Roberto Rillo Bíscaro
(em memória a David Hedison, o Capitão Krane, falecido
dia 18 de julho)
Quando pequenino, na primeira metade da década de 1970,
havia dois Nelsons que adorava: o Major Nelson, de Jeannie É Um Gênio e o
Almirante Nelson, de Viagem Ao Fundo do Mar. Da primeira série, impossível ter
medo, mas as aventuras do submarino Seaview, às vezes, assustavam o menino de
seis, sete, oito anos, grudado na TV branco e preto, na então, mais garoenta
São Paulo. Cheguei a pensar que a pessoa se transformava em esqueleto assim que
morria, devido a um episódio apenas. Como é forte o poder dessas produções na
psique infantil. Revendo os 110 episódios, notei que se tratou de cena que dura
poucos segundos, em uma história, imagine!
Exibida pela ABC, entre 1964-68, Viagem ao Fundo do Mar
(VAFDM) foi sugerida pelo produtor Irwin Allen para aproveitar os cenários e
sucesso do filme de 1961. Exceto por um par de coadjuvantes, todo o elenco foi
renovado e as mulheres eliminadas. Hoje, que há representatividade pra tudo
quanto é grupo nas telinhas, deve ficar difícil imaginar uma série que ficou
temporada inteira sem nenhuma mulher. Afrodescendentes nem comento, porque na
época os papeis eram raros e subalternos mesmo, sem chance.
A força Aérea teve bem mais destaque nos anos 50, afinal,
bombardeios, piruetas esfumaçadas e a possibilidade duma invasão alienígena são
muito mais apetecíveis pra criar cenários fantásticos. No final da década,
porém, os submarinos atômicos começaram a compartilhar espaço no imaginário
popular.
Em 1958, o USS Nautiilus – primeiro submarino nuclear – cruzou
o Polo Norte por baixo d´água. Com seu nome de ficção-científica verniana e em
pleno contexto da histeria da Guerra Fria, o fundo do mar passou a ser
fronteira quase tão enigmática, quanto o espaço sideral. Submarinos podiam,
afinal, deslocar-se por todo o globo, carregando arsenal atômico difícil de ser
detectado. O perigo estava em todo lugar e nenhum ao mesmo tempo, porque o
cidadão comum podia perceber aeronaves, mas não aquelas maravilhas da
engenharia naval.
Lento e pobre demais pra público criado na TV
contemporânea, VAFDM é um espetáculo de comportamento passivo-agressivo entre
os machos à bordo e passou por mudanças pra manter a audiência. O que começou
como show em preto e branco com referências explícitas a uma nação inimiga
chamada República Popular, ensaiou metamorfose James Bond na segunda temporada,
antes de se firmar no formato “monstro da semana”, que séries como Quinta Dimensão tanto evitaram (e por isso são assistíveis até hoje).
Desse modo, é um tal de homem-isso, homem-aquilo, com
aquelas roupas que dá pra ver o zíper direitinho, que os meninos e meninas de
hoje, com razão, zombariam, isso se aguentassem assistir até que aparecessem.
Não se trata de detonar minha memória de infância, mas de reconhecer que VAFDM
ficou pra trás e é assim mesmo que tem de ser. Nem eu tinha muita paciência pra
tanto trololó e pobreza de produção e, várias vezes, brinquei no celular,
enquanto apenas ouvia. No episódio que tinha o Homem-Fogo, este era
simplesmente uma chama com voz sobreposta! No começo até dá pra rir, mas cinco
minutos depois...
Fumando desesperadamente dentro da claustrofobia dum
submarino, VAFDM corre o risco de parecer tão alienígena às audiências atuais,
como os seres que lá apareciam. Em plena Guerra-Fria, o Almirante Nelson e o
Capitão Crane destruíram tantas ilhas e criaturas usando misseis nucleares, que
o oceano pós-Seaview certamente serve de berço pra mais mutações do que as
encontradas em 4 temporadas.
Não adianta chororô de velho dizendo que não se faz mais
série boa; que a molecada não sabe mais o que é bom. Por mais reconfortante que
seja o perene som do sonar para nossas recordações infantis, Viagem ao Fundo do
Mar só funciona pra nós 50tões em diante.
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