a tomada da parábola como pretexto. Quis também, obviamente, me sentir longe dos fundamentos sobre a existência de um Senhor tão poderoso capaz de discutir a fatalidade dos caminhos das criaturas. Foi assim que meu lado mais prosaico se exibiu mostrando que há uma narrativa oculta que discute o essencial: a continuidade da espécie acima de qualquer outro valor. As exatas 10 mulheres a espera dos esposos sugere uma seletividade que faz pensar no aconteceria depois de fechada a porta da “sala de bodas”. Gastei horas imaginando os fatos. Minha mente sensualizada deu asas à imaginação e até sugeri um grande bacanal abençoado por Ele. Na frieza incrédula, fui bosquejando minha irracionalidade e soltei as dúvidas contidas em caixa de perplexidades. E por que não eram os homens esperando as esposas? E quem seria de quem, uma para cada cada um? Por que elas deveriam se precaver para esperá-los? O tal encontro não poderia ser durante o dia? E se fosse, as fúteis teriam chances? E quantas entraram? O que teria acontecido com os pretensos esposos que ficaram solitários? Aliás, que culpa teriam eles das mulheres que não se precaveram? Supus também a metáfora do combustível, dos vasos para as lâmpadas, que significaria? A questão do castigo (da porta fechada) e do desespero das que ficaram para fora da tal sala, seria ameaça? Sobretudo dominou meu reino de bisbilhotice uma questão: mas que força teria o tal Senhor, a ponto de determinar uma programação de encontros que nada teria a ver com escolhas individuais, com amor, com enredos pessoais?
Tive que parar, pois tamanho era o repertório de indagações que deixaria de ler o resto da Bíblia e desconfiaria do magnífico romance do gaúcho Moacyr Scliar que detalha uma mulher autora eventual de uma das setenta versões do livro sagrado dos cristãos. Sim “A mulher que escreveu a Bíblia” dá conta das façanhas de uma paciente de psicanalista de “vidas passadas”, e o enredo remete a essa personagem que seria revolucionária. Revolucionária? Será mesmo que uma mulher escreveria a mesma Parábola? Será?...
Televisão é negócio brutalmente competitivo, então não
adianta países pequenos virarem queridos, mas não entregarem produtos bons.
Israel, Suécia, Dinamarca e mesmo a pequenina Islândia, já são competidores
sérios neste mercado, tendo apresentado grandes séries. A Bélgica provavelmente
teve seu ponto de virada com Clan (2012), colorida farsa de humor-negro, falada
em flamengo.
Não se trata de leniência para com teteias pequetitas, a
trama das quatros irmãs que planejam e desastradamente executam a morte do
cunhado é sensacional, ainda que mais experientes consigam prever quem
conseguirá realizar o feito. Não estraguei o prazer com a revelação do óbito:
Jean-Claude aparece mortinho já na deliciosa abertura, ao som de balada
cinquentista em inglês. Influenciada pela estética de Desperate Housewives,
Clan apresenta cinco mulheres muito bem construídas e desenvolvidas, em
tresloucada trama, que ao mesmo tempo, não deixa de apresentar situações até
críveis.
Jean-Claude Delcorps é um tiozinho desprezível, por isso
suas cunhadas planejam sua transferência pra outro plano. Em inglês, isso
proporcionou o delicioso título-trocadilho The Out-Laws, brincando com o termo
“in-laws”, usado pra designar os parentes não de sangue. Outlaw significa fora
da lei, então o foco recai nas cunhadas fora da lei.
Jean-Claude é tão sórdido, que coleciona desafetos em
todo canto, então a quantidade de suspeitos aumenta, assim como as tentativas
de eliminação, que resultam sempre na morte de outrem. A história se desenrola
em pingue-pongue temporal entre o presente, imediatamente após a morte de
Jean-Claude, e os meses que a precederam. O roteiro é dinâmico, saltitando com
confiança entre muitas personagens, que não se intercambiam: todos têm
personalidade e traços distintivos, sejam físicos, sejam
emocionais/comportamentais.
Mesmo ciente de que muitas referências devem ter sido
perdidas na tradução, Clan/TheOut-Laws é prazer perverso do início ao fim. E,
se você assistir, não deixe de prestar atenção no ratinho de estimação: ele
aparecerá nos derradeiros créditos.
Um exemplar raro de urso panda completamente branco foi fotografado em uma reserva natural no sudoeste da China, o que mostra que o albinismo existe entre os pandas que vivem em liberdade naquela região, informou a imprensa estatal.
O animal foi fotografado em uma mata no último mês de abril, na província de Sichuan, divulgou a agência de notícias Xinhua neste sábado. Trata-se de um exemplar albino com idade entre 1 e 2 anos, indicou o pesquisador e especialista em ursos da Universidade de Pequim Li Sheng, citado pela agência.
A Reserva Natural Nacional de Wolong, onde o animal foi visto, não tem detalhes sobre o panda albino. Mais de 80% dos pandas que vivem em estado selvagem encontram-se em Sichuan, e o restante nas províncias de Shaanxi e Gansu.
Até novembro passado, havia 548 pandas gigantes em cativeiro no mundo, segundo a Xinhua. O número de exemplares que vivem em liberdade é inferior a 2 mil, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
Pequim investiu em diferentes programas para proteger os pandas nos últimos anos. Em 2018, a China anunciou um plano para criar um parque de pandas gigantes três vezes maior do que o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, a fim de unir as populações selvagens e fomentar a reprodução destes animais.
Será liberada uma verba de pelo menos 1,45 bilhão de dólares nos próximos cinco anos para a criação do parque em uma região montanhosa do sudoeste da China, segundo o “China Daily”.
