PAPAI BOLSONARO: AMOR E DESPOTISMO.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Para mim, juntamente com o “dia das mães” e “dos professores”, a celebração do “dia dos pais” é das mais comoventes, mais mesmo que o Natal, Páscoa ou meu próprio aniversário. E no embalo desta oportunidade próxima, me engalo todo para receber as homenagens cabíveis: exijo festa familiar, presentes, discursos, tudo enfim que o estatuto paterno confere. Em meu dicionário sentimental, a condição de genitor se deixa superar pela união da prole, pelos beijos, afetos explícitos, com direitos a abraços fartos. Pois bem, nesta ciranda introdutória devo render tributos a todos os pais do mundo. A todos. A todos, inclusive ao pai presidente/ ex-capitão Bolsonaro que, aliás, se tornou pai mesmo antes de sua eliminação das fileiras militares onde tentou, em protesto contra salários baixos “explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (...) e em vários quartéis”, com cuidado para que não houvesse feridos”, segundo registro absolutamente confiável. (http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivos/DHBBBiblioGeral.pdf). Mas vou mais longe, reconheço nele um mérito exponencial: ser pai de capricho desmedido e, desbragadamente, sem limite algum, assumir os filhos, colocando em dúvida o próprio lema patrioteiro “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A propósito, baseado nesta equação delirante e até herege - que anula a onipresença de Deus e determina-lhe novo lugar “acima de todos” - me imponho uma pergunta que não sabe calar e que clama resposta: onde ficariam os filhos? Juntos e misturados no “Brasil acima de tudo”, ou fora, apenas levemente abaixo “de Deus acima de todos”? “De todos?”. Elipses.
Qualquer resposta a esse questionamento meio barroco teria que levar em conta o currículo progênie do presidente (ups, quase escrevi “do rei”, pensando no esquema dinástico). Fruto de três relacionamentos consequentes, o ex-capitão, que se orgulha de não precisar de aditivo, gerou três filhos do primeiro caso (01, 02, 03); um do segundo (04), e por fim, na comentada “fraquejada”, produziu uma filha (inumerada). A primeira das esposas foi dona Rogéria Nantes Nunes Braga que, além de companheira, contou com a ajuda do consorte para se eleger vereadora no Rio de Janeiro, em 1992. De acordo com a próxima consorte, Ana Cristina Valle, o amor à primeira vista foi lance fulminante que ocorreu “um pouquinho antes de ele se separar e eu me separar de meu marido”. Divorciado da primeira, então Bolsonaro partiu para uma segunda investida paternal, e sob o protocolo de “união estável”, que durou dez anos, nasceu Jair Renan. No ano de 2007, Bolsonaro se enamorou da atual esposa Michele de Paula Firmo Reinaldo, com quem se comprometeu casar nove dias após o primeiro contato. Incendiado de amor, dois meses depois firmaram compromisso civil, e, em 2013, finalmente, sob as bênçãos do obtuso pastor Silas Malafaia, foi celebrado o ato religioso que legitima a completude da prole, com a filha Laura. Total: quatro homens e, vacilo, a tal “fraquejada”.
Mas não pensem que apesar de declarações ácidas e depois desmentidas pela esposa do meio - sobre o assombroso furto de joias - as relações familiares fugiram do padrão patriarcal do “rei” eleito com mais de 57 milhões de votos. A mesma Ana Cristina, esteve listada entre os beneficiários com cargos no gabinete do filho mais novo, vereador no Rio de Janeiro, Carlos (Carluxo para os íntimos, 03 para o pai). E não pensem que foi só ela, o filho Jair Renan também figura numa constelação ampliada por mais nove felizardos, todos parentes da ex-futura-primeira dama. Em favor das relações pacíficas entre ex-madrasta e enteado edil, ressalte-se o comando do bom senhor Bolsonaro que nega, com veemência, qualquer nepotismo. Nepotismo, imagine!... Que tal despotismo?! Como se não bastasse, tem mais: a soma de nove parentes ainda foi completada por outros três aparentados agora denunciados, todos. A favor da justiça, diga-se, a parentada está envolvida no inquérito sobre o enriquecimento do desaparecido amigo Queiroz. Não sejamos, contudo, prematuramente taxativos, pois a consagração do presidencial amor familiar vai ser absoluto se o extremoso pai conseguir coroar “acima de tudo” o filho do meio, Eduardo, escolhido embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Aí...
Minha admiração ao presidente pai, creiam, vibra mais ainda quando levo em consideração as consequências que o esmerado senhor tem frente às opiniões de seus filhos mais famosos, os do primeiro casamento. Mesmo calamitosos em suas afirmações - seja sobre como fechar o Congresso, fazer sanduiches no estado do Maine como credencial diplomática, defender a pena de morte, abater a Amazônia, ser antifeminista, ou disparar agressões odiosas por fake news - cabe destaque a assunção pública e verbal desse amor incontido. Consideremos, como síntese analítica de todo esse fervor a frase pétrea “se eu puder dar o filé mignon para o meu filho, eu dou”. E tem dado mesmo, como tem distribuído para o público em geral cachos de bananas e bananadas polvilhadas com pó de normas éticas, direitos constitucionais e humanos. Tudo pelo bem do Brasil, claro.
Mas por falar em dia dos pais, fritar hambúrguer e filé mignon, fico me perguntando se vai haver churrasco no dia dos pais palaciano. E minha questão tem sim fundamento, pois ampliando o currículo do Eduardo (02), o presidente disse que, além de fritador de hambúrgueres, o filho candidato a chanceler também entregava pizza. Por mais esta credencial, fico supondo alternativa: se lhe for negada a ida a Washington DC, o amor paternal considerará a Itália como novo destino? Itália, pizza... E intrigado me pergunto sobre o que a família brasileira tem aprendido como tanto exemplo de amor paternal? Nepotismo é menor que despotismo? Será? Enfim, bom dia dos pais àqueles que sabem dos limites da paternidade sadia e exercitam o amor como amor, sem desmandos.