COLONIALIDADE LATINO AMERICANA: nós brasileiros como os europeus.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Não é fácil ser brasileiro hoje. Nunca foi, aliás, mas parece que agora o coro de doídos potencializados pelas redes sociais transformou o país – e o continente – em imenso manicômio. Sim, alastrou-se uma tara que dá rosto aos dois lados da moeda que lastreia a desgraça nacional e barateia tudo. Nem mais sequer encontramos alienados ou alheios: todos têm posições “certas”, somos todos engajados, temos preferências extremadas, e é notável que os critérios de escolhas se digam ligados ao mais puro amor ao torrão natal. E reponta assim um nacionalismo patrioteiro mais próximo da burrice do que da fronteira do bom senso mediano. A defesa do econômico se agiganta projetando o aumento de empregos e a valorização da moeda como fatores capitais, únicos, redentores do progresso material. Infelizmente, não há mais como olhar do lado sem se questionar do posicionamento do próximo mais próximo, e o resultado é um silêncio ensurdecedor. Ficamos quietos, pois meras referências podem ser declaração de rompimentos. Melhor ligar o aparelho celular e ver as últimas...
Triste, né? Pois nesta ciranda, rolou a espontaneidade, a tolice contida nas abobrinhas contadas à guisa de contato, as conversas fiadas, brincadeiras trocadas. O bom mocismo, a cordialidade, a graça matreira do jeitinho, as piadas prontas, tudo virou resíduo. Somos hoje um país triste, amargado pela desesperança, machucado pela infelicidade política. E haja liberação de armas, proteção às milícias, dia do fogo, impunidade para os amigos poderosos, cara feia de políticos ameaçadores, redução de direitos, massacre de minorias. Destruição é a palavra feia que marca o mau hálito do convívio e nos faz virar o rosto para o saudoso bate-papo, para a provocação que levava ao barzinho, para um mi-mi-mi tolo, mas interativo. Há, pelo avesso, escondido no futuro da incompreensão histórica, algo pior ainda, o destrato do vernáculo combinado com a ignorância histórica.
O fulo, o vernáculo errado crônico, os verbos entortados, a falta de elegância que violenta a liturgia dos cargos, enfim, um composto trágico-cômico que nos esfola e nos faz menor quando os argumentos (ou a falta deles) integra os confrontos multiplicados pelas benesses da eletrônica. Estamos perdendo o tamanho e somos assombreados por fake news. Encolhemos. No processo dessa nossa retração perdemos a humanidade. Mas é evidente que isto não acontece de repente, e sem nexos causais. Não. Há uma arquitetura ordenando o desmonte de nossos inocentes estereótipos que, afinal, por sutis e disfarçados que eram nos faziam bem. A realidade atual, como se nos arrancassem a fantasia na quarta-feira, acabou com o alegre carnaval da nossa cultura urbana e tão graciosamente montada em cima de uma democracia racial. Acordamos para o abismo...
Mas há ainda algo pior acontecendo. Enquanto nos bastávamos como brasileiros cordiais, na pacatez do tal país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, no subsolo do decantado gigante pela própria natureza, gestava-se um monstro vingativo que não queria mais ser filho do colonizador histórico europeu, e que bradando sua independência política, social, moral e ética, nada mais fez do que reproduzir exatamente os valores dos representantes do “velho mundo”. Foi assim que, na modernização de uma industrialização servil e globalizada, se constituiu uma classe média branca, isolada de ramificações sociais indígenas e negras e desprezadoras dos segmentos amulatados que somos. Ímpia, proprietária, arrogante e dona da verdade, a classe média quando ameaçada por possíveis “outros” se arrepiou e cavou trincheiras. No máximo, e tão somente os novos contingentes estrangeiros, os imigrantes e sua prole – brancos é evidente – foram incorporados, mas não sem antes terem capital para integrar nossa elite de arremedo. E que grupo dominante formou-se no que de mais estranho a história da América Latina produziu! Excludente, isolador, vingativo, incapaz de promover o progresso de segmentos eternizados como subalternos, julgando-se cidadãos melhores que os outros, este grupo soube atravessar séculos escravizando negros, massacrando índios, reprimindo quem não coubesse na tarja cunhada pelo domínio.
Aprendeu-se direitinho o jeito colonizador de ser. Talvez até melhor do que as lições dadas pelos legítimos conquistadores, os “colonializados” se apossaram de tudo e mesmo sendo pouco, se assoberbam declarando-se arautos do país. O conjunto de fatores que alimenta esta empáfia, por ironia que seja, é detectada por uma mínima parcela da intelectuais latino-americanos, em particular de grupos que aprendem com diagnosticadores como Quijano, Durssel, Mignolo, Lander, entre outros latino-americanistas que não olham no Espelho do Própero. Este grupo apresenta uma versão que merece ser considerada agora mais do que nunca e com base nas propostas deles convida-se a estudar um pouco. Como sugestão segue uma pequena sequência de artigos sobre “colonialidade”. Que os cidadãos de boa vontade vejam e divulguem.
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês
Tenho vinte e cinco anos
De sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues
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