terça-feira, 13 de agosto de 2019

TELINHA QUENTE 372


Roberto Rillo Bíscaro

(em memória a David Hedison, o Capitão Krane, falecido dia 18 de julho)

Quando pequenino, na primeira metade da década de 1970, havia dois Nelsons que adorava: o Major Nelson, de Jeannie É Um Gênio e o Almirante Nelson, de Viagem Ao Fundo do Mar. Da primeira série, impossível ter medo, mas as aventuras do submarino Seaview, às vezes, assustavam o menino de seis, sete, oito anos, grudado na TV branco e preto, na então, mais garoenta São Paulo. Cheguei a pensar que a pessoa se transformava em esqueleto assim que morria, devido a um episódio apenas. Como é forte o poder dessas produções na psique infantil. Revendo os 110 episódios, notei que se tratou de cena que dura poucos segundos, em uma história, imagine!
Exibida pela ABC, entre 1964-68, Viagem ao Fundo do Mar (VAFDM) foi sugerida pelo produtor Irwin Allen para aproveitar os cenários e sucesso do filme de 1961. Exceto por um par de coadjuvantes, todo o elenco foi renovado e as mulheres eliminadas. Hoje, que há representatividade pra tudo quanto é grupo nas telinhas, deve ficar difícil imaginar uma série que ficou temporada inteira sem nenhuma mulher. Afrodescendentes nem comento, porque na época os papeis eram raros e subalternos mesmo, sem chance.
A força Aérea teve bem mais destaque nos anos 50, afinal, bombardeios, piruetas esfumaçadas e a possibilidade duma invasão alienígena são muito mais apetecíveis pra criar cenários fantásticos. No final da década, porém, os submarinos atômicos começaram a compartilhar espaço no imaginário popular.
Em 1958, o USS Nautiilus – primeiro submarino nuclear – cruzou o Polo Norte por baixo d´água. Com seu nome de ficção-científica verniana e em pleno contexto da histeria da Guerra Fria, o fundo do mar passou a ser fronteira quase tão enigmática, quanto o espaço sideral. Submarinos podiam, afinal, deslocar-se por todo o globo, carregando arsenal atômico difícil de ser detectado. O perigo estava em todo lugar e nenhum ao mesmo tempo, porque o cidadão comum podia perceber aeronaves, mas não aquelas maravilhas da engenharia naval.
Lento e pobre demais pra público criado na TV contemporânea, VAFDM é um espetáculo de comportamento passivo-agressivo entre os machos à bordo e passou por mudanças pra manter a audiência. O que começou como show em preto e branco com referências explícitas a uma nação inimiga chamada República Popular, ensaiou metamorfose James Bond na segunda temporada, antes de se firmar no formato “monstro da semana”, que séries como Quinta Dimensão tanto evitaram (e por isso são assistíveis até hoje).
Desse modo, é um tal de homem-isso, homem-aquilo, com aquelas roupas que dá pra ver o zíper direitinho, que os meninos e meninas de hoje, com razão, zombariam, isso se aguentassem assistir até que aparecessem. Não se trata de detonar minha memória de infância, mas de reconhecer que VAFDM ficou pra trás e é assim mesmo que tem de ser. Nem eu tinha muita paciência pra tanto trololó e pobreza de produção e, várias vezes, brinquei no celular, enquanto apenas ouvia. No episódio que tinha o Homem-Fogo, este era simplesmente uma chama com voz sobreposta! No começo até dá pra rir, mas cinco minutos depois...
Fumando desesperadamente dentro da claustrofobia dum submarino, VAFDM corre o risco de parecer tão alienígena às audiências atuais, como os seres que lá apareciam. Em plena Guerra-Fria, o Almirante Nelson e o Capitão Crane destruíram tantas ilhas e criaturas usando misseis nucleares, que o oceano pós-Seaview certamente serve de berço pra mais mutações do que as encontradas em 4 temporadas.
Não adianta chororô de velho dizendo que não se faz mais série boa; que a molecada não sabe mais o que é bom. Por mais reconfortante que seja o perene som do sonar para nossas recordações infantis, Viagem ao Fundo do Mar só funciona pra nós 50tões em diante.

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