Roberto Rillo Bíscaro
Parear policiais com personalidades díspares em tarefa
que exige profunda confiança entre os parceiros, pode ser desastroso em termos
procedurais da vida real, mas em ficção é lugar-comum pra gerar conflito. E que
é o drama se não conflito? Ruim pra polícia, bom pro espectador. Como é na TV
mesmo, dane-se a verossimilhança, que, afinal, é interna e não extrínseca.
A dúzia de episódios de Carlo e Malik (2018), constantes
do catálogo da Netflix, traz a batida dupla de policial experiente que tem de
trabalhar com novato, do qual desconfia e com quem compartilha quase nada. O
tira coroa não age dentro das regras estritas, enquanto o mais jovem quer fazer
tudo certinho, porque tem de provar competência e ainda crê que pode consertar o
mundo, só porque tirou das ruas algum café pequeno do tráfico.
No caso da série italiana, o entrevero entre Carlo e
Malik não vem pelo golfo geracional, mas pelo racismo. Carlo Guerrieri é o
macho adulto branco que não esconde muito bem seu desdém ou desconfiança por
outras etnias, ainda mais quando não se pode mais pensar numa Itália (e por
extensão, Europa) estritamente caucasiana. Seu parceiro Malik é nascido na
Bota, tem sobrenome ítalo (Soprani), mas suscita desconforto, ressentimento e
suspeita não apenas entre alguns colegas, mas especialmente entre suspeitos e
testemunhas. Ao longo do show, chegam a incomodar, as explícitas manifestações
de racismo na delegacia e fora dela, pelas quais passa Malik. Que incomode não
significa que não devam estar representadas, porque muitas delas lembram muito
nosso racismo “discreto” à brasileira. Na verdade, o incômodo especular que
algumas situações podem causar é o verdadeiro ponto forte de Carlo e Malik.
Em termos de série policial, já se viu o procedimento
incontáveis vezes. Um time resolve casos em cada episódio, mas, na era das
maratonas em streaming, há uma supratrama envolvendo um esqueleto desenterrado
do passado de Carlo e que transcorrerá por toda a série. Carlo e Malik são o
epicentro, mas os demais membros da equipe ganham contornos próprios, ainda que
gravitem ao redor dos reis-sois do show, como deve ser. Ou seja, é na medida
pra agradar fãs de shows de detetive.
Além do subtexto social e da destreza no manejo
roteirístico, Carlo e Malik têm os lindos cenários de Roma, substituindo as
mais convencionais urbes anglófonas. Também em termos comparativos com as
séries policiais anglo-ianque-escandinavas, os relacionamentos entre colegas de
serviço e entre policial e suspeitos/testemunhas diferem bastante. Mais
acostumados à “reserva” politicamente correta das produções americanas estranharão
algumas coisas que Carlo fala aos colegas em termos de intromissão e também
pelo fato de vítimas terem suas confissões ouvidas com as mãos encapsuladas
pelas do durão, mas terno, detetive. É a familiaridade latina contrastada à
“frieza” escandinava. Acontece que essa familiaridade escolhe muito bem para
quem se manifesta.
Carlo e Malik é totalmente
maratonável, se você curte investigações policiais e mistérios.
O catálogo da Amazon Prime cresce lentamente demais, mas
a parte de séries é bem interessante para quem quer ver produções menos
cotadas. Podem não ser brilhantes (e quem disse que as da Netflix são?), mas há
coisas boas e você ainda pousa de “alternativo”. Tipo ver série no Eurochannel
ou no Europa Europa, na era ancestral da TV por assinatura.
O Bosque Escuro (2015) manterá ocupado quem curte
thrillers de conspiração médico-psiquiatra, tipo filmes como Coma (1978) e
Medidas Extremas (1996). A perturbada professora de psicologia Nina Ferrari
retorna à cidade natal, onde conseguiu aula na universidade. Ao dirigir pela
estreita estrada que ziguezagueia entre a floresta que esconde a cidade, Nina
vê moça fugindo desesperada. Ao tentar ajudá-la, seus próprios fantasmas de
infância reemergem das sombras, na figura dum sujeito encapuzado à moda dos
serial killers de slasher films. Na verdade, o homem lembra o assassino da ótima série Slasher, da Netflix. A rica Nina Ferrari é constantemente
desacreditada, devido aos medicamentos que toma, mas logo percebe que algo de
errado e perigoso paira sobre as camadas mais altas econômica e
intelectualmente da medieval Viterbo.
O Bosque Escuro não oferece novidade narrativa, mas como
suspense psicológico distrai bem, além da ambientação no outono sombrio da
Itália central ajudar deveras. O visual é muito belo e o enredo vai se
adensando e tem as recomendadas reviravoltas desse subgênero.
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