Roberto Rillo Bíscaro
Hoje, a forma mais fácil de
apresentar The O’Jays é indicar o tema de abertura d’O Aprendiz. Adotada pelo
original norte-americano que gerou a franquia, For The Love Of Money tem que
ser usada em todas as suas versões, inclusive a brasileira.
The O’Jays foi formado no longínquo 1958, em Canton,
Ohio. Apesar de algumas entradas nas paradas de R’n’B, o então quinteto só
estourou no início da década de 1970. Quando Gamble e Huff os contratou para
seu selo Philadelphia International, os O’Jays tornaram-se estrelas de grandeza
prima e encetaram clássicos como Love Train e Back Stabbers.
Como ocorre em qualquer nicho de música popular, conforme
os gostos foram mudando, a proeminência dos norte-americanos diminuiu e os
álbuns de estúdio rarearam. Há mais de
vinte anos um trio, Eddie Levert Sr., Walter Williams Sr. e Eric Nolan Grant
jamais pararam de excursionar pesado. É até difícil de imaginar sessenta anos
de estrada. Conta a lenda, que antes de cada turnê, o grupo se refugia em Las
Vegas, durante semanas, ensaiando uma base de dez horas diárias, sete dias por
semana.
Há mais de quinze anos sem lançar novidade de estúdio
(álbum de Natal não conta, porque é regravação), ano passado apareceu Too Imagine. Porém, não passava de picaretagem de um selo que apenas maquiou
títulos de canções de Together We Are One, de 2004. Nem o trio sabia do
lançamento, até ser alertado.
Ao refutarem o lançamento apócrifo, os O’Jays anunciaram
que preparavam seu último álbum de estúdio. Em fevereiro, saiu o
[apropriadamente intitulado] The Last Word. 2019 está paradisíaco para fãs de
black music dos anos 70. Material “perdido” de Marvin Gaye e Nat Turner
Rebellion viram a luz do dia e os veteranos de Chicago retornaram.
No curto álbum de nove canções, os O’Jays investem pesado
nos metais e cordas doces e harmônicas do som da Filadélfia, em delícias
deslizantes, como Start Stoppin’. Dá pra perceber tão nitidamente, como o Phily
Soul influenciou a disco music (que não é filha só de Nova York) nessa faixa
vibrante, com vocal ainda fresco e aquela capacidade de bolar refrãos
aliterativos e infecciosamente grudentos. Gotta keep keeping on/gotta keep
keeping on/gotta keep keeping on, ai, desculpa a vitrola quebrada, gente, não
paro de cantar isso há dias.
’68 Summer Nights é reminiscência planante e com naipe de
cordas sobre a juventude dos O’Jays, época, quando gravaram originalmente a
faixa de encerramento, I’ll Be Sweeter Tomorrow (Than I Was Today). Sentido doo
wop, ao qual acrescentaram introito falado, explicando que, quando gravaram a
faixa, em 1967, não sabiam realmente o que significava ser “mais doce”. Vocais
no topo da forma.
Jamais alheios a críticas sociais, os norte-americanos
fazem-na diretamente em números mais sombrios, onde predomina o R’n’B, com
ênfase no B (blues), como é o caso de Stand Up (Show Love) ou Above The Law. O
clima musical não precisa fechar pra gerar farpas: Do You Really Know How I
Feel é típico soul anos 60, mas cuja letra solta dardos, embora menos diretos
do que nas faixas sombrias. Os negros ainda têm bastante do que reclamar, como
desigualdade de renda e no tratamento recebido: uma letra diz que jovem negro,
quando pego com droga paga multona e vai pra cadeia; garotinho branco, vai pra
rehab).
O legal mesmo é quando conseguem sintetizar amor,
dardinho envenenado e Phily Soul, como no caso da faixa de abertura, I Got You.
Numa letra sobre conquistar a amada, em meio a metais e cordas, afirmam que
conseguirão, mesmo que construam “o tal muro”. Farpa na trumpice
anti-imigratória, numa canção que preconiza o amor como revolução salvadora.
Eles não negam a origem em outra era...
Sem precisar ou querer inventar moda, a única lasca de
contemporaneidade de The Last Word é Enjoy Yourself, composta por Bruno Mars.
Isso não significa nenhuma ruptura, até porque Bruno é bem passadistazinho, mas
o modo de compor é diferente. A faixa abre meio lembrando Lovefool, dos
Cardigans, pra imediatamente virar bongôs com cornetinhas Burt Bacharach e
depois cair numa característica cadência deslizante.
Se The Last Word for
realmente sua última palavra em estúdio (os coroas estão em turnê divulgando o
álbum!), os O’Jays fecharam a boca em grande estilo.
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