AS DEZ VIRGENS!...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Oficialmente, sou historiador, profissional da disciplina História. Na intimidade inerente a quem escreve crônicas semanais, contudo, devo dizer que cultivo nuanças. Sou daqueles que gostam de histórias – no plural e na modéstia do “h” minúsculo. É claro que respeito as grandes interpretações que remetem aos momentos capitais da aventura humana, e nesse mar imenso navego preferências e respeito pelos feitos dos consagrados heróis, santos, mártires, figuras de ciências, bandidos eloquentes, e artes. Gosto sim de pensar os instantes capitais das transformações do mundo e no milagre da sobrevivência contemplada pelos processos civilizatórios. Mas... mas, gosto também das pequenas histórias, dos casos que se perdem no palheiro da grandiosidade coletiva. Ainda que não escape do fundamento das utopias globais e da inerência à luta pela igualdade, fraternidade e liberdade, me deixo deliciar pelas lendas locais, mitos, fábulas populares. E neste quesito me permito determinadas licenças, inclusive para buscar nos “fatos notáveis” o pequeno acontecimento, aquele que quase não se mostra ou que é ofuscado pela grandiloquência cativada por apologias e finais felizes. Foi assim que achei nos Evangelhos uma passagem intrigante: a Parábola das 10 Virgens (Mt 25, 1-13).
O enredo é assaz provocador e diz textualmente: “então o Reino dos céus será semelhante às dez virgens, que saíram com suas lâmpadas ao encontro do esposo. Cinco dentre elas eram fúteis e cinco, prudentes. Tomando suas lâmpadas, as fúteis não levaram óleo consigo. As prudentes, contudo, levaram de reserva vasos de óleo para as lâmpadas. Tardando os esposos, as moças cochilaram e logo adormeceram profundamente. No meio da noite, porém, ouviu-se clamor anunciando a chegada dos pretendentes e, então, uma voz se ouviu: eis os esposos, ide ao seu encontro. As virgens levantaram-se todas e prepararam suas lâmpadas. As fúteis, preocupadas, disseram às prudentes: dai-nos de vosso óleo, porque nossas lâmpadas estão se apagando. As prudentes assim responderam: não temos o suficiente para nós e para vós; aconselhamos irdes aos vendedores, a fim de o comprar para vós. Ora, enquanto foram comprar, os esposos ninguém encontrando voltaram. As que estavam preparadas entraram com Ele para a sala das bodas e foi fechada a porta. Mais tarde, chegaram também as outras e clamavam: Senhor, Senhor, abre-nos a porta! Mas ele respondeu: em verdade vos digo: não vos conheço!”
É claro que não sou exegeta e declaro que mesmo tendo lido a Bíblia regularmente em anos de aulas de religião em colégio salesiano, não me coloco como intérprete. Também não engrosso fileiras dos iconoclastas modernos. Pelo contrário, gosto de ser diletante, leitor eventual das Sagradas Escrituras. A Parábola das 10 virgens me chamou a atenção exatamente pelo momento cultural que vivemos. Nem vou discutir o tema da virgindade nos parâmetros delineados por Foucault na questão do controle dos corpos. Também não vou penetrar nos avanços semióticos tão oportunos para a tomada da parábola como pretexto. Quis também, obviamente, me sentir longe dos fundamentos sobre a existência de um Senhor tão poderoso capaz de discutir a fatalidade dos caminhos das criaturas. Foi assim que meu lado mais prosaico se exibiu mostrando que há uma narrativa oculta que discute o essencial: a continuidade da espécie acima de qualquer outro valor. As exatas 10 mulheres a espera dos esposos sugere uma seletividade que faz pensar no aconteceria depois de fechada a porta da “sala de bodas”. Gastei horas imaginando os fatos. Minha mente sensualizada deu asas à imaginação e até sugeri um grande bacanal abençoado por Ele. Na frieza incrédula, fui bosquejando minha irracionalidade e soltei as dúvidas contidas em caixa de perplexidades. E por que não eram os homens esperando as esposas? E quem seria de quem, uma para cada cada um? Por que elas deveriam se precaver para esperá-los? O tal encontro não poderia ser durante o dia? E se fosse, as fúteis teriam chances? E quantas entraram? O que teria acontecido com os pretensos esposos que ficaram solitários? Aliás, que culpa teriam eles das mulheres que não se precaveram? Supus também a metáfora do combustível, dos vasos para as lâmpadas, que significaria? A questão do castigo (da porta fechada) e do desespero das que ficaram para fora da tal sala, seria ameaça? Sobretudo dominou meu reino de bisbilhotice uma questão: mas que força teria o tal Senhor, a ponto de determinar uma programação de encontros que nada teria a ver com escolhas individuais, com amor, com enredos pessoais?
Tive que parar, pois tamanho era o repertório de indagações que deixaria de ler o resto da Bíblia e desconfiaria do magnífico romance do gaúcho Moacyr Scliar que detalha uma mulher autora eventual de uma das setenta versões do livro sagrado dos cristãos. Sim “A mulher que escreveu a Bíblia” dá conta das façanhas de uma paciente de psicanalista de “vidas passadas”, e o enredo remete a essa personagem que seria revolucionária. Revolucionária? Será mesmo que uma mulher escreveria a mesma Parábola? Será?...
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