Os pandas estão na lista de espécies vulneráveis, o que significa que, embora a sua sobrevivência esteja ameaçada, os esforços de preservação ajudaram a reduzir seu risco de extinção.
McKenzie é uma garota afro-americana albina que sofria bullying de muitos colegas por causa da sua aparência.
Sabendo da situação da adolescente, a organização sem fins lucrativos de Dallas, Texas, Behind Every Door, decidiu dar uma força para McKenzie e celebrar sua beleza única organizando uma sessão de fotos para que ela se sentisse uma estrela.
A história de McKenzie foi compartilhada no Morning Smile , o boletim diário do portal InspireMore, pedindo aos leitores que escrevessem cartas de encorajamento para McKenzie.
Este mês ela recebeu mais de 400 cartas e cartões de amor, carinho e apoio.
Cartas sinceras, com palavras de afirmação, força e de virada de página.
Lembrando que o albinismo é um distúrbio congênito caracterizado pela ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos, devido à ausência ou defeito de uma enzima envolvida na produção de melanina.
Veja o momento emocionante em que ela recebeu as mensagens de apoio, amor e carinho.
Desde sua última aparição, em 2015, com o álbum Animal Nature, a única mudança notável no Escort foi a adição da voz cristalina da
fervida Nicki B, para alternar com a imperial Adeline Michéle, que embarcou em
carreira-solo também. De resto, os produtores Eugene Cho e JKriv continuam
fazendo Nu Disco impiedosamente dançante, juntando elementos de países como
EUA, Brasil e Jamaica em colagens de tiques sônicos que vêm desde a disco
setentista até à genérica “house music” atual.
Dia 12 de abril, saiu City Life, terceiro álbum dos
nova-iorquinos, do Brooklyn. São oito faixas puláveis e pulantes, além da razoavelmente
longa introdução, que, com seus sons de comunicação via rádio sobre base bem
percussiva, realmente prepara para a festa. A partir daí não há um segundo de
refresco; é puro quebra-espinha.
A faixa-título é eletrofunk com baixo neurótico e a
participação de Fonda Rae, diva das pistas alternativas de R’n’B dos anos 80.
Outta My Head, além da referência até titular à Kylie Minogue, parece cavalgada
dance com Blondie, Duran Duran e La Bouche (parte dos vocais é meio 90’s). O
funk sapeca de Josephine é provavelmente o ponto alto para dançarinos
compulsivos. Impossível ficar quieto. One Draw é reggaton ou algum desses
subprodutos (sem julgamento!) do reggae. Claro que é sobre ficar chapadão.
Na trinca final de canções, as letras rareiam até
desparecer, mas o clima pipocante não arrefece. Ride erige muralha sonora, que
jamais soa pesada, devido às cordas, timbre dos teclados e vocais, além da
flauta. Impressionante.
A derradeira canção, justamente por sê-lo, apontaria
futuros caminhos ao Escort? O influxo de house e electronica caberia direitinho
como bônus track dalgum álbum do Orbital.
A despeito de tantas referências a antanho, o Escort está
longe de ser revivalista sonhando com os “bons velhos tempos”. Seu inebriante
coquetel de alegria contagiante é servido de forma muito contemporânea.
Som facilmente acessível,
porque está no Bandcamp. Não dança quem não quiser.
Agatha
Christie voltou a estar de moda. Mesmo que seu estilo detetivesco esteja
ultrapassado pros atuais padrões de depressão pós-Nordic/Celtic Noir ou de
eficiência sorridente postiça dos CSIs, a obra da escritora britânica reaparece
anualmente nos natais da BBC ou da ITV e até no prestigioso West End londrino.
É o caso de Testemunha de Acusação.
Recentemente,
descobri que o catálogo da Amazon guarda a releitura da BBC, de 2016. Não
conhecia ou esquecera completamente da história, sei lá, mas o fato é que
terminei a experiência transfixado. Nem tanto pela reviravolta mais
mirabolante, meio prevista, mas com o roteiro de Sarah Phelps. Deixemos pra
depois, porém, porque deu coceira de ver adaptações prévias do conto/peça e
quero comentá-los antes.
Com nome
diferente, o esqueleto da história de Witness For the Prosecution foi
primeiramente publicado sob forma de conto, numa revista, em 1924. Um jovem
bem-apessoado é acusado de matar uma senhora mais velha, que por ele se
afeiçoara. Tudo apontava contra ele, mas ele possuía álibi: à hora do
assassinato estava com sua enigmática esposa austríaca. Isso, porém poderia não
pesar muito no júri, porque o testemunho duma esposa amantíssima pareceria
parcial demais, e, além disso, ela era estrangeira.
Esse é
realmente o problema social da obra; notem que Christie sutilmente criou
personagem austríaca, não alemã, mas, que no fundo seria percebida como tudo
igual. Quase um século mais tarde, o roteiro BBCiano de Phelps não deixou isso
escapar. Pros esquecidos da História: em 1924 os britânicos odiavam qualquer
coisa “alemã” mais do que nunca, por causa de Primeira Guerra.
Histórias de
detetives são do tipo que quanto menos se comentar a trama melhor. Suficiente
dizer que no conto a reviravolta coincide cem por cento com o sombrio final.
A própria
Christie adaptou a trama pro teatro. Witness For the Prosecution estreou em
1953 e é estruturalmente bem tradicional, um drama de tribunal, mas totalmente
drawing room mesmo. Agora a esposa era alemã (imagine o ódio aos alemães após
outra guerra), tem pontadinha contra a Alemanha Oriental comunista, o advogado
de defesa é um Sir e o final foi reconstruído a fim de existir certa sensação
de retribuição moral. É menos sombrio e bem mais melodramático.
