quarta-feira, 29 de julho de 2020

CONTANDO A VIDA 308

CARTA AOS MEUS BISNETOS. 

José Carlos Bom Meihy

Queridos 

Escrevo-lhes de um dia perdido no início do século XXI, mais precisamente em julho de 2020. O ano é numericamente exato e, na repetição de dois 20, 2020, sugere ilusão especular repetida. Erro dantesco querer alguma “outra vez”, pois este ano, ainda em curso pode ser considerado o pior da vida de muitos. Tudo segue muito intrincado, cheio de esquinas que prometem um futuro próximo trocado de promissor por arriscado, na melhor das hipóteses. É por isto que lhes escrevo, aliás. Quero deixar distinto meu testemunho e revelar um estado de espírito inquietado pelo medo, pela frustração e desalento. Gostaria anunciar um devir melhor, talvez uma saída depurada desta pandemia tão atroz que nos acomete, porém, faltam-me forças e sobram ameaças que abatem esperanças. Deixem-me começar por um fato matriz: imaginem que, devido a covid19, em pouco mais de 100 dias o número de mortos passa de 70 mil, e, estacionados em platô altíssimo, ainda esperamos o declínio estatístico. Por favor, considerem que escrevo sob a média de mil mortos a cada anoitecer, e assim esta carta se faz com um olho retrovisor e outro no agora, imaginando o tempo bisneto projetado numa ordem progressiva de triste matemática. 

A sotto voce, discute-se o fátuo refinamento passado o trauma avassalador. Ouvem-se, cá e lá, falas alvissareiras, predizendo um mundo melhor, mais fraterno, solidário, sábio por aplacar feridas tão expostas que, dizem, “vão passar”. Estamos no presente sangrando por um passado mal vivido, desgastado por exageros e desperdícios, explorações e abusos de toda ordem. Graças, principalmente, ao descuidado com o planeta que se exibe quase esgotado. Sem atenção à ordem natural das coisas, chegamos ao ponto da exaustão confinada em nós mesmos. Não estou otimista. Não consigo estar, desculpem-me, pois, as dores sociais são tão evidentes, as distâncias sócio econômicas tão extremadas entre miséria e riqueza, e a falta de compaixão para com atingidos diretamente só fazem somar fatalidades e apontar para o despenhadeiro que lhes entregamos... 

É verdade que o momento poderia nos convidar a possibilidades provocantes que, sem elas, não nos restaria o mínimo: temos que mudar, há de surgir um “novo normal” - e mesmo sem entender bem que “normal” seria este -, sinto-me compelido a escrever pensando em alguma satisfação a vocês. E fala-se em um voluntarismo pessoal como se tudo dependesse de nós mesmos, de uma mudança que começaria em cada qual. Ilusão, meus bisnetos. Passamos pela Primeira Guerra Mundial, pela Guerra Civil Espanhola que viu seu fim na Segunda Guerra, trazendo o azedume alongado na Guerra Fria. Não podemos nos esquecer da Guerra das Coreias no raiar dos anos de 1950, e que dizer da Guerra do Vietnã, dos conflitos árabes-israelenses, das guerras de independência da África e nela das guerras civis? E nem cabe deixar de lado o rosário de golpes militares na América Latina nos anos de 1960 em diante. E haja Balcãs, Chechênia, Golfo... Nossa! Ah, não tenho como me esquecer embargos, armas químicas e vírus de laboratórios. É muito, meus bisnetos. Muito, e o que aprendemos?... 

E as endemias, epidemias e pandemias? Valeram lições? Florestas abatidas sem piedade, povos indígenas sob ameaça de extinção, racismo e negacionismo à solta. Definiu-se, imaginem meus bisnetos, um “gabinete do ódio” e um “escritório do crime”, temos um presidente que renega a cultura e a ciência, e mesmo acometido pelo vírus maldito (dizem) ainda insiste em priorizar a economia em vez da vida. A soma destas mazelas se me impõe tristezas. As consequências são ameaçadoras: nacionalismos exacerbados e ressurgimento de uma direita propaladora de fechamentos de fronteiras, e daí: exílios, migrações clandestinas, tráfico de pessoas, liberação de armas, privatizações e mais privatizações... No “encolhimento do estado”, a exploração sequente da mão de obra empobrecida a cada dia. 

