Roberto Rillo Bíscaro
Mesmo que o The Guardian tenha decretado a morte do
Scandi Noir – in agora é curtir coisa
belga ou israelense – os países nórdicos seguem exportando cada vez mais sua TV
e ainda criam tendências.
Em 2011, a fenomenal Bron/Broen apresentou trabalho
conjunto de policiais da Suécia e Dinamarca. Sem contar as diversas releituras,
a série deflagrou séries de trabalhos colaborativos, como The Team (tá
estocada, mas a fila é longa demais!) e a aguada Crossing Lines (tem na
Netflix; não tive saco pra ver muitos episódios).
Em 2016, TVs da Suécia e França uniram forças pros 8
amalucados capítulos de Midnattssol, internacionalmente conhecida como Midnight
Sun, por se passar no extremo norte sueco, fronteira com a Finlândia, onde, no
verão, o sol não se põe durante semanas. Não é só no deserto que se consegue
enjoar de tanta luminosidade; mesmo sobre gente encapotada, a perene luz
castiga em alguns momentos.
Se Blue Eyes apresentou Suécia fascistoide, com mulher
levando bofetada do macho, Midnight Sun (MS) nos leva à Lapônia sueca, onde a
idealizada política de integração social não abranda o preconceito do sueco
viking pelos nativos samis, os “índios” da Escandinávia, chamados de ratos
lapões mais de uma vez. Os samis, por sua vez, guardam rancor histórico do
invasor loiro, que tomou suas terras e sequer o considera como cidadão sueco.
Sobrepostos ao cenário deslumbrante da natureza nórdica, gente da Suécia sem
dente e vivendo em muquifos.
Midnight Sun abre com um dos assassinatos mais
espetacularmente criativos que já vi – e olha que vejo inúmeros! Como o defunto
é francês, a detetive Kahina Zadi vem da cosmopolita Paris pra insular e nanica
Kiruna, onde trabalhará com o simpático Anders Harnesk. Ambos estão em regiões
étnicas fronteiriças: Kahina tem ascendência argelina e Anders é parte sami.
Embora muito viciante, inverossímil e tresloucada – o
último capítulo termina com um massacre – Midnight Sun só é consumo e diversão,
não espere a alta qualidade “artística” do Nordic Noir; é roteiro de quem
descobriu que marca dá dinheiro e foi atrás aproveitar.
Estetizando a violência no último – repare a beleza das
gotas de sangue caindo em câmera lente sobre superfícies aquosas prateadas – MS
não se envergonha de usar clichês surrados, como atribuir sabedoria mística aos
nativos samis. Alguns falam com aquele jeito cifrado de quem sabe tudo e
possuem certos poderes místicos (então, porque perderam tudo e vivem numa
miséria desgraçada?).
Como todo policial contemporâneo que se preze tem que ter
demônios pessoais que fazem o espectador imaginar como o Recursos Humanos da
polícia deixou passar, o par de MS também os tem. Acontece que nada servem à
trama, na verdade, só a atrasam, Dava pra ser meia dúzia de capítulos
tranquilamente.
Em resumo, Midnight Sun acerta no atacado, mas no varejo
tem muitas imperfeições. Não admira que o The Guardian tenha usado a série como
exemplo pra declarar o óbito do Nordic Noir. Mas, é exagero, dá pra se divertir
de boa.
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