quarta-feira, 27 de outubro de 2021

CONTANDO A VIDA 363

 INCLUSIVISMO E EXCLUSIVISMO: Pecados da Educação cívico-militar.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Não basta constatar o negacionismo. Não! É preciso denunciar o desprezo à Educação, à Ciência e à Cultura. Mas, não é suficiente combater sem argumentos. A ausência de enfrentamento dessas questões tem permitido avanços de um projeto que já traz consequências no ensino regular.

Formulada sem consulta a autoridades da Educação, juntando um punhado de partidários que não resistiriam a debates especializados, a proposta de implantação de 54 unidades de escolas cívico-militares em três anos, funciona como agência ideológica da extrema direita. E há ainda quem fale em escola sem partido. Resta, quase em silêncio, assistirmos educadores encomendados iludindo a população em nome da qualidade de ensino, de Deus, da família, da moral e bons costumes.

Tudo ganhou forma aos 2 de janeiro de 2019, por meio do Decreto nº 9.665, quando foi criada a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, entidade que tem como uma de suas atribuições desenvolver um “modelo de escola de alto nível, com base nos padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos Colégios Militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros”. Dirigida ao ensino fundamental e médio, com apoio de estados e municípios, tais escolas cobrem do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º do ensino médio. Escondem-se na aparência de renovação sutilezas que merecem cuidados, pois comprometem princípios abertos a uma formação libertadora, inteligente e criativa. É necessário que a sociedade civil veja nesses “avanços” parte de um conjunto comprometedor do pensamento crítico, pluralista, integracionista.

E os ataques ao bom senso educacional estabelecido são progressivos. A tal ponto chegamos que o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, teve coragem de defender publicamente uma política de exclusão do convívio comum pessoas com deficiência que, segundo ele “atrapalham entre aspas” os demais estudantes. Como tem se tornado vezeiro no atual governo, depois de agressões bárbaras como esta, pede-se desculpas como se elas interrompessem avanços calamitosos como os que se formulam como política ministerial.

Não se trata apenas de impulso reformador do ensino. Ao ver a multiplicação planejada dessas escolas, é importante ter em vista que estamos falando de educação de jovens de baixa renda, aliciados em seus bairros e que, iludidos pela cantilena fácil de uma educação de qualidade e em ambiente sem violência, emprestam seus corpos e mentes a um programa que os limita em que de essencial a educação pode promover: capacidade crítica e criatividade.

Desmerecendo a estrutura que temos estabelecida, em vez de corrigir distorções gerais e favorecer melhoria de infraestrutura e capacitação de professores, as novas investidas acentuam falhas existentes e impõem, sob pretexto de clamor comunitário, alternativa que, sem disfarces, automatizam segmentos pobres e grupos vulneráveis, contingentes sem discernimento do processo educacional livre, plural e aberto a todos.

Sobretudo, sob a capa ilusória de formação de uma elite ordeira e bem formada, exercita-se o verbo excluir, levando ao limite da exclusão os “incapacitados” e mesmo alunos com dificuldades de aprendizado. E o próprio ministro usou a expressão “combate ao inclusivismo”, ou seja, isolamento de pessoas com dificuldades. Nesses postos de preparação para diferenciar cidadãos, não há lugar para pessoas com deficiências de qualquer tipo e que, por sua vez, deviriam ser colocados em qualquer outra escola ou “guetizados” em espaços especiais. Mas há mais a ser comentado.

Como se o Brasil não fosse um caudal racial - como se nossos jovens partissem do mesmo lugar social e tivessem oportunidades semelhantes, sem marcas étnico-raciais, personalidade comunitária - seres selecionados, os escolhidos devem se submeter ao crivo de uma “igualdade imposta”, que anula a personalidade e marcas singulares. E tudo deve ostentar neutralidade derivada de regras que ordenam, por exemplo, o mesmo corte de cabelos, o uso compulsório de uniformes (usa-se inclusive o termo “enfardamento”), proibição de tatuagens expostas. Nesta lógica, é regulamentada a “ordem unida”, cultivados hinos e práticas de cumprimento e saudações. Tais comandos são outorgados como condutas sujeitas a penalidades – inclusive de transferências. E nada de crítica ou descoberta de talentos pessoais. Pelo contrário, o que se propõe é a disciplina indiscutível dos corpos e a obediência contratual, assinada pelos pais no ato da matrícula. Tudo submisso a um “manual de conduta”.

Inscritas num contexto de depreciação da ciência e da cultura, de negacionismo explícito e atrasado, estas escolas mais visam formatar mentes do que promover conhecimento criativo e discussão de valores. É logico que a dotação de 1 milhão de reais para cada unidade instalada é vista com bons olhos por todos diretamente interessados. O problema é que a origem desse dinheiro – que sai dos cofres públicos – tem destinação exclusiva. E também, a presença de militares reformados, dotados de salários complementares, é condenável em nome do contingente de técnicos da área da educação, gente subempregada.

A pergunta que não pode ficar silenciada questiona: e os outros? E os diferentes? E exatamente os que precisam de mais atenção? Serão estes impelidos a sair de seu meio? Será que não é chegada a hora de promover mais a educação integral, inclusiva, que atenda a todos? Não bastam os colégios militares já existentes?

Pois é, um país que produziu alguém como Paulo Freire, modelo mundial de educador digno e respeitado, tem agora um bando de elitistas despreparados para o futuro e assim, a passos largos caminhamos para o futuro menos inclusivo para a cidadania plena e mais exclusivo para sujeitos automatizados. Por fim, como conter a indignação ao ouvir do Ministro da Educação que a “universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”. Pode?...

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