Trabalho academicamente com o conceito de memória, e sei que nela se opera a seletividade, condição que abriga o esquecimento. Sei também que o mnemônico guarda misterioso efeito subterrâneo que reaparece quando determinadas circunstâncias se combinam. Pois é, neste quesito é que considero o que marcará a sua geração como filhos de pais que se redefiniram na pandemia, que tiveram que se levantar órfãos de um estado incompetente e de um sistema cruel demais. E assim justifico estas linhas deixadas como pedido de desculpas. Triplas desculpas: pelo fracasso de minha geração, pelo legado a seus pais e a vocês a quem caberá reconstruir o mundo. Desculpo-me também por deixar as dívidas de uma coletividade que não soube aproveitar as benesses do tempo, exagerou no apelo consumista, não entendeu os avisos da natureza que reagiu com uma pandemia desafiadora de novos programas. A história contemporânea dividirá o tempo em um antes e um depois do coronavirus19, e, resta esperar que a sua geração aprenda o que a minha não soube. É isto... Junto ao meu beijo final, um fecundo pedido de perdão: falhamos. Que seus pais façam mais do que conseguimos e que vocês reinventem um mundo melhor.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

CONTANDO A VIDA 307

UM GALO EM COPACABANA: Garcia Marques, João Cabral e Renato Teixeira.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Logo no começo do confinamento imposto pela covid19, sem esperar, recebi via WhatsApp uma mensagem do Roberto dizendo que o irmão, o Renatinho Teixeira, havia lhe passado uma nota pândega, revelando supostos barulhos na madrugada. Fiquei atento, entre curioso e amedrontado. Despertado na noite seguinte, cedíssimo, saí para ouvir a agonia da escuridão. Escutei. Foi o que bastou para retrucar a mensagem. Iluminei a telinha com a notícia “tem um galo em Copacabana, Renato”. Sim, acreditem, um galo entoando forte seu chamamento da luz. Gravei. Gravei, precisei gravar, pois era tamanha a inconformidade que não seria crível sem prova. O corococó me aturdiu de maneira tal que foi capaz de despertar a mais adormecida nostalgia, contraste perfeito de minha empedernida civilidade. E arderam em mim os anos cariocados. 

Continuamos por alguns dias trocando notícias que nos levaram ao território tão nosso, o surrealismo. Foi um pulo chegar a Cartagena de Índias e na viagem flanada remeter a Garcia Marques. Depois, quieto, lembrei-me de um livro do laureado com o Nobel em 1984 “Ninguém escreve ao coronel” e me dei releitura. O enredo implicava um velho militar que em sua casinha, esperava a carta de aposentadoria. Os dias se passavam e nada... O romance versa sobre a espera e o vazio causado pela ausência do filho morto misteriosamente. Tudo sem notícias. A amargura do coronel era repartida pela constância de um galo, presente dado pelo filho ausente. E o protagonismo do galo era metáfora da vigília fiel e da repetição.

Andava perdido nesses delírios quando em outra madrugada Renato constatou “Zé, preste atenção, um galo não canta sozinho. Deve ter outro galo por perto”. Estava dada a senha notívaga: ouvir galos. Passei a ser escutador de ladainhas cacarejadas em catedrais imaginadas. E não é que era verdade?! Identifiquei três. Três galos cariocas, e, em confidências intimas, comigo mesmo, recordei versos de João Cabral de Melo Neto. Foi no meio de um desses escuros madrugados que declinei, na lisura da reminiscência melhor, os dizeres “um galo sozinho não tece a manhã/ ele precisará sempre de outros galos/ De um que apanhe esse grito dele/ e o lance a outro”.
Os dias e as madrugadas se sucederam, todas conferidas em cocorocós. Não naturalizei as identificações, de jeito algum. Pelo contrário, repeti ouvidos sempre novos e me entreguei à buscas renovadas: teria mais algum galo? Devo dizer que o correr de meus muitos anos me ensinou a duvidar de acasos. Tudo acontece segundo algum impulso, divino ou diabólico, mas tudo, como a lição dos galos, se fiando enredos que me levaram a uma canção do próprio Renato. O título da cantiga é “Raiz”. Juntei os fatos, emendei ideias, e me permiti uma paródia em diálogo com o amigo encantador: eis o resultado 


Galo cantou                  Galo cantou

Madrugada na Campina      Na madrugada carioca
Manhã menina                   Manhã rapina
Tá na flor do meu jardim          Sem flor no meu jardim
Hoje é domingo             Hoje choramingo
Me desculpe eu tô sem pressa      A vida que corre depressa
Nem preciso de conversa         Preciso de conversa
Não há nada prá cumprir          Pois muito há a redimir
Passar o dia                  Pagar os dias
Ouvindo o som de uma viola         Sem som de uma viola
Eu quero que o mundo agora         Queria que o mundo agora
Se mostre pros bem-te-vi        Me mostrasse um bem-te-vi
Mando daqui das bandas          Bem aqui nestas bandas

do rural lembranças            Do rural lembranças

Vibrações da nova hora      Saudade da nova hora
Prá você que não tá aqui          De você que não tá aqui

Amanhecer                   Amanhecer

é uma lição do universo      Aqui é castigo perverso
Que nos ensina             Que pouco ensina
Que é preciso renascer            E eu preciso renascer
O novo amanhece               Mas novo não acontece
O novo amanhece               Pois o novo só anoitece

Já tem rolinha                    Nem tem galinha

Lá no terreiro varrido               Nem terreiro varrido
E o orvalho brilha               O orvalho não brilha
Como pétalas ao sol           Tudo apagado no farol
Tem uma sombra               Nem uma sombra
Que caminha pras montanhas      Sem contorno as montanhas
Se espelhando feito alma         Se encolhendo em minha alma  
Por dentro do matagal             Tudo triste meio letal
E quanto mais                    E quanto mais
A luz vai invadindo a terra        A luz vai surgindo na serra  
O que a noite não revela          O vazio mais se revela
O dia mostra prá mim              O dia sentença do fim
A rádio agora                     Na alma agora
Tá tocando Rancho Fundo        Tá tocando Rancho Fundo
Somos só eu e mundo             Somos só eu e o mundo
E tudo começa aqui            E tudo termina aqui.

Amanhecer                   Amanhecer carioca

é uma lição do universo      É um castigo perverso
Que nos ensina             Que me ensina
Que é preciso renascer            Que se deve renascer
O novo amanhece               Mas o novo não amanhece.



O novo amanhece               o novo só me envelhece.
Dando vida à clássica oposição entre “cidade e campo”, me vi naturalmente convidado a supor o caso do galo carioca. Ainda bem que na solidão carioca um galo me lembrou a eternidade do que fui... Cocorocó

segunda-feira, 20 de julho de 2020

CAIXA DE MÚSICA 419



Roberto Rillo Bíscaro

Com mais de quatro décadas de estrada, os norte-americanos do Kansas ainda fazem rock com fôlego.



quarta-feira, 15 de julho de 2020

CONTANDO A VIDA 306

SOMOS TODOS CAIPIRAS; 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Cansado, envolvido em mil problemas acumulados, exausto mesmo, corri quando o telefone tocou. Era o Renato Teixeira em um papo inspirado. Meu céu interior se desanuviou e a conversa fluiu como cantiga entoada numa viola. Diferente de outras tantas trocas nossas, nesta ele tinha um tema: camisa xadrez, roupa de chita, brim riscado e botina. Não precisava mais para me comover. E viajamos na meditação de porquês. Com aquela voz de amigo de infância ele dizia “Zé, precisamos pensar nisto”. O tal “pensar nisto” remetia a explicações de determinados ícones dos quais não abrimos mão. “Pensa um pouco Zé, como o brasileiro gosta de camisa xadrez, como os vestidos de chita são constantes nas festas juninas e no carnaval de São Luiz do Paraitinga. E os riscados das nossas calças não vêm do brim de antigamente?” E continuava “Zé, olha como não abrimos mão das botas, prá homem e prá mulher, bota, botinha, botina não sai de moda, adapta-se, mas está aí”. 

Na mesma cadência eu ia, historicamente, lembrando que podíamos explicar o sucesso da música sertaneja no mesmo impulso explicativo. Interrompendo, entusiasmado, ele me corrigiu “péraí: sertaneja não Zé, caipira mesmo, caipira pô”. E então fomos filtrando casos e declinando situações. O “chuá-chuá” do Renatinho corria solto e eu filtrava alternativas. “Renato, isto é coisa de memória, de memória coletiva, algo transcendente”. O papo não foi curto não, e ao final prometi “olha, vou pensar por escrito nesses devaneios de hoje. Te respondo em uma semana”. E aqui estou eu debruçado nestas mal traçadas linhas, perdido entre as certezas do mais caipira de nossos compositores e uma pequena pilha de livros. Antes de prosseguir, quero que saibam que minha melhor fantasia, sinto-me com uma camisa xadrez bem xadrez, com uma botina sovada e com calça de brim riscado; meu cavalo amarrado na cerca e eu que não fumo com cigarrinho de palha, chapéu de vaqueiro, olhando o estradão, soltando os olhos na eternidade de minha caboclisse... Flaner caipira, na Paris de minha saudade. E que gostoso!... 

