quarta-feira, 9 de outubro de 2019

CONTANDO A VIDA 285

SER PROFESSOR NO BRASIL EM TEMPO DE CÓLERA.
J
osé Carlos Sebe Bom Meihy 

Fiquei curioso: qual a origem do dia dos professores? Foi fácil achar a resposta no Google e assim aprendi que existe até um livro publicado pela UNESCO sobre a data (“World Teachers' Day”). Senti-me mais importante, pois pensava que isto seria coisa de brasileiro que inventa data para tudo. Imagine que dia desses achei indicação de que há homenageados todos os dias do ano, e que no mês de outubro, além dos professores existem também algumas referências bem exóticas como: dia nacional do vereador (1), do representante comercial (10), do guarda noturno (19). Há, é claro, destaques mais conhecidos como: dia do dentista (3), do engenheiro agrônomo (12), dia do médico (18) e até dia da dona de casa (31). Desde logo, sem exceção, parabéns a todos, mas com ênfase quero falar do dia dos mestres. 

Aprendi que há um calendário diferente para cada país, pois a aceitação das figuras docentes difere muito de cultura para cultura. Os critérios gerais para a celebração variam, uns optam por natalícios de professores notáveis, outros escolhem segundo a estação do ano. Sempre na primavera – e há requintes como na Coréia do Sul que comemora no dia 15 de maio quando começam a florir os cravos vermelhos. De um modo geral, porém, o 5 de outubro é conhecido, desde 1994, como o dia internacional dos professores pela UNESCO. O Brasil variou. A efeméride foi estabelecida oficialmente sob o governo de João Goulart em 1963. Desde então a data foi oficializada pelo decreto federal nº 52.682, com validade para todo território nacional. Diz o texto em seu art. 3º, “para comemorar condignamente o dia do professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo delas participar os alunos e as famílias”. A origem, porém, é remota, e se deve ao fato de, na data de 15 de outubro de 1827, o imperador D. Pedro I ter instituído um decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil, com a instituição das escolas de primeiras letras em todos os vilarejos e cidades do país. O mais notável, porém, é que já ficavam estabelecidas as condições trabalhistas dos professores. 

O tempo passando, as coisas mudam com velocidade assombrosa. No correr dos fatos, porém, repontam questões que precisam de ângulos históricos para explicar o ponto trágico em que chegamos no terreno educacional. Nosso processo de formação foi bem distinto do resto dos países colonizados. No caso da América espanhola, desde logo algumas universidades foram fundadas e já em 1551, em Lima no Peru, a Universidade Nacional de São Marcos figurava como pioneira. A ela seguiram-se, na Nova Espanha, outras que combinavam apoio do estado e zelo eclesial. No Brasil, deu-se algo diferente, não apenas pela vastidão territorial, mas sobretudo pelo conceito de colônia agrícola. Apenas com a vinda da família real, em 1808, surgiram as Faculdades de Cirurgia da Bahia e de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1827, fundaram-se as Faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo e em seguida, em Ouro Preto inauguram-se duas instituições, a Faculdade de Farmácia (1839) e Escola de Minas (1876). No final do século XIX, surgiram mais cinco instituições no país: Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro (1891); Faculdade de Direito de Belo Horizonte (1892); Escola Politécnica de São Paulo (1893); Escola de Engenharia Mackenzie de São Paulo (1896); Faculdade de Direito de Goiás (1898). 

O sucesso do nosso sistema universitário primeiro decorreu de avanços localizados, e em função da economia possibilitada pela borracha, surgiu a Escola Universitária Livre de Manaus (1909); em seguida despontou a Universidade Federal do Paraná (1912), que se justificava pelo surto de imigrantes estrangeiros que inflava a população daquele estado. Em seguida, a Universidade Federal do Rio de Janeiro espontou como resposta da Capital Federal (1920). Foi Vargas que, em 1930, unificou o comando das escolas sob o crivo do Ministério da Educação e Saúde Pública. Desde então, centralizou-se o processo de ensino que, no nível superior reconhece três ramos de exercícios: as unidades federais, estaduais e privadas (inclusive as confessionais). Em paralelo à orientação unificada pelo estado, um problema surgiu exigindo autonomia das decisões de gerência de cada unidade, pois o perfil acadêmico demandava governo próprio. No Brasil, pela Constituição Federal de 1988, no art. 207, estabeleceu-se que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica”. 

Foi graças ao ensino público e apoio de entidades privadas que superamos a fase de dependência dos avanços estrangeiros, colocando-nos em condição de diálogo. Crescemos muito e rapidamente, mesmo tendo passado pela ditadura militar que durou 21 anos. Prova disto é que temos oito universidades classificadas pelo World University Ranking entre as 50 melhores do mundo (a USP figura entre as 100 mais pontuadas). Este sucesso, contudo, está seriamente ameaçado. Como uma praga bíblica anunciada, eis que o atual governo infesta com o que pior existe o panorama escolar brasileiro em todos os níveis, traindo inclusive o que ele próprio erigia como prioridade em campanha. E onde situa-se o motor deste desmonte? Exatamente na ignorância combinada com o sequestro da autonomia universitária. A expressão disso é a privatização dos educandários, tidos como inoperantes. Com um Presidente que trata mal o vernáculo, sem domínio elementar de problemas, desaparelhado de conselheiros capazes, o que temos é uma ladainha de malditos, de frases agressivas e ferinas, e um sombreamento de religiões obscuras e moralistas. Resultado dimensionado por um Ministro coerente com a política: cortes de verbas, propostas de ensino militar nas escolas, revisão ideológica de conteúdos. Tempos de cólera. Vamos aceitar isso? Até quando?

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