TERRORISMO CANINO – histórias de pescadores.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Em minhas andanças dominicais, a orla da Urca tem ocupado lugar especial. Linda demais... Ver o Rio daquele ângulo é privilégio pouco explorado, condição que permite certa exclusividade. Semanas depois de semanas, por fim a gente acaba acompanhando um pouco a rotina dos usuários, sempre os mesmos. Os bares que servem café da manhã, os frequentadores da missa na Nossa Senhora do Brasil, os deliciosos restaurantes dos “portugas” e até os inefáveis pescadores de fim de semana. Costumo tomar uma água de coco, sempre no mesmo ponto onde de longe ouço os causos de quantos jogam iscas que atiçam peixes. E rolam histórias, nossa!...
No último fim de semana, depois de dias chuvosos, cumpri minha sina de andarilho potencial: bermuda, tênis confortável, protetor solar, soltei meus passos. No lugar previsto, estrategicamente disponibilizei meus ouvidos dispostos para relatos sempre expressos no modo exagero. Como chego tarde, as preliminares já haviam desfilado e restava, como sempre, um tema preferencial. Dessa feita o papo era sobre cachorros. Antes devo dizer que há uma espécie de acordo dissertativo onde, apesar da distância, cada um fala por seu turno e de maneira a todos participarem. E foi assim dessa vez.
Parecendo impaciente com o peixe que não vinha, fiquei chocado com o primeiro caso que versava sobre uma senhora que tinha em seu apartamento um Chiuauazinho que perturbava a vizinhança. Intimada pelo síndico, sem querer se desfazer do pet a dona, imagine, resolveu o problema cortando as cordas vocais do baixinho que nunca mais emitiu um auau. Engoli seco, mais ainda quando um outro relatou o espantoso caso de uma pessoa que entregou seu boxer para ter o rabo cortado e por engano cortaram lhes as orelhas. Não satisfeito um pescador mais distante se fez ouvir mostrando indignação ao contar de um suicida que ficou meses pensando o que fazer com o cãozinho depois de sua premeditada autoimolação e, sem soluções, resolveu que também “suicidaria” o animalzinho num ritual anterior ao próprio. Fiquei perplexo e ainda mais quando os detalhes versaram sobre o uso de estricnina diluída na comida especial feita para o cãozinho. A surpresa veio quando os efeitos começaram e o totó passou a se enrijecer de maneira horripilante. Vendo a cena, arrependido o dono, apavorado, chamou o zelador e juntos foram a um canil onde o animal foi reanimado e o suicida resolveu que deveria continuar vivo para sanar a crueldade planejada. Suicídio adiado eternamente.
Não satisfeito com esses relatos, como se fora uma competição, o primeiro narrador recobrou a vez e disse saber de uma história onde um conhecido, depois de ingerir algum alucinógeno forte viu nos dois cachorros a incorporação dos odiados chefes de trabalho e do nono andar de seu apartamento jogou os dois cachorros pela janela mas que, milagrosamente, ambos caíram em um toldo que mesmo rasgando os protegeu amortizando a queda. O surpreendente, porém decorreu do desequilíbrio do dono que tonto, minutos depois se desequilibrou e pumba, sem a proteção, morreu.
Em nova rodada novo narrador contou a história um bêbado que voltando de uma noitada, ao chegar em casa, com fome, abriu a geladeira, tirou uma lasanha para coloca-la no micro-ondas. Atrapalhado pelo latido infernal de seu cãozinho, trocou as bolas e ligou o forno com o bichinho dentro.
Eletrizado, já sem energia para continuar meu passeio, ouvi mais um caso estranho. Tratava-se de um pescador que disse saber de um cão fiel, mas tão fiel que nunca largava o dono, nem na hora de ir ao terreiro de umbanda. Pois bem, este senhor um dia foi e, seguido pelo “melhor amigo”, ao entrar na roda viu seu animalzinho possuído. Quanto mais gira se fazia, mais o cachorro expressava espíritos. E ninguém estranhava nada...
Houve, porém, um protesto vindo do mar. De repente, um peixe foi fisgado. Alegria geral do grupo, mas eu fiquei imaginando se não seria manifestação de algum espírito animal tentando por fim àquelas historias de terror canino. Ou seria um cachorro peixe dando continuidade a tudo?
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