quarta-feira, 28 de agosto de 2019

CONTANDO A VIDA 280

NOTÍCIAS DE UM OUTRO CAPITÃO... 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Como grande parte do país, estou exausto. E nem é pelo excesso de trabalho ou preocupações corriqueiras. O motivo que me assola remete ao frenesi político. Falas raivosas, bélicas, cheias de imagens agressivas e até escatológicas comprovam o que se esperava: o Brasil perdeu a alegria, deixou escorrer o frescor que, mesmo estereotipado, nos dava a impressão de maior leveza, de sermos livres e soltos. Sinto falta da banalidade dos dias comuns em que temas quase inconsequentes tinham lugares garantidos nos jornais, noticiários e conversas. Éramos felizes e não sabíamos. De uns tempos para cá, a consciência das mudanças retraçadas por medidas nada populares tem nos possuído, roubando sorrisos, alegrias e esvaziando os espaços públicos antes muito mais frequentados. Tudo anda muito triste... E, parece, não vai melhorar tão cedo. Permito-me declinar fatos, nomear situações esdruxulas, constatar perdas inidentificáveis a olhos nus. 

Reparam como não mais falamos de futilidades, das tolas personalidades instantâneas; não sondamos situações artísticas e até o aguerrido debate cotidiano sobre o futebol perdeu viso? As contendas sobre educação, escolas, direito de inclusão acadêmica, tudo se esfarinhou e o mesmo ecoa na saúde, nos transportes e no declínio cada vez maior das situações de emprego. Estas constatações, contudo, me convidaram a pensar nos novos rumos dados à velha esperança. Porque, ainda garanto que será a última a morrer, valho-me desta certeza para voltar às coisas simples, ao lado invisível da vida degrada, aos gestos singulares. Nesta senda, aliás, ando à caça de atitudes miúdas, dessas capazes de lembrar nossa condição humana. Devo dizer que isto não é um exercício muito fácil, mas funciona no ritmo da paciência. Deixe-me exemplificar a fim de garantir entendimento. O número de moradores de rua tem aumentado de maneira alarmante. No Rio de Janeiro, onde moro, por exemplo, sabe-se que tal montante cresceu em dois anos de 8 para 21 mil, e isso rende créditos a fatores estranhos à nossa antes decantada pacatez. A existência e predomínio crescente das milícias nas comunidades, por exemplo, tem contribuído, além da pobreza, para que pessoas pobres deixem suas casas e optem pelas ruas. Com miliciano não se brinca e o controle das movimentações se dá em pagamentos compulsórios de pedágios, em compras de gás e outros “benefícios”. Isso tudo, além das ameaças sempre próximas de efetivação. 

A observação do constrangedor fenômeno desses moradores de ruas, porém, carrega com a crítica um lado afetivo que força notar outro lado da crueldade, a fidelidade dos cães aos seus donos. Chega a ser comovente o carinho expresso por olhares, zelo, reserva de afeto que transita entre os donos e seus bichos inseparáveis. É lindo. É emocionante. É desafiador... Em conversa com meus botões, tenho buscado compreender os liames que ligam os pobres e seus cães, pois não deve ser fácil a vigilância deles. Já vi alguns donos deixando de comer seu alimento para antes nutrir seus companheiros animais. Notei também algumas pessoas repartindo cobertas com os bichos, e multiplicando afagos, sorrisos e carinhos. 

Um caso recente, ocorrido na quarta-feira dia 7 de agosto último, chamou a atenção geral, chegando a díspar o cipoal de más notícias políticas. O fato remetia exatamente a amizade entre um morador de rua de nome Édson e seu cachorro conhecido como Capitão. E tudo se deu na mais movimentada via de trânsito da zona sul carioca, na Nossa Senhora de Copacabana. Pois bem, a dupla dormia sob a marquise de um prédio quando um morador passeava com seu pitbull que, irado, partiu para o ataque ao pobre. Para defendê-lo, Capitão se prontificou a ser violentamente agredido pelo rival canino. O cachorro do pobre ficou muito ferido e se perdeu pelas ruas da cercania. Édson, desesperado, se pôs a procurar e, ajudado pela população que o conhecia, por fim o encontrou moribundo. Num gesto de reconhecimento da situação, alguns cidadãos resolveram ajudar e o Capitão foi levado a uma clínica onde está em recuperação. 

Talvez este episódio pudesse passar em branco em outro momento, mas agora, exatamente neste instante, se revela simpático e merece destaque amplo. Aliás, o destaque vale também pelo nome do cão, Capitão...

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