A primeira versão pra cine veio em 1957, sob a
direção do incensado Billy Wilder, famoso por clássicos como Quanto Mais Quente
Melhor, Crepúsculo dos Deuses e Se Meu Apartamento Falasse, dentre tantos
outros. A estrutura da peça é preservada inclusive em diálogos inteiros, mas
devido a seu pendor por comédia, Wilder insere (hoje) irritante doença cardíaca
no advogado de defesa. O alívio cômico da película é Sir Wilfrid Robarts
driblando e brigando com sua enfermeira particular. Muito infantil ver isso em
2019; o filme ficou pra trás. Mas é engraçado ver que nos 50’s, um boy magia
podia ser interpretado por ator quarentão. No caso, Tyrone Power, aliás, em seu
último papel. Tá tudo ultrapassado, mas se você quiser ver Marlene Dietrich
fazendo jus a sua fama de mulher de gelo, se jogue, mas não antes de ver a
versão-BBC, senão a reviravolta perde a força.
Em
1982, a ianque CBS produziu e exibiu remake do filme de Wilder, com nobre
elenco britânico. Sir Ralph Richardson (também um de seus últimos filmes),
Deborah Kerr, Donald Plesance (o Dr. Loomis, de Halloween protagonizam
praticamente a versão colorizada do filme de 1957. Embora um tiquinho
minimizada, a pantomina da doença, de esconder charutos na bengala e colocar brandy
na frasqueira do achocolatado está tudo lá. Bem burocrática, especialmente
porque vi depois da versão de 2016. Mas, pra fãs de certos atores, vale.
Nas
festividades natalinas de 2016, a BBC exibiu os dois capítulos da mais recente
vinda de Testemunha de Acusação. A Amazon fundiu a dupla num arquivo só, por
isso consta na seção de filmes de seu catálogo. São quase 2 horas de duração
só, então foi bom terem transformado em unitário.
Após a
nevasca Nordic/Celtic Noir , a produção inteligente de crime dramas não poderia
ser a mesma, vide River (tem na Netflix) e Happy Valley. Assim, Sarah Phelps
urdiu uma Agatha Christie Noir. O roteiro criou uma coleção de gente miserável,
num mundo onde nem sempre a justiça se processa da forma idealizada. Um dos
únicos elementos pegos das versões fílmicas foi a doença do advogado de defesa,
que agora não é um Sir. É modesto advogadozinho de porta de cadeia, com os
pulmões detonados por gases das trincheiras da Primeira Guerra. Chacoalhado e
sem fôlego por acessos de tosse furiosos, Toby Jones não deixa pedra sobre
pedra no papel.
Visualmente,
Testemunha de Acusação é dividida em antes e depois da primeira (e maior e de
tirar o fôlego) reviravolta. A maior parte do telefilme é em tons ocres, em
ambientes fechados e à noite. Até o fog londrino é sujo e amarronzado. Depois da
plot twist, as imagens se amenizam e irradiam clareza, transparência. Mas, daí,
Phelps faz grande maldade: não só retoma, mas aprofunda a lugubridade do final
original. Apesar da luminosidade e “limpeza” das imagens nem tudo está bem sob
o sol. É simplesmente arrasante, porque (falsamente) começa como história de
detetive qualquer, pra desabar como drama humano de estilhaçar o coração.
Nem dê moral pros anteriores, Testemunha de
Acusação é a de Sarah Phelps.
Com tantas manobras, ora protetivas, ora de abrição de
perna, em relação aos Estados Unidos, há situações quando é difícil dizer se um
filme é britânico ou ianque. Teve filme feito todo na Inglaterra, “apenas”
financiado pela ex-colônia; teve equipe dos EUA que se deslocou pro Reino Unido
pra gravar lá, porque mais em conta.
Como não estou escrevendo uma história acadêmica dos
filmes cinquentistas de ficção-científica, posso classificar Spaceways (1953)
como coprodução, porque a britânica Hammer pareou com a indie estadunidense
Lippert Pictures, a mesma de Rocketship X-M, por isso que o lançamento dos
foguetes é tão idêntico.
Baseado numa peça de rádio e aleijado por orçamento
esquálido, Spaceways é uma paradeira só, quase todo filmado em 2 ou 3 salas e
só nos últimos 15, 10 minutos a ação se acelera. Mas, a advertência mais
contundente a possíveis interessados em conferi-lo é que de sci fi a película
tem muito pouco, apenas nos 10 últimos minutos há cenas dentro dum suposto
foguete, mas é tudo bem precário.
Spaceways atua mais no gênero do mistério detetivesco,
pelo qual os ingleses são respeitados. Mas esse exemplo é bem esquecível.
Numa base militar ultrassecreta, o engenheiro
norte-americano Stephen Mitchell lidera o programa espacial inglês, que enviará
o primeiro satélite em perpétua órbita terrestre. A finalidade é pacífica, mas,
como lembra um militar, é sempre bom ter de onde atirar ogivas nucleares em
caso de necessidade. Que fofa a Grã-Bretanha: as prateleiras do Reino estiveram
frequentemente desabastecidas durante quase toda a década de 50, mas o país
ainda imaginava narrativas compensatórias como liderar o programa espacial
(mesmo que a expertise viesse dos ianques). James Bond entendido sob essa luz
assume contornos bem distintos, tente vê-lo assim.
A esposa do destemido Mitchell é inglesa e tem caso com
outro cientista, porque estava aborrecida com a vida vigiada da base militar. A
vigilância é detalhista, mas reparem, mais pro fim, como assumir a identidade
de outrem, prum voo espacial é fácil.