Mas nem tudo pode ser só lembranças para um professor de história no exílio de sua essência. A constatação dos símbolos foi fácil, mas os exemplos multiplicados, os lances de cores, o sabor de quitutes, o cheiro de mato, de pasto, tudo, reclamava um outro lastreio de respostas. “Drummondianamente” me restava responder “E agora José?”. Era também como se Guimarães olhasse para mim e exigisse explicações num ardido “mi intende, sô?”. Confesso que passei a semana ruminando o tema como um boi na biblioteca. E minha primeira conclusão remetia a outra equiparação: com os signos da brasilidade produzida. Sempre me impressionou muito o fato de certas tradições serem identificadas como “tipicamente nossas”. O samba, o futebol, a feijoada, a capoeira, a cachaça, juntos ou isoladamente, se constituem em uma espécie de patrimônio referencial do que seria genuíno ou natural do Brasil. Crescemos ouvindo que como a Copa do Mundo é nossa; nossa beleza rítmica está no requebro da gente; o uso das pernas na capoeira ou no esporte dimensionavam um jeito de ser diferente; o sabor de algumas comidas nos distinguiam e igualmente a nossa pinguinha alçaria o pódio consagrado na já internacional caipirinha. E como nos tornamos orgulhosos disto. Nossa! Nem nos faltam teóricos que saúdam com explicações refinadas, abstrações que nos aproximavam de uma suposta miscigenação ideal. Mas, meu Deus, o Renatinho falava de outra coisa, ele se referia a um outro “Brasil brasileiro”. A inerência do mundo caipira plasmado em nossa alma. Desafiador. Demais: camisa xadrez, brim riscado, vestidos de chita. 

Sabe, até doeu pensar em uma resposta acadêmica. Mas, cheguei a um ponto: há um brasilzão urbano, industrial, viajado e rotulado turisticamente. Fabricamos uma identidade que serve para exportação e que muito agrada à classe média e a elite. Tudo verdade, tudo facilmente perceptível. Mas, também tem um outro brasilzão que não se deixa falsear. É como se chegássemos a uma espécie de hora da verdade. Afinal quais os nossos valores verdadeiros? Foi quando me veio à cabeça o texto de Eric Hobsbawum sobre a “invenção das tradições”. Diz o historiador que tudo que julgamos antiquíssimo, sobre as solenidades da realeza britânica por exemplo, é algo bem mais recente, criado no século XIX e consagrado no XX. Antes que minha cabeça desse um nó, busquei argumentos que confirmam a jovialidade das nossas tradições propaladas como identidade nacional. De modo geral, pode-se localizar na “Política da boa vizinhança”, na nascente dos anos de 1940 – e viva Carmem Miranda – a raiz dessas invenções. E assim criamos além do samba e do futebol, a ilusão de que a feijoada, a capoeira, a caipirinha, tudo, como isso estivesse “no nosso sangue”. 

Em termos historiográficos, estaria correto acatar a “moderna tradição” como artefato criado por mecanismos modernizadores da sociedade capitalista com vocação internacional. O que se aventou a partir daquele telefonema, porém, foi algo mais profundo: somos todos caipiras de raiz. Sim, caipira Pirapora, mesmo... O que em essência está em nosso sangue é o xadrez da camisa e o brim riscado que se reafirma a cada São João, mas que reponta nas rodas de modinhas na televisão, no carnaval, na celebração do folclore, nas festinhas infantis. É chique ver as moçoilas de vestidos estampadíssimos nos dias de inversão do cotidiano – carnaval e festas juninas – mas qual delas abre mão de uma bota elegante, ainda que feita na Austrália? E qual o galã da cidade que não tem bem guardada uma camisa xadrez? 

Pois bem, é chegada a hora da verdade. O Brasil se modernizou sim, virou competitivo, figuramos entre as dez maiores economias do mundo. Aprendemos a ser urbanos, somos eletronicamente aparelhados, podemos discutir temas em níveis elevados, viajamos. Tudo certo, mas genuíno mesmo, realmente o que nos une e inconscientemente não abrimos mão é o que se plasmou no nosso espírito natural. E é lindo supor os mecanismos transcendentes que não dependem de políticas objetivas, de consciência depurada por teorias ou de motivações externas. Mesmo a contrapelo do exercitado como verdade acadêmica, de verdade, não abrimos mão do que não sai de nosso gosto: a camisa xadrez, o vestido de chita, o tal riscado de brim e a botina. Somos todos uns caipiras. Resta nos descobrir...

CENSO ALBINO EM ANGOLA

Associação de albinos defende censo nacional

“Não temos noção de quantos albinos existem no país. Nas seis províncias em que está implantada, a associação controla 600 albinos”, decla-rou à imprensa, a porta-voz da Associação, Benvinda Esperança, à saída do encontro com o Vice-Presidente da República, na Cidade Alta.

Entre as propostas apresentadas ao Vice-Presidente, para que sejam melhoradas as condições das pessoas com albinismo, destaque vai para as facilidades no acesso aos produtos cosméticos (sobretudo cremes para protecção da pele) e às consultas de dermatologia e oftalmologia.

Benvinda Esperança garantiu ter recebido de Bornito de Sousa uma reacção “muito positiva”, sobre todas as preocupações colocadas, salientando que o Estado deve prestar maior atenção aos albinos, para que estes não continuem a ser discriminados.

Numa outra audiência, o Vice-Presidente da Repúbli-ca recebeu o director-geral do grupo teatral Excesso de Cor, Anderson Manuel, com quem, também, abordou questões relacionadas com as causas da consciencialização da sociedade sobre o albinismo.

Em declarações à imprensa, Anderson Manuel defendeu que a luta pela consciencialização das pessoas em prol da defesa das pessoas albinas deve iniciar nas escolas primárias, com a realização de palestras e actividades teatrais.

Ainda ontem, o Vice-Presidente da República teve um encontro com o presidente do Movimento Pro-Albino, de quem também ouviu preocupações, que têm a ver, sobretudo, com a discriminação de que são vítimas os albinos, sempre que pretendem inscrever-se para o primeiro em-prego. Falou, também, de dificuldades no pagamento de consultas em hospitais e a aquisição de cremes.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

CAIXA DE MÚSICA 418


Roberto Rillo Bíscaro 

Melódico e empolgante prog italiano com toques hard. O álbum A piedi nudi sull'arcobaleno, do Sintonia Distorta traz emoção em altas doses. 

quarta-feira, 8 de julho de 2020

CONTANDO A VIDA 305


UMA LÁGRIMA PARA A CASA ABRAHÃO. 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Para Manuela, Gabriel e Anna. 

Difícil dizer alguma coisa sobre a loja de meus pais, a Casa Abrahão. Sei pouco da origem familiar do lado paterno; na surdina, fala-se que meu avô havia morrido de fome no Líbano durante a Primeira Guerra Mundial. Há alguma documentação referente ao local de origem do ramo Bom Meihy, Djbeil, na lindíssima costa mediterrânea. Órfão, restava a meu pai um tio, Habib, boêmio conhecido na Lapa carioca. Aos 13 anos, sozinho, Abrahão foi trazido para o Brasil. O Rio de Janeiro foi cenário adequado para o “turquinho”, que logo ficou conhecido pela bela estampa e prosa sempre decantada... 

O lado materno era mais exposto, pois compunha a leva de libaneses vindos do Vale do Bekaa, depois de 1880, motivados pela visita do Imperador Dom Pedro II. É segura a afirmativa que, sendo cristãos, iriam dar início ao comércio religioso em Aparecida do Norte, SP. Juntamente com outros ramos oriundos da mesma área: Abdalla, Samaha, Chad, em conjunto, esses “turcos” deram vida a um rosário de barraquinhas que, mais tarde, se foram adaptadas à dinâmica da proposta e viraram lojas, depois hotéis, restaurantes. 

Papai era filho único, contraste absoluto de minha mãe, que tinha mais 17 irmãos. Não bastasse, meus avós ainda cuidaram de mais 4 netos. Complicado imaginar como em uma casa, sobrado com três quartos e dois banheiros, conviviam 24 pessoas. O deslocamento de Aparecida para Guaratinguetá, logo ao lado, foi resultado da necessidade de variação dos negócios aproveitando o momento em que os armazéns de secos e molhados se apresentavam como alternativa promissora. Decisão de meu avô Felipe: seria conveniente espalhar filhos por diferentes localidades do Vale, e assim temos Sebe por algumas praças vizinhas, sempre com lojas. 

Reza a lenda que meus pais se viram apenas uma vez antes do casamento. Arranjo comum entre os árabes, minha mãe, filha do meio, deveria se casar logo, pois sua irmã menor imediata estava com tudo arranjado para matrimônio. Mas, havia de se cumprir um preceito respeitado: a ordem por idade. A julgar por ditado que minha avó Sarah repetia - primeiro case, depois ame - este mantra teve fundamento. Sou testemunho de uma dedicação amorosa incontestável: nunca vi e sequer suponho, alguém amar mais o cônjuge do que minha mãe. Meu pai, sempre dedicado à família, era muito (mas muito mesmo) cobiçados pelas freguesas que o conheciam como “turco dos olhos verdes” - soube de uma que “tomou veneno” por causa dele. 

Delego obediência à tradição o fato de minha mãe levar dote no ato do casório. E, imaginem, era uma bolsa com contornos em ouro. Soube depois que tal lastro foi vendido para o proeminente médico Dr Cembranelli que presenteara sua esposa. Com o produto, em 1931, surgiu a primeira loja, no Largo do Mercado, na esquina da rua Dr Silva Barros. Sem qualquer arrogância devo dizer que esperteza e determinação para o trabalho foram sempre os eixos familiares dos Sebe Bom Meihy. E em 1932, com o dinheiro advindo do dote, meu pai abasteceu sua loja, deixando de ser mascate em Bananal, virando dono de loja. E veio 1932... A Revolução Paulista surpreendeu os comerciantes sem mercadorias, mas a Casa Abrahão... 

A família haveria de crescer e isto se deu depois de algumas tentativas frustradas, após a morte do primogênito em 1935; em 39 nascia minha irmã Mirna. Dimensionando a expectativa de um homem, eu vim em 1943, e meu irmão Marcelo em 45. Outro momento marcante nesta saga se deu na retomada da economia depois do fim da Segunda Guerra; foi quando, em 1948 meu tio Nicolau, irmão mais velho de minha mãe, e que também tinha também loja no Largo do Mercado, resolveu abrir uma fábrica de tecidos no bairro da Estiva. Pronto: a Casa Abrahão mudava para seu segundo endereço, agora em frente ao Mercado, num sobrado novo que, em meus sonhos, era um castelo. E o sucesso continuava pelas mãos laboriosas da família. Trabalho, trabalho, trabalho... 

No novo endereço, meu pai optou por mudar a vocação do estoque que até então se destinava a roceiros. Aliás, devo dizer que meu pai sempre acreditou no progresso do Vale, e apostou no surgimento de uma classe média local dinâmica. E deu certo. Incrível, em 1950 ele adivinhou que Taubaté se vincularia a Ubatuba e imaginou lá um hotel moderno. Precisaria de muito espaço para contar a façanha que foi construir o São Charbel, sob aquelas condições. Hercúleo... 

“Adão não se vestia, porque a Casa Abrahão não existia” cantava o palhaço Pimentinha aos sábados à porta da loja sempre muito frequentada. Aconteceu que em 1975, papai se aproveitou da herança dos Sebe e partiu para a construção da sede dos negócios na Praça Dom Epaminondas. E se fez a terceira Casa Abrahão. Os negócios de meu pai se diversificaram, e com eles afastava-se o passado de pobreza. Papai sempre gostou de carro, mas nunca aprendeu a dirigir; sempre gostou de esportes, mas nunca praticou algum; sempre gostou de dançar, mas nunca levava minha mãe a bailes. Viva cantarolando, adorava Nelson Gonçalves e Dalva de Oliveira... Ninguém gostava mais da vida do que ele! As risadas de meu pai eram contagiantes; contava causos hilários, e como poucos amou o Esporte Clube Taubaté. Com tantas conquistas os olhos de papai irradiavam luz ao ver a tabuleta da Casa Abrahão... Quantas vezes eu o surpreendi na calçada olhando a placa: Casa Abrahão... 

O tempo passou, meus pais morreram, meu irmão também. Mirna vive momento difícil, e eu tenho que cumprir o destino. São poucas as costureiras, a roupa feita teve sucesso decisivo, os shoppings estão aí, e meus filhos têm outras prioridades. E a pandemia selou o destino. O que resta? Estão aí as lembranças, a memória apreendida na canção do amigo Renato Teixeira “O turco do mercado” que, aliás, serve, de trilha sonora ao trajeto de um sonho... 

Corre uma lágrima de adeus. Adeus Casa Abrão... Adeus... O sonho foi bem sonhado, diria Drummond...
  

sexta-feira, 3 de julho de 2020

MELHORES DE 2020 – PARTE I



Que difícil este 2020, não? Mesmo assim – ou, por isso mesmo – nada melhor que conferir o que resenhei de melhor nas áreas de cinema, literatura, música e TV.

Não importa ano de lançamento; para constar na lista de melhores do ano, basta ter aparecido no blog.

CINEMA
Vastidão da Noite - No período da Guerra Fria, dois adolescentes descobrem uma estranha frequência de ondas aéreas. Suas vidas e o mundo inteiro podem estar prestes a mudar drasticamente.
O Incrível Homem que Encolheu – O clássico da ficção-científica resiste bravamente ao tempo e ainda empolga e faz pensar.
Os Brutos Também Amam - Neste faroeste clássico, um ex-pistoleiro determinado a evitar confusão enfrenta barões do gado que ameaçam um grupo de pequenos produtores rurais.
O Planeta Proibido – Outro clássico da ficção-científica, que resiste bem ao tempo. http://www.albinoincoerente.com/2020/02/telona-quente-321.html

LIVROS
Belgravia - O criador de Downton Abbey escreveu um romance com tons de século XIX, mas totalmente legível para nosso gosto por velocidade narrativa do século XXI.
Le Freak - Nile Rodgers compôs e produziu canções e discos que transformaram a música pop e estão entre os maiores sucessos de todos os tempos. Le Freak narra a incrível história de como um dos grandes gênios do pop transformou sua vida dramática - de garoto negro, magricelo e asmático nascido no gueto - na brilhante e alegre playlist de várias gerações.
Unknown Pleasures - O baixista da banda mais influente do pós-punk inglês, conta sua infância, a formação da Joy Division, rixas internas e o suicídio de Ian Curtis.

MÚSICA
Shea Butter Baby, de Ari Lennox - O álbum de estreia da norte-americana é esfuziante coquetel de Neo-Soul, que vai de sexy a Paulo Coelho.
Gathering Swans, de Choir Boy - Em seu segundo álbum, os norte-americanos estão mais mergulhados nos anos 80 e os vocais sensíveis e dramáticos de Adam Klopp se destacam.
Il Velo Dei Riflessi, de Quel Che Disse Il Tuono - O quarteto de rock progressivo italiano estreia em alto estilo sinfônico, resgatando o melhor dos anos 70, mas com produção excelente.
Shlon, de Omar Souleyman - O sírio usa instrumentos tradicionais para fazer dabke delirantemente dançante.
Seeking Thrills, de Georgia - Em seu segundo álbum, a britânica apresenta boas melodias, emolduradas em sons eletrônicos provenientes do eletropop, house, techno e synthpop.
Hotspot, de Pet Shop Boys - A dupla britânica se mantém relevante e criativa, mesmo após décadas de carreira.
Chaos and a Dancing Star, de Marc Almond - O veterano reaparece com linda coleção de canções cheias de temas "góticos".


TV
Prime Suspect (temporada 1) - Em 1991, a TV britânica lançou Prime Suspect, série estrelada por Helen Mirren, que alterou o cenário das produções policiais e influencia até hoje.
Unforgotten - Casos policiais não-resolvidos são reabertos e provocam terríveis consequências nas vidas de todos os envolvidos.
Der Pass/Pagan Peak - Crimes brutais na fronteira entre a Alemanha e a Áustria colocam dois detetives em busca de um assassino em série.
The Missing (temporada 2) - Depois de ano desaparecida, Alice Webster reaparece e inicia-se um drama policial complexo, desenvolvido em mais de um local e tempo.


quarta-feira, 1 de julho de 2020

CONTANDO A VIDA 304

O QUE APRENDI NA QUARENTENA?! 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Fiquei pensando na perversidade de estar só, confinado por opção e obediência ao bom senso. Pensei e logo entendi que pensar é um ato soberano e que se coroa quando nos distanciamos das coisas ditas corriqueiras. Estranho. Sobretudo estranho porque tudo que nos é corriqueiro ganha o vigor inverso, de algo novo ou pelo menos reinaugurado. As coisas, os objetos, estão no mesmo ambiente, mas o olhar interior exige requalificação. Acho o termo “ressignificar” que tanto tem sido gasto faz algum sentido nestas situações. O livro esteve no mesmo lugar há tempo, e lá continua, mas de repente dou uma olhada na lombada e acho o vermelho bonito, o título em branco se destaca e lembro-me das cores do Salgueiro. Viro o rosto e olho a modesta garrafa de água mineral, a mesma de sempre que acompanha minhas noites solitárias, e me pergunto de sua forma acinturada, da cor da tampinha “amarelada” (não seria melhor que fosse verde?). E o silêncio da casa que combina melhor com a noite que com o dia? As panelas da cozinha experimentaram minhas mãos limpando-as como nunca e sabe, até passei as achá-las mais simpáticas, dignas de certo brilho que nunca leguei. 

