COVIDIOMA, A LÍNGUA PANDÊMICA!
José Carlos Sebe Bom Meihy
Lembro-me com clareza do tempo em que se combatia com vigor tudo que vinha “de fora”. No colégio interno onde estudei, os padres alertavam contra estrangeirismos: anglicismo, galicismo, espanholismo. Bom mesmo seria o português castiço, algo achegado a Camilo Castelo Branco, Eça de Queiros e Júlio Diniz. Ah, os tempos em que se aprendia latim no ginásio, e tínhamos que falar corretamente sem erros ou marcas de expressão. Décadas mudaram e tivemos que nos adaptar à “democratização do uso da língua”. As grandes matrizes colonizadoras, responsáveis pelas “superações” das falas nativas também se viram abaladas. De todas – inglês, francês, espanhol e português – a nossa foi a mais afetada. Fosse pela força do tupi, resistente até o século XVIII, ou pelo patrimônio africano, incorporamos um vastíssimo vocabulário, e junto criamos entonações que nos distinguem.
A recente modernização urbana, capitalista e industrial, carreou novos desafios que, de modo sutil, sugere o inglês como espécie de vírus linguístico, que se infiltra de maneira quase natural em nosso corpo linguístico. O advento do computador, por seu turno, nos impôs verbos incômodos, mas perfeitamente naturalizados, e assim “deletamos”, “printamos”, “twitamos”, ficamos “on line”, incorporamos o “WhatsApp”, o “fotoshop”, e no lugar de mandar mensagens, enviamos “e-mails” (que, aliás, já estão meio fora de moda).
Diria que tudo seguia curso estranhamente progressivo quando, não mais que de repente, uma enxurrada de novos termos nos acomete de maneira avassaladora. De tal forma o fenômeno cresceu, que chamou a atenção dos atualizadores do grupo responsável pelo “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” (VOLP), mecanismo regulador da fala nacional, órgão ligado à Academia Brasileira de Letras. Imaginemos: dos 1 600 verbetes inseridos na nova versão do Dicionário, mais de 5% se relacionam diretamente com o Covid 19 (sim, Covid é usado no masculino). E respeite-se também as decorrências, algo do tipo “home office”, “teletrabalho”, “lockdown”, “videoconferência”. Sugere-se, inclusive, uma nova área de estudos reconhecida como “covidioma”, pode? É bem provável que tudo tenha sido decantado durante o “blursday”, sentimento dominante em quantos, no confinamento, não percebiam mais a mudança do tempo, algo como se todos os dias fossem iguais.
A justificativa para tanta reverência a essas novidades vocabulares justifica a criação de um campo de estudos que passa a interessar à medicina pediátrica e à psicologia, o “coronababy”, estudo do comportamento de crianças geradas ou nascidas na vigência do Corona. E por falar em “covidioma”, não se pode esquecer do “covidivórcio”, prática posta em uso durante a fase de reclusão a que casais que não sabiam que o convívio intenso lhes era insuportável. É verdade que se deu também o oposto, ou seja, casais que viveram o “covidilove”, aqueles que se (re)apaixonaram, e (re)descobriram o significado do “até que a morte nos separe” durante a pandemia.
Ainda que ache muito criativo e curioso o processo como um todo, confesso que alguns novos verbetes me assustam, mas, mais que qualquer outro o “nomofobia” ganhou disparado. Para quem não sabe o que é isso, explico: é o medo patológico, alucinante mesmo, de ficar sem contato com o mundo, de se sentir esquecido. Este grave pânico se manifesta pelo pavor de ficar sem conexão via internet. Ah! Há também o “covidamigo”, ou seja, a descoberta de um melhor amigo feito na fase da reclusão, claro, mediado pelo celular ou computador. E têm o “apaixonavid”, aqueles que, mesmo sem contato diretor, físico, se enamoraram por meio da eletrônica.
A par de tantas tolices, um termo tem merecido carinho especial, o “coronaplauso”, ou seja, o agradecimento aos cuidadores dos adoecidos que, mesmo à distância, são dignos de tanto respeito. No mais, na contramão dessa saudação, ressalto outro termo, o “covidiota” que, aliás, explica o “covidioma” que no máximo é catarse esdruxula... mas até que diverte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário