terça-feira, 23 de julho de 2019

TELINHA QUENTE 370


Roberto Rillo Bíscaro

Se as mirabolantes tramas Nordic Noir glamurizam e, de certo modo, anulam os problemas sociais escandinavos, mediante exageros fetichistas, algumas produções suecas têm esborrifado sal em feridas do bem-estar social nórdico. Racismo, ascensão da extrema-direita, falhas no propalado programa de integração étnica, isso e mais têm sido tematizado em ótimos shows, como Blå ögon e Midnattssol.

A meia dúzia de capítulos de Areia Movediça (2019) adota perspectiva bem mais psicologicamente perscrutadora, mas também indica que não é só no reino da Dinamarca que há algo apodrecido. Além disso, é mais acessível, porque pertence ao catálogo da Netfliix, inclusive com dublagem.

Meio na estrutura da temporada primeira de The Sinner, Störst av allt, desvenda através de flashbacks, um massacre ocorrido em escola de bairro elitista de Estocolmo. De início, ouvimos tiros por detrás de porta cerrada, que, logo percebemos tratar-se de sala de aula. A jovem Maja parece ser a única vítima sobrevivente, mas o estatuto de vítima passa ao de perpetradora em um átimo. Acontece que em Areia Movediça ninguém é apenas culpado ou inocente.

Maja é suequinha privilegiada, que, felizmente, não tem os dentes artificiais de suas congêneres ianques. Ótima aluna, irmã dedicada, filhota de ouro, Maja começa a namorar o algo careca Sebastian. Sonho de consumo pra quaisquer pais, o jovem leva Maja pra passear no iate do pai, no Mediterrâneo, onde o abastado Claes diz à adolescente, que agora ele tinha esperança de que Sebastian tomasse juízo. Aos poucos, nos damos conta da toxicidade do bad boy Sebastian, que engole Maja em seu redemoinho de drogas, autopiedade e ódio.

Como Maja não se recorda direito do que aconteceu nos momentos preliminares ao tiroteio, os capítulos intercalam cenas do presente – interrogatórios, reconstituição do atentado, julgamento – com o desenvolvimento do relacionamento Maja-Sebastian e sua imbricação com algumas outras personagens, especialmente Amanda e Samir, o filho de imigrantes, que vive num apartamento bem distinto à opulência de seus colegas de classe média-alta/alta, cheios de problemas. Claro que o foco é Maja e Sebastian, mas uma explosão fascista deste, indica a barra que Samir também enfrenta (mas nosso dó é direcionado mais aos suecos branquinhos...).

Insegura pela idade, pressionada pelos pares, com dó de Sebastian, Maja não consegue escapar da letalidade do relacionamento. Areia Movediça alerta que bondade demais não compensa: se afeta sua vida, deixa o outro se estrepar sozinho, afinal, você tentou. Mas, escrever isso da distância fria de uma telinha de notebook, sem estar vivendo a situação, é bem fácil. E é isso que pede a minissérie: empatia.

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