Se as mirabolantes tramas Nordic Noir glamurizam e, de
certo modo, anulam os problemas sociais escandinavos, mediante exageros
fetichistas, algumas produções suecas têm esborrifado sal em feridas do
bem-estar social nórdico. Racismo, ascensão da extrema-direita, falhas no
propalado programa de integração étnica, isso e mais têm sido tematizado em
ótimos shows, como Blå ögon e Midnattssol.
A meia dúzia de capítulos de Areia Movediça (2019) adota
perspectiva bem mais psicologicamente perscrutadora, mas também indica que não
é só no reino da Dinamarca que há algo apodrecido. Além disso, é mais
acessível, porque pertence ao catálogo da Netfliix, inclusive com dublagem.
Meio na estrutura da temporada primeira de The Sinner, Störst
av allt, desvenda através de flashbacks, um massacre ocorrido em escola de
bairro elitista de Estocolmo. De início, ouvimos tiros por detrás de porta
cerrada, que, logo percebemos tratar-se de sala de aula. A jovem Maja parece
ser a única vítima sobrevivente, mas o estatuto de vítima passa ao de perpetradora
em um átimo. Acontece que em Areia Movediça ninguém é apenas culpado ou
inocente.
Maja é suequinha privilegiada, que, felizmente, não tem
os dentes artificiais de suas congêneres ianques. Ótima aluna, irmã dedicada,
filhota de ouro, Maja começa a namorar o algo careca Sebastian. Sonho de
consumo pra quaisquer pais, o jovem leva Maja pra passear no iate do pai, no
Mediterrâneo, onde o abastado Claes diz à adolescente, que agora ele tinha
esperança de que Sebastian tomasse juízo. Aos poucos, nos damos conta da
toxicidade do bad boy Sebastian, que engole Maja em seu redemoinho de drogas,
autopiedade e ódio.
Como Maja não se recorda direito do que aconteceu nos
momentos preliminares ao tiroteio, os capítulos intercalam cenas do presente –
interrogatórios, reconstituição do atentado, julgamento – com o desenvolvimento
do relacionamento Maja-Sebastian e sua imbricação com algumas outras
personagens, especialmente Amanda e Samir, o filho de imigrantes, que vive num
apartamento bem distinto à opulência de seus colegas de classe média-alta/alta,
cheios de problemas. Claro que o foco é Maja e Sebastian, mas uma explosão
fascista deste, indica a barra que Samir também enfrenta (mas nosso dó é
direcionado mais aos suecos branquinhos...).
Insegura pela idade,
pressionada pelos pares, com dó de Sebastian, Maja não consegue escapar da
letalidade do relacionamento. Areia Movediça alerta que bondade demais não
compensa: se afeta sua vida, deixa o outro se estrepar sozinho, afinal, você
tentou. Mas, escrever isso da distância fria de uma telinha de notebook, sem
estar vivendo a situação, é bem fácil. E é isso que pede a minissérie: empatia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário