quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

CONTANDO A VIDA 296

E O PRÊMIO VAI PARA: DAMARES OU WEINTRAUB

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Desde muito cedo aprendi que não devemos diminuir nossos opositores e que, pelo reverso, respeitá-los é maneira sadia de reconhecer a estatura de quem se faz contraste do que pensamos ou consideramos correto. Chamar o inimigo de burro, otário, besta quadrada, ignorante, ou quaisquer outras variantes é simples, ainda que pouco explicativo. Também é cautelar a lembrança dos riscos em conversas exclusivas, trocadas com pessoas afins, com grupos que comungam nossas idéias e pronto. Promover o diálogo, compartilhar comentários que se enquadrem nas molduras da democracia, é meta que deve orientar os cidadãos de boa vontade. É claro que não é fácil achar o desejado “ponto médio”, mas é importante mantê-lo no horizonte. Ponderação, nesses casos, é como canja de galinha, sempre recomendável por não fazer mal. Mas, as sandices estão por aí e por doídas que sejam, por serem exaradas por figuras públicas, se afiguram como ameaças aos cidadãos comuns. O desafio está no teor oculto na pândega e na procura de seus entendimentos, além da perplexidade. Lembremo-nos, atitudes assim podem até divertir, mas não resultam construtivas se esgotarem na constatação e nos recortes isolados. O problema ganha contornos críticos quando elas se naturalizam e não mais espantam. É quando então, num gesto de bom senso, se faz válido elencá-las como maneira de entender a balburdia verborrágica que assola o país. 

Em termos filosóficos e analíticos recomenda-se corrigir a velha divisão entre forma/conteúdo. Modernamente, ambos componentes são unos, um determinando o outro. Não é cabível pensar que há uma forma (que pode ser ridícula) independente de seu conteúdo (que pode ser sadio). É evidente que há deslizes pontuais, escorregões frequentes e que ocorrem por diversas razões, mas quando eles se juntam e dimensionam questões consequentes, em particular nas instâncias de poderes políticos, tais dizeres devem ser entendidos como propostas programáticas de efeitos graves. Tiremos, portanto os eventuais lapsos de fala, as roupas erradas (gravatas, cortes de cabelo, sapatos). Interessam mesmo, isto sim, as repetições da relação forma/conteúdo articulados, em particular quando estas se inscrevem em demandas que afetam causas nacionais. 

Isto tudo vale como preâmbulo para a consideração de um encontro entre dois personagens inacreditáveis do atual governo: Damares Alves (Direitos Humanos) e Abraham Weintraub (Educação), que juntos, dia 20 de novembro último, protagonizaram a materialização do que pode ser considerado um atentado político educacional. O “espetáculo” dado foi levado à público por ocasião do esforço governamental que visa criar um canal que viabilizasse pais de alunos que quiserem denunciar professores que ofendessem “a moral, a religião e a ética familiar”. É lógico que a proposta inspirada no Tribunal do Santo Ofício, vulgarmente conhecido como Inquisição, não tem consistência além de exceções que não chancelam o absurdo da regra generalizada. Porque a proposta da dupla ministerial não estabelece competências sobre quem controla o quê, onde e como, ela é falha. Mas a reunião de duas pastas é algo sério e aí sim vale a consideração sobre forma/conteúdo discursivos continuados. 

Convém lembrar que desde o momento de estreia (estreia é boa palavra para quem se especializou em dar shows de sandices), a Pastora Damares tem nos premiado com pérolas que já entraram na antologia anedótica. A “chave de ouro”, a que abriu todo repertório que, aliás tem notabilizado a atual equipe, pontificava que “meninos vestem azul, meninas vestem rosa”, e, no nível das equiparações, convém não esquecer que com a autoridade outorgada pela presidência, ela foi ungida por seus vínculos divinais, pois à soi disant Jesus reencarnou-se. e se fez presente em uma iluminação onde pairava sobre uma de goiabeira. Delírios a parte, a poderosa senhora afirmou, na linha de interferência na Educação, que na Holanda os professores ensinam que os meninos devem ser masturbados desde os sete anos de idade e que as meninas precisam ser manipuladas desde cedo para que tenham, na fase adulta, prazer na vida sexual. Mas passando do inacreditável para o consequente, a criativa pastora/ ministra afirma categoricamente que no nordeste do país dá-se distribuição escolar de “manuais de bruxaria” e, não bastasse, indicou a existência de hotéis fazenda onde turistas se valem de animais para transar. A soma destas falas convida a vê-las articuladas, e reveladoras de posturas ministeriais. Tudo é agravado – e muito – quando se perfila outro cabedal de barbaridades derivadas do ministro responsável pela Educação que, em resposta, numa “twitada”, declarou que a ofensa deferida a ele por uma adolescente devria ser proferida à mãe “égua sarnenta e desdentada”. A par de linguajar, digamos chulo, o mandatário declarou, frente a visita do presidente que “em Israel, o Jair Bolsonaro tem um monte de parcerias para trazer tecnologia aqui para o Brasil. Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociologia, fazendo filosofia no agreste fazer agronomia, em parceria com Israel”. Também deixemos os preconceitos pontuais e assinalemos a precariedade analítica de quem se propõe controlar a sala de aula, e vejamos, o que disse em relação a um mundialmente reconhecido educador: “se o Brasil tem uma filosofia de educação tão boa, Paulo Freire é uma unanimidade... Por que a gente tem resultados tão ruins comparativamente a outros países? A gente gasta em patamares do PIB igual aos países ricos”. Reduzindo os efeitos do ensino público, em particular das universidades o ministro declarou, nomeando três delas: “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. Repete-se que não é válido apenas salientar os deslizes que no caso do ocupante da pasta da Educação seria sério demais (os repetidos erros gramaticais, inclusive a troca de Kafka por kafta), mas o que pesa mesmo é pensar que tais personagens estão ditando regras que afetarão gerações. E por falar em controle, sem uma crítica coletiva, sem pensar nesses dizeres além das bobagens risíveis, onde está o nosso bom senso cidadão? Onde? Até quando vamos deixar esta gente nos controlar?

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