segunda-feira, 20 de maio de 2019

CAIXA DE MÚSICA 366



Roberto Rillo Bíscaro

Pablo Vittar merecidamente ganha cada vez mais destaque internacional. É sua vez de fazer sucesso e seu pop não é melhor ou pior do que qualquer outro de veia mais radiofônica. Mas, ela não é a única drag a produzir música no Brasil. Há várias.
Do Rio Grande do Norte, ano passado, despontou Potyguara Bardo, cuja proposta é mais alternativa e holística. Seu álbum de estreia, Simulacre, apresenta pop repleto de influências e de letras muito bem sacadas. Ainda que algum treino vocal, seria bem-vindo, seu trabalho prova que diferentes nichos culturais brasileiros estão produzindo coisas de boa qualidade.
Simulacre simula lacrante viagem psicodélica, devido à ingestão dum cogumelo mágico. Isso fica estabelecido na desnecessariamente longa introdução dialogada que abre o curto álbum. São só sete faixas, porque além da introdução, há a vinheta A Expedição, cuja letra está consoante com o teor de busca de autoconhecimento de grande parte do trabalho. Potyguara não fala só de festa, pegação, lacração. Mas prova que se quiser, sabe jogar direitinho o jogo do pop radiofônico bafônico.
Colada à faixa-título introdutória, está a pulante Karamba, com refrão grudento (kakakakaka ramba), letra sobre achar bofe em app, depois de pedir comida por ifood, ou seja, puro 2018 com referência a tecnobrega, seja lá o que a juventude de hoje faça/ouça. Em seguida, vem Mamma Mia, grande acerto: com letra “forte” sobre a obsessão nacional, o bumbum, a sonoridade combina funk minimalista com tarantela e paródia operática e inserções de gemidão do zap e do ratinho do Ratinho, dizendo “rapaz”. Mudérrno. Que fique longe a veiarada careta que não consegue aceitar que isso não é inferior a bobagens de outras décadas, que envolviam bagulhos no bumba, melôs do taka taka, bilus teteias, biquinis de bolinhas e boogies de bebês.

Bardo investe em reggae e/ou seus afluentes em mais de uma faixa: Oasis tem gostinho trap. Plene tem a participação de Luísa e Os Alquimistas e letra que incentiva assumir seu verdadeiro eu e canta que podemos chamá-lx de bardo ou Bardot. Prefiro Bardo, porque é linguisticamente mais adequado, embora se entenda porque o sobrenome de Brigitte venha á cabeça, quando se pensa numa drag. Você Não Existe tem letra supercabeça e seu reggae vira batuque techno lá pela metade. Ferveção metafísica laricada de eletroJah.

Na virada dos anos 80 pros 90, a paraense lambada conquistou rebolados ao redor do globo. Bardo resgata o ritmo – nada estranho, com o contemporânea amor pelo tecnobrega – em Lambada do Flop. O Jogo da Vida tem o clima mais psicodélico do álbum, meio minimalista com pontadinhas de electronica e letra que não fica atrás de nenhuma MPB “boa”.

Há algum conceito filosófico costurando os retalhos da colcha de Simulacre. Potyguara Bardo acaba não existindo como drag (não que fosse errado se existisse), porque no fundo é tudo. E isso torna seu pop bem mais inteligente.

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