O PIOR DO (MUITO) PIOR.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
No dia 17 de abril de 2016, tomei decisão aguda:
guardaria minha tristeza na gaveta mais escondida de meu silêncio político, e
resignado lançaria a chave imaginária no oceano das tais ilusões perdidas. Era
demais enfrentar novo impeachment – dois em uma geração que começou votar para
presidência com mais de 40 anos de idade. E inventariava minha tristeza considerando
prematuro supor que a longa noite de 21 anos, a sutil, mas não menos cruel
ditadura, havia passado. Confesso que foi alentador viver os fátuos mandatos de
esperança que se seguiram ao declínio militar. Mesmo com limites, não há como
negar as benesses de mudanças e a ventilação de possibilidades de se ter um
país com menor número de pessoas abaixo da linha de pobreza, com respeitos,
menos misógino e mais acolhedor. Os dias que se seguiram àquela fatídica sessão
da Câmara - as semanas e anos - foram acentuando diferenças entre o que viam
ameaças à democracia em contraste com discursos populistas baseados em fatos
fabricados. Eu calado assim, no fundo das mágoas contidas, não conseguia
acreditar nos ecos crescentes e entoados de tantos queridos: amigos, parentes,
vizinhos. Tristíssimo, não me autorizava pronunciar contraditório algum, até
porque a corrente avassaladora que ganhava força me era incompressível e
expressa em manifestações capazes de misturar piadas com ações patrioteiras,
ataques nutridos de fake news.
E veio o governo Temer. E veio o embalo das novas
eleições. E ampliaram-se as manifestações radicais que jogavam uns contra
outros, tudo com muita raiva e sede de vingança. As ruas se encheram das cores
da bandeira, bateu-se panela, os hinos cívicos e os ditos excludentes se
fizeram berros. Qualquer um que não marchasse na cadência das ordens daquela
exalação seria considerado bastardo, traidor da moral e defensor de bandidos. Tudo
em nome do combate à corrupção, à moral familiar ofendida pelo louvor às
diferenças. Agigantava-se um produto de uma versão religiosa fundamentalista
que se vangloria de ser “terrivelmente cristã”. Terrivelmente... Mas, na medida
em que o ódio se naturalizava como virtude cívica, fui sentindo que precisa fazer
alguma coisa. Precisava, mas não tinha forças suficientes até que se
aproximaram as últimas eleições, e então busquei escafandro e mergulhei no
encalço da chave perdida e, de posse, ousei abrir discretamente a tal gaveta. Falei
um pouco, talvez menos do que deveria, mas bradei o suficiente para reafirmar Cecília
Meireles no verso Punhal de Prata: “A
maior pena que eu tenho/ punhal de prata, não é de me ver morrendo/ mas de
saber quem me mata”. Entre os que “me matavam” estavam amigos queridos,
irônicos, tão auto sonantes em desprezos.
A realidade dos fatos, vagarosamente foi mostrando que eu
não estava tão equivocado. Vendo os verbos presidenciais sendo conjugados fora
das gramáticas políticas e da decência, novamente, percebia a graça da história.
Definitivamente, pela escrita, deixei o pacto de silêncio e recuperei a crença
popular garantidora de que o peixe presidencial morreria pela boca. Mas não foi
sem dor que fui vendo desbotar os devaneios contrários. Sofria pelo preço pago
por todos. Tudo seguia seu curso, diria. Aconteceu, porém, esta semana uma
série de absurdos que me obrigam a constatar os percalços e ver que há
esperanças. Como resposta a um eloquente “não dá mais”, somaram-se impropérios
que, em conjunto, animam pensar que o avesso da sensatez está promovendo a longa
virada. Vejamos alguns lances que dignificam o que penso:
“Se não puder ter filtro,
vamos extinguir a ANCINE”
“(Miriam Leitão) estava indo
para a guerrilha do Araguaia quando foi presa. E depois conta um drama todo,
mentiroso, que teria sido torturada. Mentira”
“Daqueles governadores de...
paraíba, o pior é o do Maranhão”;
“Já mandei ver quem está a
frente do INPE para que venha a Brasília explicar estes dados que foram
enviados à imprensa”, e, não bastasse, declarou suspeitar que o Diretor do INPE
estaria “à seviço de alguma ONG”;
“falar que se passa fome no Brasil é uma
grande mentira. Passa-se mal, não se come bem, aí eu concordo. Agora passar
fome, não. Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com o físico esquelético
como se vê em outros países pelo mundo”
No primeiro caso, trata-se de
censura impensável em qualquer democracia. Não cabe ao mandatário do estado
definir o que é correto para a moral pública. Além disso, existem os “filtros
legítimos” permitidos pelos limites de idade. E seria tão recomendável que o
emissor de tal bobagem soubesse o que é e o que não é pornográfico.
A frase sobre Miriam Leitão além
de ser falsa, mentirosa, dimensiona o esforço de limitação da opinião pública.
Replicando a censura, o dizer presidencial quer acabar com a opinião crítica e
impor o pensamento único (desde que o pensamento único seja o dele). Convém
lembrar que isto foi dito em resposta a um questionamento feito em ato oficial,
frente à imprensa estrangeira.
O ataque deferido contra o
governador do estado do Maranhão é gravíssimo, não apenas pela discriminação
àquele estado, mas a todo o bloco do Nordeste. A agravar tudo, a depreciação
contida no termo “paraíba” revela a carga indisfarçável de preconceito que,
expresso pelo presidente da República, derruba os limites do suportável.
Além de contestar dados oficiais,
emitidos por agência do próprio governo, o INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais, orgão do Ministério de Ciência e Tecnologia), foi sugerido
que haveria uma série de ONGs interessadas em forjar informações a favor de
interesses estrangeiros. Lembremos que isso foi dito no momento em que alguns
países patrocinadores de ajuda a Amazônia (Noruega e Alemanha) questionam o
andamento das políticas de meio ambiente.
Também como resposta, a
referência ao número de pessoas que passam fome, revela o despreparo e a
desinformação do mandatário. Os totais revelam aumento assustador de
contingentes famélicos desde 2017. Convém notar que as estatísticas são
oficiais e dão conta que 5,2 milhões de pessoas no Brasil passaram um ou mais
dias sem consumir alimentos, segundo levantamento feito por agências da ONU.
Se, contudo, me fosse dada
a tarefa classificatória do pior emitido pelo presidente, a campeã não seria
nenhuma destas pérolas. Acima de todas as demais, desdobramento da absurda
nomeação do filho, o tal 03, para a embaixada brasileira nos Estados Unidos, ganharia
o troféu: “se eu puder dar filé mignon para o meu filho, eu dou”. Sei que o
caminho é longo. Em igual proporção estou ciente que serei chamado de
esquerdista, comunista ou petista. Mas tudo vale a pena para acolher os
democratas, aqueles que acreditam que vamos soltar a voz democrática.
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