Quando a infiel e seu amante desaparecem, entra em cena
um detetive – única personagem com alguma personalidade – que suspeita que
Mitchell matou a mulher e amante e os atirou no tanque de combustível da nave
que recém-partira, mas não alcançara a órbita desejada. Claro que o machão
Mitchell vai querer provar sua inocência, indo atrás do satélite, em um
foguete. Riquérrimo esse programa espacial anglo; tem foguetes como Ubers!
Spaceways tem espionagem,
triangulo amoroso e medo dos comunistas, tudo antes do conteúdo sci fi. Daria
até pra perdoar o oportunismo do título, caso o material não fosse monótono,
palavroso, sem sal; não dá pra recomendar a não ser que você esteja começando
ou completando a trajetória do diretor Terrence Fisher, que ficaria afamado pós-morte
com seu ciclo de horror pra Hammer.
Este
artigo foi escrito dia 9/5/19, antes da oficialização do convite ao ex-juiz
Sergio Moro. O anúncio da oferta para compor a bancada de Ministros do Supremo
Tribunal Eleitoral foi divulgado oficialmente no dia 12 de maio. A questão que
não pode ser silenciada remete à dúvida: foi cumprimento de promessa de
campanha, ou prêmio de consolação pelas sequentes derrotas impingidas a Moro? O
desdobramento notório dessa questão força outra dúvida: ao falarmos do
ex-capitão estamos frente de um articulador medido, de um estrategista hábil e
que sabe usar a mídia, ou, pelo contrário, de um trapalhão incontido que se vê
obrigado a arrumar uma besteira depois de outra? Apostas abertas... Apostas
abertas também para a resistência de apoiadores e arrependidos que,
envergonhados alguns, engrossam as oposições unidas em busca de algum
equilíbrio, dignidade e respeito a Constituição.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Serei claro, de saída: sempre desconfiei do jeito de bom
moço do atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz Sérgio Moro. Diria
que o sinal de alerta acendeu quando ele optou por largar uma carreira de juiz,
com 22 anos de carreira, para assumir cargo que, queiramos ou não, é político. O
grande argumento para tal afirmação decorre do alinhamento ideológico, inerente
ao programa do atual Presidente. Perguntei-me então: será mesmo para ampliar
seu sonho de combate à corrupção e inscrevê-lo em largura nacional? Como
qualquer cidadão comum, peremptoriamente, tive que pagar para ver. Em busca de aclarações,
floriu no âmbito de minha curiosidade a declaração feita ao jornal O Estado de
São Paulo, em 2016 quando na placidez da dicção paranaense disse:
“Sou um homem de
Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Acho que a política
é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, pelo contrário, existe
muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra
realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe esse risco”.
Os mais maldosos logo pensaram em compensações salariais,
posto que a mudança elevaria o montante de pouco mais de R$ 28 para quase R$ 34
mil mensais. Este argumento, porém foi derrotado, posto que na condição de
juiz, graças aos benefícios extras, houve mês que foi depositado em sua conta
mais de 100 mil reais (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46063006).
Ponto para Moro. Luzia o melhor do bom moço.
Mas o que faria então o magistrado mais celebrado do país
abandonar o trabalho que vinha fazendo com tanto sucesso na Operação Lava-jato?
A justificação para o desligamento do Poder Judiciário em favor do Executivo se
deu à soi disent pela “perspectiva de
implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado no Executivo”.
E foi assim que, juntamente com Paulo Guedes - que se tornou Ministro da Economia
- Moro figurou como cara e coroa da moeda que negociava o sucesso de uma “nova
política”. Com a promessa de amplos poderes e de isonomia, ambos foram
apresentados à nação como superministros.
Publicamente, antes da posse, o Presidente declarou que
daria ampla liberdade de ação ao Ministro Moro, mas isto colocou em pauta uma
questão no mínimo polêmica: como se daria o embate entre as posições
antagônicas de ambos frente ao projeto de posse de armas, por exemplo. Por
lógico, o assunto remetia às pautas de Moro, pois, afinal, ele foi sagrado como
Ministro da Justiça e Segurança Pública. O ex-juiz jamais defendeu a política
de flexibilização do uso de armas, ao contrário do Presidente que veementemente
prometeu isto em campanha. Nos debates internos, já no mês de janeiro, Moro viu
apagados seus intentos de rigor na restrição ao número de armas para os
usuários. Seu semblante nas fotos amplamente divulgadas quando do sucesso da
linha presidencial o mostram no mínimo constrangido. Se esta foi a mais
evidente das diferenças entre os dois, não foi a única.
O ex-juiz propalou que seu grande projeto no comando da
pasta seria o Pacote Anticrime. No melhor de suas quimeras, o conjunto de
medidas correria no Congresso Nacional em paralelo ao à Reforma da Previdência.
Moro viu, contudo, desbotados seus esforços quando se desentendeu com o
Presidente da Casa, Rodrigo Maia. E a briga ganhou foro público frente a conclusão
de Maia que constatou na redação da proposta de Moro um “copia e cola” do texto
do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A desavença fez
com que fosse retardado o ritmo dos trabalhos e o esforço de Moro está em
compasso de espera.
Frente à indicação da reputada pesquisadora e colega de
trabalho de Moro, Ilona Szabó, para ocupar a vaga de suplente no Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o Ministro se viu publicamente
desautorizado pelo Presidente, que trocou a escolha por pressões oriundas de
fora do governo. O resultado resultou-lhe num mau posicionamento frente a
opinião pública que já começava duvidar do alcance do sonho do ex-juiz.
Por necessidade de reparar um dos pilares da campanha
presidencial, o ex-capitão se viu premido a uma Reforma Ministerial, com
redistribuição de atividades. Neste episódio, a FUNAI figurou como um dos
móveis de câmbio, passando à pasta da Justiça a responsabilidade de trabalho
com as demarcações de terras indígenas. Com isto foi dada a largada para outra
séria divergência, pois o Presidente declarou em alto e bom som que não pretende
entregar mais terras demarcadas. Tudo, porém, se complica na realidade dos
fatos jurídicos que somam mais de 50 decisões favoráveis às demarcações.
A fermentar a massa de problemas já em processo de
desencanto, deve-se lembrar que os parlamentares têm dado sinais de
descontentamento. O mais consequente ponto de atrito foi definido pela Câmara
que, em votação polêmica, subtraiu do Ministério da Justiça o comando direto
sobre o COAF, passando-o ao Ministério da Economia. O enfraquecimento da
Operação Lava-Jato, pois fica comprometido, ruindo um dos pilares mais sólidos
da proposta do Ministro Moro.
A pergunta que não quer calar remete ao futuro de Moro.
Será que continuará perseguindo o mote justificador de sua saída do Judiciário
para o Executivo, ou, não? Os mais atiçadores ficam pensando na eventual
aplicação do recurso “saída honrosa”. E não faltam desculpas, pois logo mais,
em 2020, o Ministro Celso de Mello completará 75 anos e a compulsória brilhará
como caminho alternativo tanto para Moro como para o Presidente. E tem mais: em
2021 outra vaga será aberta com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Pois
bem, está aberta a estação de apostas...
Albinos queixam-se de discriminação e exclusão social no país
Edna Mussalo
A superstição e a discriminação levam à marginalização e à exclusão dos albinos na sociedade, inclusive da sua inserção no mercado do emprego, disse ontem, em Luanda, o presidente da Associação de Apoio de Albinos de Angola.
Manuel Vapor relatou os casos e situações vividas por muitos albinos nas diferentes áreas sociais decorrentes da falta de uma lei e “por não haver interesse das autoridades pela comunidade albina”. Considerou grave a discriminação a que têm sido sujeitos os albinos um pouco por todo o lado.
O presidente da 4As disse que não há nenhuma lei ou mecanismo criado pelo Governo para facilitar o acesso dos albinos ao ensino, quer a nível de base, médio ou superior, e ao mercado do emprego.
Manuel Vapor disse que nas escolas há casos de alunos albinos que sofrem "bullyng" e são impedidos de se sentar em determinado lugar na sala de aula. “Pela dificuldade de visão que enfrentam, estes são obrigados a estar sempre nas primeiras cadeiras e não o inverso”, disse
Segundo Manuel Vapor, a desinformação da parte pedagógica leva a que muitos não tenham os direitos salvaguardados. Reconhece que no mercado de trabalho houve entidades empregadoras que rejeitaram candidatos depois de constatarem serem albinos.
Relativamente à assistência médica, Manuel Vapor reconheceu a existência de alguns especialistas solidários que facilitam as consultas de dermatologia, mas disse que o grande problema está nas farmácias, onde os preços dos cremes são elevados e muitas vezes inexistentes. “Não há uma orientação a nível superior para se adquirir os medicamentos e tratamentos hospitalares, situação que agrava os muitos problemas de pele entre os albinos, resultando muitas vezes em cancros de pele”, indicou.
O cancro de pele, de acordo com o presidente da 4As, constitui o problema primário que leva à morte de muitos albinos. Manuel Vapor afirmou que o grande aumento do número de mortes de albinos se deve, em parte, a dificuldades no acesso aos protectores solares, cremes e pomadas para atenuar os problemas da pele, por consequência da exposição ao sol.
Para o consultor independente para o desenvolvimento da área social e membro da Associação de Apoio de Albinos de Angola (4As), Guilherme Santos, culturalmente o albinismo é encarado de forma diferente nas regiões Sul e Norte do país.
Guilherme Santos disse que o albinismo em Angola tem características iguais as da África negra, sobretudo na região austral, embora, referiu, ser encarado de uma forma diferente que em outros países. Lamentou que em algumas parte do continente, como Tanzânia, Malawi, Quénia, Congo Democrático e Moçambique, os albinos são perseguidos e às vezes mortos.
Guilherme Santos admitiu haver em Angola ainda muita discriminação e tabus, o que leva o albino a ser excluído das esferas sociais mais elevadas.
Guilherme Santos considera injusto não haver formalmente políticas públicas de protecção social para as pessoas com albinismo em Angola.
“Afirmo não ser justa a inclusão do albino nas várias esferas da sociedade, pois só há uma pessoa na área executiva e dois no parlamento, números que estão aquém das expectativas, se olharmos pelo número de albinos capazes no país”, disse. O albinismo em Angola é assinalado a 13 de Junho, data instituída pelas Nações Unidas para reflexão e consciencialização sobre o tema. O dia foi proclamado para divulgação e informação sobre os problemas que os albinos enfrentam e evitar a discriminação, combatendo ao mesmo tempo a sua perseguição pelo mundo.
Parear policiais com personalidades díspares em tarefa
que exige profunda confiança entre os parceiros, pode ser desastroso em termos
procedurais da vida real, mas em ficção é lugar-comum pra gerar conflito. E que
é o drama se não conflito? Ruim pra polícia, bom pro espectador. Como é na TV
mesmo, dane-se a verossimilhança, que, afinal, é interna e não extrínseca.
A dúzia de episódios de Carlo e Malik (2018), constantes
do catálogo da Netflix, traz a batida dupla de policial experiente que tem de
trabalhar com novato, do qual desconfia e com quem compartilha quase nada. O
tira coroa não age dentro das regras estritas, enquanto o mais jovem quer fazer
tudo certinho, porque tem de provar competência e ainda crê que pode consertar o
mundo, só porque tirou das ruas algum café pequeno do tráfico.
No caso da série italiana, o entrevero entre Carlo e
Malik não vem pelo golfo geracional, mas pelo racismo. Carlo Guerrieri é o
macho adulto branco que não esconde muito bem seu desdém ou desconfiança por
outras etnias, ainda mais quando não se pode mais pensar numa Itália (e por
extensão, Europa) estritamente caucasiana. Seu parceiro Malik é nascido na
Bota, tem sobrenome ítalo (Soprani), mas suscita desconforto, ressentimento e
suspeita não apenas entre alguns colegas, mas especialmente entre suspeitos e
testemunhas. Ao longo do show, chegam a incomodar, as explícitas manifestações
de racismo na delegacia e fora dela, pelas quais passa Malik. Que incomode não
significa que não devam estar representadas, porque muitas delas lembram muito
nosso racismo “discreto” à brasileira. Na verdade, o incômodo especular que
algumas situações podem causar é o verdadeiro ponto forte de Carlo e Malik.
Em termos de série policial, já se viu o procedimento
incontáveis vezes. Um time resolve casos em cada episódio, mas, na era das
maratonas em streaming, há uma supratrama envolvendo um esqueleto desenterrado
do passado de Carlo e que transcorrerá por toda a série. Carlo e Malik são o
epicentro, mas os demais membros da equipe ganham contornos próprios, ainda que
gravitem ao redor dos reis-sois do show, como deve ser. Ou seja, é na medida
pra agradar fãs de shows de detetive.
Além do subtexto social e da destreza no manejo
roteirístico, Carlo e Malik têm os lindos cenários de Roma, substituindo as
mais convencionais urbes anglófonas. Também em termos comparativos com as
séries policiais anglo-ianque-escandinavas, os relacionamentos entre colegas de
serviço e entre policial e suspeitos/testemunhas diferem bastante. Mais
acostumados à “reserva” politicamente correta das produções americanas estranharão
algumas coisas que Carlo fala aos colegas em termos de intromissão e também
pelo fato de vítimas terem suas confissões ouvidas com as mãos encapsuladas
pelas do durão, mas terno, detetive. É a familiaridade latina contrastada à
“frieza” escandinava. Acontece que essa familiaridade escolhe muito bem para
quem se manifesta.
Carlo e Malik é totalmente
maratonável, se você curte investigações policiais e mistérios.
O catálogo da Amazon Prime cresce lentamente demais, mas
a parte de séries é bem interessante para quem quer ver produções menos
cotadas. Podem não ser brilhantes (e quem disse que as da Netflix são?), mas há
coisas boas e você ainda pousa de “alternativo”. Tipo ver série no Eurochannel
ou no Europa Europa, na era ancestral da TV por assinatura.
O Bosque Escuro (2015) manterá ocupado quem curte
thrillers de conspiração médico-psiquiatra, tipo filmes como Coma (1978) e
Medidas Extremas (1996). A perturbada professora de psicologia Nina Ferrari
retorna à cidade natal, onde conseguiu aula na universidade. Ao dirigir pela
estreita estrada que ziguezagueia entre a floresta que esconde a cidade, Nina
vê moça fugindo desesperada. Ao tentar ajudá-la, seus próprios fantasmas de
infância reemergem das sombras, na figura dum sujeito encapuzado à moda dos
serial killers de slasher films. Na verdade, o homem lembra o assassino da ótima série Slasher, da Netflix. A rica Nina Ferrari é constantemente
desacreditada, devido aos medicamentos que toma, mas logo percebe que algo de
errado e perigoso paira sobre as camadas mais altas econômica e
intelectualmente da medieval Viterbo.
O Bosque Escuro não oferece novidade narrativa, mas como
suspense psicológico distrai bem, além da ambientação no outono sombrio da
Itália central ajudar deveras. O visual é muito belo e o enredo vai se
adensando e tem as recomendadas reviravoltas desse subgênero.
O senão é a duração dos
quatro episódios. Numa época em que as séries tornam-se mais curtas não apenas
em termos de temporadas, mas, de capítulos, cada um deles em O Bosque Escuro
dura cerca de 90 minutos. Tempo de exibição de longa-metragem B. A série é
realmente B (isso não é desmérito), mas poderia ter se dividido em porções mais
compactas ou enxugado seu tempo diegético no geral. Tornaria tudo mais
dinâmico.
Pablo Vittar merecidamente ganha cada vez mais destaque
internacional. É sua vez de fazer sucesso e seu pop não é melhor ou pior do que
qualquer outro de veia mais radiofônica. Mas, ela não é a única drag a produzir
música no Brasil. Há várias.
Do Rio Grande do Norte, ano passado, despontou Potyguara
Bardo, cuja proposta é mais alternativa e holística. Seu álbum de estreia,
Simulacre, apresenta pop repleto de influências e de letras muito bem sacadas.
Ainda que algum treino vocal, seria bem-vindo, seu trabalho prova que
diferentes nichos culturais brasileiros estão produzindo coisas de boa
qualidade.
Simulacre simula lacrante viagem psicodélica, devido à
ingestão dum cogumelo mágico. Isso fica estabelecido na desnecessariamente
longa introdução dialogada que abre o curto álbum. São só sete faixas, porque
além da introdução, há a vinheta A Expedição, cuja letra está consoante com o
teor de busca de autoconhecimento de grande parte do trabalho. Potyguara não
fala só de festa, pegação, lacração. Mas prova que se quiser, sabe jogar
direitinho o jogo do pop radiofônico bafônico.
