A Human Rights Watch (HRW) denunciou hoje casos de discriminação e estigmatização a crianças portadoras de albinismo na província de Tete, alertando para as consequências psicológicas da rejeição de albinos naquela província do centro de Moçambique. Em Angola, os albinos continuam a enfrentar “problemas e barreiras” que vão desde a dificuldade de inserção no emprego e no sistema de ensino, à falta de assistência social e medicamentosa.
“As crianças que vivem com o albinismo na província central de Tete são amplamente discriminadas, estigmatizadas e frequentemente rejeitadas na escola, na comunidade e, por vezes, pelas suas próprias famílias”, lê-se num relatório daquela organização não-governamental, divulgado hoje.
Além do estigma e discriminação, segunda a HRW, há casos de crianças albinas na província de Tete que não possuem material escolar adequado, principalmente os menores com problemas de visão.
“Os estudantes com albinismo que também têm baixa visão não têm acesso a materiais de aprendizagem apropriados, como livros escolares grandes, tempo extra para exames ou lugares junto ao quadro”, refere o documento.
Para a organização, apesar de os casos de raptos e assassínios de portadores de albinismo terem reduzido no país, entre as famílias das crianças albinas o medo ainda existe e algumas proíbem os filhos de frequentarem as aulas.
O relatório da Human Rights Watch lembra que o caso mais recente ocorreu em Maio, quando uma criança albina de 11 anos foi raptada e assassinada em Murrupala, na província de Nampula, e, dias depois, o seu corpo foi encontrado sem membros, numa mata.
A onda de ataques contra portadores de albinismo teve o seu pico em Moçambique entre 2014 e 2015. Durante aquele período, a HRW diz ter recebido relatos de pelo menos 100 ataques registados em 2015, casos cujas causas estão associadas à superstição.
“Ao tomar medidas para garantir que as crianças com albinismo possam receber educação enquanto continuam investigando e processando os responsáveis pelos ataques, Moçambique tem a oportunidade de demonstrar ainda mais seu compromisso em garantir a segurança, a inclusão e a dignidade das pessoas com albinismo”, lê-se no relatório, que destaca, no entanto, passos significativos do Governo na luta pelos direitos das pessoas com albinismo.
No relatório, elaborado entre Julho de 2018 e Maio de 2019, a Human Rights Watch entrevistou perto de 60 pessoas, entre portadores de albinismo, activistas sociais, directores de escolas e representantes de organizações baseadas em Moçambique, além de quadros do Governo moçambicano.
E como é em Angola?
Os albinos em Angola continuam a enfrentar “problemas e barreiras” que vão desde a dificuldade de inserção no emprego e no sistema de ensino, à falta de assistência social e medicamentosa, advertiu há um ano a Associação de Apoio aos Albinos de Angola.
A informação foi transmitida pelo presidente da Associação, Manuel Vapor, durante uma palestra realizada no dia 13 de Junho de 2018, em Luanda, a propósito do dia mundial para a consciencialização sobre o Albinismo.
De acordo com aquele responsável, ainda há casos de discriminação no país e grande parte dos albinos em Angola não tem emprego e encontra dificuldades para adquirir cremes de protecção da pele, pedindo por isso ao Ministério da Saúde a subvenção desses fármacos.
“Porque o protector solar nas farmácias, o preço, é elevadíssimo e então gostaríamos que também ficassem naqueles produtos a custo zero e subvencionados pelo Governo. Por isso é preciso que o ministério ponha a mão neste caso, porque principalmente os adultos que não trabalham têm grande dificuldade”, disse.
Manuel Vapor referiu, igualmente, que o país “carece de uma política virada à pessoa albina”, que no seu entender deveria ser superintendida pelo Ministério da Saúde, exemplificando que as consultas nos hospitais ainda são feitas “graças ao bom senso dos dermatologistas”.
As consultas, acrescentou, são feitas com recurso às “parcerias” que a associação criou junto dos dermatologistas, no sentido de responderem às “necessidades diárias” da pessoa albina.
Durante a sua intervenção, o presidente da Associação de Apoio aos Albinos de Angola, considerou também que a falta de informação sobre o albinismo faz persistir o preconceito na sociedade angolana.
“Porque se desde tenra idade e sobretudo nos manuais escolares do ensino de base se começar a ministrar matérias sobre o albinismo, essas situações não deveriam colocar-se e a criança já não veria o albino como um fantasma e haveria melhor familiarização”, realçou.
No capítulo do emprego, aquela associação defende que o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTESS) encontre mecanismos que “pelo menos reservassem vagas exclusivas” para a pessoa albina.
“Reconhecemos que o emprego no país está difícil, mas é possível o ministério adoptar esse mecanismo, porque muitos associados estão vulneráveis e isso agrava ainda mais a sua condição de saúde, devido à falta de cuidados”, adiantou.
A consciencialização à pessoa com albinismo e o albinismo no campo científico foi o tema desta palestra, animada pelo dermatologista e director do serviço de Dermatologia e Venereologia do Hospital Américo Boavida, Juliano Isaías.
Na ocasião, o responsável lamentou a situação de carência de albinos para aquisição de cremes de pele, tendo revelado que a unidade hospitalar acompanha regularmente cerca de 300 doentes albinos, na sua maioria com cancro de pele.
“E os nossos serviços ambulatórios continuam a registar novos casos, sobretudo ligados a lesões de pele em crianças e adultos”, explicou.
A Associação de Apoio aos Albinos de Angola conta com cerca de 600 associados e tem representações em seis das 18 províncias do país.
Nada pior do que ser africano e albino
ATanzânia viveu nos finais de 2016 uma onda de ataques contra albinos, considerados por alguns a cura de doenças e, por outros, o símbolo do azar, da maldição e da bruxaria.
Said Abdallah, uma menina de 10 anos, teve os braços cortados depois de ser tacada por homens que a acusaram de ser uma “bruxa amaldiçoada”. Mas o real motivo pela qual Said foi agredida foi ser albina. A Tanzânia é o país de África com o maior número de albinos.
Principalmente nas áreas rurais, acredita-se que a ausência de melanina na pele, no cabelo e nos olhos, principais causas que levam ao albinismo, são sinais de maldição e azar. A intensificação dos problemas de intolerância fez com o que o governo da Tanzânia passasse a abrir centros de acolhimento a albinos por todo país. Muitos são expulsos de suas próprias casas porque as suas famílias têm vergonha de criá-los.
De acordo com a Associação de Albinismo da Tanzânia, foram registados em 2016 oito mil albinos no país, entre homens, mulheres e crianças. Acredita-se, contudo, que essa população é muito maior já que a maioria dos albinos se esconde ou não se declara albina com medo da repressão.
“Muitos albinos fogem das suas vilas com medo de serem esquartejadas e terem os seus órgãos vendidas por traficantes”, explicou a jornalista Ana Palacios ao jornal britânico “Metro”. De acordo com a jornalista, alguns acreditam que “os órgãos de albinos podem ser usados em poções mágicas”.
Enquanto para alguns a doença é vista como uma maldição; para outros, os albinos são milagrosos. “Eles são estuprados porque alguns acreditam que eles carregam a cura da Sida. Eles são alienados da sociedade por serem considerados mágicos”, enfatiza Ana Palacios.
Algumas famílias africanas acreditam que as crianças brancas são um “estigma” e, dessa forma, eles passam a ser “maltratados” e “menos alimentados”. Muitos, inclusive, não recebem o tratamento necessário e acabam como vítimas do cancro de pele.