segunda-feira, 6 de maio de 2019

CAIXA DE MÚSICA 364


Roberto Rillo Bíscaro

Hoje, a forma mais fácil de apresentar The O’Jays é indicar o tema de abertura d’O Aprendiz. Adotada pelo original norte-americano que gerou a franquia, For The Love Of Money tem que ser usada em todas as suas versões, inclusive a brasileira.

The O’Jays foi formado no longínquo 1958, em Canton, Ohio. Apesar de algumas entradas nas paradas de R’n’B, o então quinteto só estourou no início da década de 1970. Quando Gamble e Huff os contratou para seu selo Philadelphia International, os O’Jays tornaram-se estrelas de grandeza prima e encetaram clássicos como Love Train e Back Stabbers.

Como ocorre em qualquer nicho de música popular, conforme os gostos foram mudando, a proeminência dos norte-americanos diminuiu e os álbuns de estúdio rarearam.  Há mais de vinte anos um trio, Eddie Levert Sr., Walter Williams Sr. e Eric Nolan Grant jamais pararam de excursionar pesado. É até difícil de imaginar sessenta anos de estrada. Conta a lenda, que antes de cada turnê, o grupo se refugia em Las Vegas, durante semanas, ensaiando uma base de dez horas diárias, sete dias por semana.

Há mais de quinze anos sem lançar novidade de estúdio (álbum de Natal não conta, porque é regravação), ano passado apareceu Too Imagine. Porém, não passava de picaretagem de um selo que apenas maquiou títulos de canções de Together We Are One, de 2004. Nem o trio sabia do lançamento, até ser alertado.

Ao refutarem o lançamento apócrifo, os O’Jays anunciaram que preparavam seu último álbum de estúdio. Em fevereiro, saiu o [apropriadamente intitulado] The Last Word. 2019 está paradisíaco para fãs de black music dos anos 70. Material “perdido” de Marvin Gaye e Nat Turner Rebellion viram a luz do dia e os veteranos de Chicago retornaram.

No curto álbum de nove canções, os O’Jays investem pesado nos metais e cordas doces e harmônicas do som da Filadélfia, em delícias deslizantes, como Start Stoppin’. Dá pra perceber tão nitidamente, como o Phily Soul influenciou a disco music (que não é filha só de Nova York) nessa faixa vibrante, com vocal ainda fresco e aquela capacidade de bolar refrãos aliterativos e infecciosamente grudentos. Gotta keep keeping on/gotta keep keeping on/gotta keep keeping on, ai, desculpa a vitrola quebrada, gente, não paro de cantar isso há dias.

’68 Summer Nights é reminiscência planante e com naipe de cordas sobre a juventude dos O’Jays, época, quando gravaram originalmente a faixa de encerramento, I’ll Be Sweeter Tomorrow (Than I Was Today). Sentido doo wop, ao qual acrescentaram introito falado, explicando que, quando gravaram a faixa, em 1967, não sabiam realmente o que significava ser “mais doce”. Vocais no topo da forma.

Jamais alheios a críticas sociais, os norte-americanos fazem-na diretamente em números mais sombrios, onde predomina o R’n’B, com ênfase no B (blues), como é o caso de Stand Up (Show Love) ou Above The Law. O clima musical não precisa fechar pra gerar farpas: Do You Really Know How I Feel é típico soul anos 60, mas cuja letra solta dardos, embora menos diretos do que nas faixas sombrias. Os negros ainda têm bastante do que reclamar, como desigualdade de renda e no tratamento recebido: uma letra diz que jovem negro, quando pego com droga paga multona e vai pra cadeia; garotinho branco, vai pra rehab).

O legal mesmo é quando conseguem sintetizar amor, dardinho envenenado e Phily Soul, como no caso da faixa de abertura, I Got You. Numa letra sobre conquistar a amada, em meio a metais e cordas, afirmam que conseguirão, mesmo que construam “o tal muro”. Farpa na trumpice anti-imigratória, numa canção que preconiza o amor como revolução salvadora. Eles não negam a origem em outra era...

Sem precisar ou querer inventar moda, a única lasca de contemporaneidade de The Last Word é Enjoy Yourself, composta por Bruno Mars. Isso não significa nenhuma ruptura, até porque Bruno é bem passadistazinho, mas o modo de compor é diferente. A faixa abre meio lembrando Lovefool, dos Cardigans, pra imediatamente virar bongôs com cornetinhas Burt Bacharach e depois cair numa característica cadência deslizante.

Se The Last Word for realmente sua última palavra em estúdio (os coroas estão em turnê divulgando o álbum!), os O’Jays fecharam a boca em grande estilo.

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