Colada à faixa-título introdutória, está a pulante Karamba,
com refrão grudento (kakakakaka ramba), letra sobre achar bofe em app, depois
de pedir comida por ifood, ou seja, puro 2018 com referência a tecnobrega, seja
lá o que a juventude de hoje faça/ouça. Em seguida, vem Mamma Mia, grande
acerto: com letra “forte” sobre a obsessão nacional, o bumbum, a sonoridade
combina funk minimalista com tarantela e paródia operática e inserções de
gemidão do zap e do ratinho do Ratinho, dizendo “rapaz”. Mudérrno. Que fique
longe a veiarada careta que não consegue aceitar que isso não é inferior a
bobagens de outras décadas, que envolviam bagulhos no bumba, melôs do taka
taka, bilus teteias, biquinis de bolinhas e boogies de bebês.
Bardo investe em reggae e/ou seus afluentes em mais de
uma faixa: Oasis tem gostinho trap. Plene tem a participação de Luísa e Os
Alquimistas e letra que incentiva assumir seu verdadeiro eu e canta que podemos
chamá-lx de bardo ou Bardot. Prefiro Bardo, porque é linguisticamente mais
adequado, embora se entenda porque o sobrenome de Brigitte venha á cabeça,
quando se pensa numa drag. Você Não Existe tem letra supercabeça e seu reggae
vira batuque techno lá pela metade. Ferveção metafísica laricada de eletroJah.
Na virada dos anos 80 pros 90, a paraense lambada
conquistou rebolados ao redor do globo. Bardo resgata o ritmo – nada estranho,
com o contemporânea amor pelo tecnobrega – em Lambada do Flop. O Jogo da Vida
tem o clima mais psicodélico do álbum, meio minimalista com pontadinhas de
electronica e letra que não fica atrás de nenhuma MPB “boa”.
Há algum conceito
filosófico costurando os retalhos da colcha de Simulacre. Potyguara Bardo acaba
não existindo como drag (não que fosse errado se existisse), porque no fundo é
tudo. E isso torna seu pop bem mais inteligente.
A Polícia da República de Moçambique (PRM), em Nampula, está no encalço de um terceiro membro de uma quadrilha de três indivíduos que, no passado dia 2 de Maio, raptou e assassinou uma menor, com problemas de pigmentação no distrito de Murrupula.
O crime aconteceu durante a madrugada, numa área residencial daquele distrito, cuja vila sede dista 72 quilómetros da cidade capital provincial, Nampula, quando os criminosos introduziram-se na residência dos avós da malograda.
Segundo o porta-voz da Polícia em Nampula, Zacarias Nacúti, os dois dos integrantes deste trio foram neutralizados e estão detidos na cidade de Nampula, onde o caso corre os seus trâmites legais.
“ A polícia está no encalço deste terceiro integrante desta quadrilha de malfeitores e os já detidos confessaram ter raptado e estrangulado a menor e escondido o seu corpo num buraco, onde posteriormente iriam recolher os ossos para os entregar ao mandante e comprador com residência no Malawi”, disse Nacúti esta segunda-feira, no habitual briefing à imprensa.
Explicou que a quadrilha é reincidente nestas práticas, pois está igualmente indiciada de ter profanado a sepultura de uma outra pessoa, também albina, em Murrupula, factos que a polícia agora conseguiu confirmar.
“Mas este ano, este é o segundo caso dessa natureza que registamos aqui em Nampula e, em ambos, os indiciados referem sempre que praticaram esses actos lamentáveis a mando de estrangeiros, ou malawianos ou tanzanianos. O apelo da Polícia é que os cidadãos se abstenham destes actos criminosos sob o risco de ficarem a contas com a Justiça”.
Raymond Briggs é ilustrador bastante conhecido na
Inglaterra. Seus trabalhos incluem material para crianças e adultos, dentre
estes, a novela gráfica inspiradora da clássica animação pós-nuclear When The Wind Blows (1986). Nela, James e Hilda Bloggs são simpático casal de velhinhos,
que não entende nada do que está acontecendo numa Inglaterra recém-atingida por
bombas nucleares (faria alguma diferença se entendessem?).
Briggs afirmou, que os modelos de James e Hilda Bloggs
(Briggs, Bloggs...) foram seus pais e isso se corporificou com a publicação de
graphic novel Ethel and Ernest, em 1998. Em 2016, Roger Mainwood adaptou a
história de amor dos pais de Briggs, numa animação chamada Ethel and Ernest: a
true story, como no gibi. Fiel ao característico traço de Briggs – exceto quando
se trata de máquina/tecnologia, repare -, a animação é homenagem ao artista,
que homenageou seus pais. Ethel e Ernest se conhecem no ocaso dos anos 20 e
permanecem juntos até que a morte os separou, mas não por muito tempo: ambos
faleceram, em 1971.
Trata-se da história de um casal britânico “comum”, que
viveu os horrendos ataques aéreos de Hitler; experimentou os surtos de consumo
do capitalismo primeiro-mundista; chocou-se com uma decisão do filho de optar
pela insegurança das artes ao invés de um “respeitável” escritório. A crença
cega em Churchill, durante a Segunda Guerra, é a mesma que Briggs usou nos
Bloggs, com relação às instruções governamentais de proteção antinuclear.
Também coincide a determinação da ex-criada em não se perceber como classe
operária e suas disputas com o marido leiteiro, Labour convicto.
Ethel and Ernest comenta sobre fatos marcantes do século
passado, que moldaram o planeta como o conhecemos agora, através dos diálogos
cotidianos do casal londrino, frequentemente sem noção exata dos assuntos sobre
os quais falavam. Mas, então, quando se encontravam em encruzilhada de opiniões
ou incerteza, sempre havia a salvadora xícara de chá.
