terça-feira, 16 de julho de 2019

TELINHA QUENTE 369


Roberto Rillo Bíscaro

Mesmo que o The Guardian tenha decretado a morte do Scandi Noir – in agora é curtir coisa belga ou israelense – os países nórdicos seguem exportando cada vez mais sua TV e ainda criam tendências.
Em 2011, a fenomenal Bron/Broen apresentou trabalho conjunto de policiais da Suécia e Dinamarca. Sem contar as diversas releituras, a série deflagrou séries de trabalhos colaborativos, como The Team (tá estocada, mas a fila é longa demais!) e a aguada Crossing Lines (tem na Netflix; não tive saco pra ver muitos episódios).
Em 2016, TVs da Suécia e França uniram forças pros 8 amalucados capítulos de Midnattssol, internacionalmente conhecida como Midnight Sun, por se passar no extremo norte sueco, fronteira com a Finlândia, onde, no verão, o sol não se põe durante semanas. Não é só no deserto que se consegue enjoar de tanta luminosidade; mesmo sobre gente encapotada, a perene luz castiga em alguns momentos.
Se Blue Eyes apresentou Suécia fascistoide, com mulher levando bofetada do macho, Midnight Sun (MS) nos leva à Lapônia sueca, onde a idealizada política de integração social não abranda o preconceito do sueco viking pelos nativos samis, os “índios” da Escandinávia, chamados de ratos lapões mais de uma vez. Os samis, por sua vez, guardam rancor histórico do invasor loiro, que tomou suas terras e sequer o considera como cidadão sueco. Sobrepostos ao cenário deslumbrante da natureza nórdica, gente da Suécia sem dente e vivendo em muquifos.
Midnight Sun abre com um dos assassinatos mais espetacularmente criativos que já vi – e olha que vejo inúmeros! Como o defunto é francês, a detetive Kahina Zadi vem da cosmopolita Paris pra insular e nanica Kiruna, onde trabalhará com o simpático Anders Harnesk. Ambos estão em regiões étnicas fronteiriças: Kahina tem ascendência argelina e Anders é parte sami.
Embora muito viciante, inverossímil e tresloucada – o último capítulo termina com um massacre – Midnight Sun só é consumo e diversão, não espere a alta qualidade “artística” do Nordic Noir; é roteiro de quem descobriu que marca dá dinheiro e foi atrás aproveitar.
Estetizando a violência no último – repare a beleza das gotas de sangue caindo em câmera lente sobre superfícies aquosas prateadas – MS não se envergonha de usar clichês surrados, como atribuir sabedoria mística aos nativos samis. Alguns falam com aquele jeito cifrado de quem sabe tudo e possuem certos poderes místicos (então, porque perderam tudo e vivem numa miséria desgraçada?).
Como todo policial contemporâneo que se preze tem que ter demônios pessoais que fazem o espectador imaginar como o Recursos Humanos da polícia deixou passar, o par de MS também os tem. Acontece que nada servem à trama, na verdade, só a atrasam, Dava pra ser meia dúzia de capítulos tranquilamente.
Em resumo, Midnight Sun acerta no atacado, mas no varejo tem muitas imperfeições. Não admira que o The Guardian tenha usado a série como exemplo pra declarar o óbito do Nordic Noir. Mas, é exagero, dá pra se divertir de boa.

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