Resolvi dar uma limpada nos CDs. Pois é, ainda há poucas semanas pensava em como me livrar deles, agora que têm substitutos tão competentes. Mas, quando os acariciei em nome da liberdade do pó, me comovi. Lembrei-me de quando comprei uns, da circunstância do presente de outro. Sabe que cheguei, imagine, a me ver dançando nos salões do passado quando peguei em um azul, orquestrado. Nem precisei tomar a decisão de não os doar tão logo. Fui mais longe, cheguei a pensar que alguns não sairiam jamais de minhas paradas saudosistas e nem das prateleiras em que estavam silentes e condenadas. 

Converso com plantas. Sempre foi assim e não tenho pejo em reafirmar. Mas eram conversas rápidas coisa do momento de molhá-las e nada mais. Agora?! Agora confidencio intimidades, desabafo mágoas políticas irremediáveis, faço-as interlocutoras de sonhos libertários, de vagos planos futuros. E não é que suas folhas estão mais brilhantes, mais vistosas. Tenho certeza de que a fotossíntese partilhada agora purifica mais meu ar. 

Nunca tinha imaginado que os lenços dobrados, na gaveta, pudessem parecer quadros ou instalações artística. Nunquinha, mas não é que ontem imaginei Matisse, confesso, contudo, que como estavam tão espontâneas e à vontade, achei que iam mais para Braque. E meu Deus, não tenho só lenços brancos, ou com discretas listas azuis ou marrons. Não, tenho alguns bem coloridos que sequer sei de onde vieram. E aquele com minhas iniciais, nossa, que lindos! 

Acreditem: que beleza me pareceu o suporte do abajur da sala. Que contornos sensuais, delicados e sugestivo da languidez do objeto que deixar vazar luz. Entendi a diferença do erótico e do pornográfico quando supus outra leitura do prosaico detalhe, disposto no canto da sala. Nem preciso dizer que a banqueta de madeira, a mesma que me acompanha desde a primeira casa que tive como minha, me pareceu peça de museu. E de um museu especialíssimo, objeto biográfico capaz de conter narrativas de minha história pessoal. 

Os quadros das paredes!... Gente, que coisa mais bonita! Ajeitei um que estava tortinho e pensei na combinação deles. Acertei quando os coloquei lado a lado, e até saudei meu bom gosto e sensibilidade decorativa. Se é verdade que a casa da gente tem que se parecer conosco, aquelas pinturas legitimam minha história. Tentei dar enredo à composição das telas que juntei em diferentes momentos, e fui entendendo melhor minha história pessoal, um depois do outro, alternados na parede, do jeito que me sinto agora. Foi como ordenar as memórias não pelo tempo de aquisição, mas pelos ajustes temáticos. 

Criei coragem e fui lá. Sim, mexi na caixa de cartas. Sabia que ia doer, mas sabia também que eram dores de cura. E foram. Fui descobrindo que não restaram só cartas escritas aqui e ali, sempre com amor devoto, mas havia também cartões, cardápios de restaurantes, invólucros de balas, programas de cinema. Enfim, retalhos de um amor que precisou aprender a ser só. 

Foi triste mexer na caixa de joias. O roubo surpreendente do ladrão deixou algumas poucas peças que gritavam de solidão. Ouvi atentamente cada lamento: a medalha que ficou sem o cordão, o velho relógio que certamente não enriqueceria o assaltante, as três pérolas soltas do colar debulhado de minha mãe, a velha carteira sem os poucos dólares e euros que a valorizavam. Restos. Restos sim, mas tão ricos em cernes. 

Sentei-me para escrever sobre estas minudências e me perguntei dos próximos dias de quarentena. Que vou fazer? Quais os novos acontecimentos emocionais? Que eu sairá deste meu convívio pessoal? Poderia desdobrar perguntas mil, mas amedrontado me questionei sobre o limite desta condição de confinamento. Será que estou com medo? Medo do quê?