É extremamente fácil se projetar, empatizar, vibrar com,
reconhecer e se emocionar com o casal Ethel e Ernest. Eles são os nossos pais,
nós somos eles; pessoas comuns, que vibram com a compra duma casa, não querem
que os vizinhos bisbilhotem; mentem sobre falsas glorias filiais e não têm
mesmo noção da complexidade desse mundão tão complicado e das forças tão
poderosas e distantes, que fazem com que às vezes, tenhamos de nos separar de
entes queridos, devido a uma guerra que não iniciamos.
Aconteceu!...
Eu terminava de ler “De volta aos textos de Freud: dando voz a documentos
mudos” de Ilse Grubrich-Simitis (Imago, 1995) quando recebi post de amigo que alimenta um animado grupo
de WhatsApp. O livro trata do papel da escrita na formulação das ideias do “pai
da psicanálise”; já a mensagem na rede social dizia de regras do bem escrever.
Justamente porque tenho insistido na distinção entre fala e escrita, senti-me
provocado pelo cruzamento das duas práticas expressivas. Por lógico, tomei
cuidado para não confundir os dois códigos que são diferentes. Uma coisa é a
fala e outra a escrita. Aliás, logo me veio à lembrança um comentário feito por
Jô Soares e corri para ilustrar o que digo:
Pois é. U purtuguêis é muinto fáciu di aprender,
purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu
inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi
algumas palavras. Im purtuguêis não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu.
Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu,
si iscrevi muinto diferenti. Qui bom qui a minha língua é u purtuguêis. Quem
soubé falá sabi iscrevê...
E
não foi sem motivo que ri, pois no grupo – formado por amigos velhos (em todos
os sentidos) é comum o pessoal imitar pela escrita o jeito caipira de falar
(“Num disse pro cê”; “te falei que nóis vai”, “os6tudo”). E dando asas, resolvi
declinar o texto vindo pela rede. Sob o título “20 dicas para escrever bem” (na
verdade eram 19 e a última nem estava terminada), luzia uma série de “vícios
gramaticais”, versando sobre “repetição de palavras na mesma frase”,
“abreviaturas”, “uso de expressões anacrônicas ou esdruxulas”, “aplicação de
parêntesis”. Minha primeira perplexidade comprometia algumas dessas “regras”. Como
sempre faço, busquei saber do autor dos tais mandamentos. Achei! Achei, mas não
fiquei satisfeito com as notas indicativas e tratei de ler uma adorável
biografia intitulada “James Michener, a Biography”. E me deliciei sabendo que o professor de pequena cidade do
interior da Pensilvânia, tendo sido abandonado pela mãe ao nascer, filho
adotivo de família Quaker, tinha virado escritor de sucesso e, antes de morrer
em 1995, ganhado o prestigioso Prêmio Pulitzer, honraria distintiva delegada a
autores norte-americanos. E pensei comigo: e agora José; e agora? E agora o que
V. Sa. acha?
A
biografia de Michener explicita a preocupação com as regras do bem escrever e
progride mostrando que Michener se casou três vezes, sendo que a terceira foi
com uma nipo-americana que pouco sabia da língua de Shakespeare. Para auxiliá-la,
tratou de compilar as tais dicas. O premiado autor partia do pressuposto que
pontifica o bem falar só se realiza depois do domínio da escrita. Então,
escrever seria prática funcional exigente. À medida que lia a biografia, ia me
inquietando, pois um dos tópicos abrangidos remetia ao uso do gerúndio, tão
maltratado por nós, brasileiros. Detive-me neste item que sob o número 4
rezava:
Você nunca deve estar usando o gerúndio! Porque,
assim, vai estar deixando o texto desagradável para quem vai estar lendo o que
você vai estar escrevendo. Por isto deve estar prestando atenção, pois, caso
contrário, quem vai estar recebendo a mensagem vai estar comentando que esse
seu jeito de estar redigindo vai estar irritando todas as pessoas que vão estar
lendo.
Isso
bastou para questionar a equiparação. O gerúndio em inglês (I’m thinking, por exemplo) não só é
consagrado como faz parte da aceitação de expressões orais e/ou escritas. Nos
Estados Unidos como no nosso caso – países colonizados – temos razões especiais
para o uso do gerúndio. Antes de tudo, porém, é preciso não confundir gerúndio
com gerundismo e, na dinâmica das
línguas derivadas de matrizes metropolitanas, perceber o gerúndio (substantivo
masculino) como agente do tempo
continuado, algo em processo de mudanças, caracterizado pelo “nd” que,
aliás, se explica não só pela gramática, mas também pela história. O tempo
verbal colonizador é sempre infinitivo e se presentifica:
“estou a pensar”. O colonizado se expressa no “estou pensando”, “andando”,
“fazendo”. De pronto, um exemplo dignifica esta minha explicação. Diz nosso
poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, no encantador poema que ironiza as
normas do vernáculo “A Morte pela Gramática”
Não amando mais escolher
Entre mil serôdios programas
E posto entre o tédio e o dever,
Sabendo a ironia das camas...
Assim,
pude retomar as tais normas vindas pelas redes sociais e filtrar o artifício
ardiloso usado pelo autor norte-americano. Com apoio de Drummont, incorporei os
vícios neste texto, a começar pelo enunciado: escrevendo, escrevendo,
escrevendo e falando... Aprendi! Nesta breve meditação, procurei assumir
algumas das provocações prezadas na tradução das ordens (atribuídas a Michener)
e: repeti palavras, pontuei de forma “errada”, usei termos incomuns, rimei
alguns, coloquei parêntesis e travessões e, se você chegou até aqui em sua
leitura, pode concluir que nem sempre o que mandam fazer serve para uma redação
suportável. E volto ao livro sobre a escrita de Freud, o importante é escrever,
só nos conhecemos, e só nos reconhecemos pela escrita. E Freud explica... E
Drummond alerta contra a Morte pela Gramática.