quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

CONTANDO A VIDA 377

 PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE MODERNISMO!


José Carlos Sebe Bom Meihy

Pois é, a Semana de Arte Moderna de 1922 é o assunto da vez. Se o tema é festivo para grande parte da audiência interessada em arte e literatura, para outros é desafio que mexe com o bom senso analítico e com a reserva de argumentos críticos. E vou logo abrindo o jogo, pois mesmo sendo cauteloso frente àquele evento, não consigo despregar certa admiração comum aos que só fazem aplaudir a turminha que, de modo diverso da rotina, alardeou o carnaval de 22. Para o bem ou para o mal, reivindicando liderança e prestígio, foram os arrogantes dandies reunidos naquela São Paulo, que se propuseram a acertar os ponteiros do nosso relógio cultural, então descompassado do resto do mundo dito civilizado.

Não resta dúvida que o espalhafatoso barulho em torno dos acontecimentos iniciados no fatídico dia 13 – e repetido dias 15 e 18 – potenciava veneno poderoso contra o passadismo cultural, identificado na tradição parnasiana e na literatura puxada à Coelho Neto ou Olavo Bilac. Sob pauta analítica, porém, cabe jogar luzes em complexidades que convidam definir a partir de quando, onde, e por quanto tempo, vigeu a tal modernidade dos modernistas. E falamos de modernismo ou de modernismos?

Fermentando argumentos, propõe-se estabelecer a diferença entre modernidade e modernismo. Entende-se por modernidade – no caso da cultura brasileira dos inícios do século passado – o processo de atualização das expressões de vida sociocultural, formatado segundo conjeturas hegemônicas, colonizadas no sentido da leitura do mundo no pós-Primeira Guerra Mundial. Modernismo, por sua vez, seria um movimento específico, produção articulada, síntese crítica e teatral do patrimônio herdado, submetido a um programa arbitrário de renovação radical. Dizendo de outra forma, a Semana corresponderia à oficialização dos fundamentos modernizadores sempre em curso, ainda que difusos e sem fundamentação teórica conceitual.

A diferença crucial entre modernismo e modernização decorre da consciência e aplicação de pressuposições estéticas assumidas racionalmente e derivadas de regras sobre a superação de tudo que estava estabelecido como valor artístico. A mera qualificação dessas diferenças suscita três rotas significativas para a compreensão da Semana de Arte Moderna: 1- o recorte paulistano; 2- a espontaneidade do movimento, e 3- a recepção das propostas de pretensões revolucionárias.

O primeiro ponto a ser considerado na definição do espaço modernista remete à sua paulistanidade, ou seja, à centralidade na/da capital do estado. O argumento sustentado pelos defensores da vanguarda paulistana, por certo, vai além dos valores assumidos localmente, condição que consagraria aquele evento como uma espécie de modelo referencial da nossa produção artística. Muito mais que arte, porém, fala-se da liderança política e do poder econômico que a São Paulo dos imigrantes – e da nascente indústria – passava a ter na Federação. Neste sentido, a reputação de moderno caberia como virada de um passado colonizado, agrário, dependente de continuidades vencidas.

Um segundo ponto importante para o entendimento da Semana exige medi-la em sua temporalidade. Se recortados aqueles dias como detonadores do longo processo seguinte autenticar-se-ia a liderança paulistana sobre um andamento corrente – muitos percebem o início em 1917 e como ramificação de atualizações europeias. Seria então a Semana um produto, momento justificado localmente, ou expressão de procedimentos que já vinham acontecendo cá e lá? E será que, no recorte brasileiro, o tempo paulistano daria conta de incluir outros espaços, em particular o Rio de Janeiro, Minas e Pernambuco?

O terceiro argumento significativo implica entender a projeção do Movimento no devir histórico, posto que passadas as consequências estéticas imediatas – o advento dos Manifestos e das Revistas – o que se viu foi a reclusão dos argumentos que apenas refloresceram depois de 1945 com a morte de Mario de Andrade e principalmente durante o regime militar que precisou de uma base nacionalista, e assim buscou inspiração naqueles pressupostos. Mais tarde, descaracterizado de políticas, depurados os personagens escolhidos como baluartes, valorizado o teor festivo/artístico, apenas recentemente a Semana se notabilizou formulando uma pauta vista agora com destaque.

O saldo da reflexão presente, nesta sonora celebração do centenário da Semana de Arte Moderna, convida à retomada histórica do evento e de suas possíveis novas abordagens. Sem incorrer em revisionismos fáceis, o que se busca é a quebra de pressupostos dominantes e valorizar outros ângulos capazes de projetar a Semana como uma oportunidade para a problematização de questões indagadoras do papel, da função e alcance da cultura nos dias de hoje. E fico pensando como ela será vista depois deste seu centenário.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

TELONA QUENTE 396

Crítica do filme Os Caçadores da Arca Perdida (HBO Max)

Conheça o arqueólogo Indiana Jones e descubra como ele derrota todo tipo de inimigo, inclusive os nazistas, enquanto procura pela Arca da Aliança durante o primeiro filme de uma saga cheia de aventuras e ação.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

TELINHA QUENTE 383

Estrelada e produzida por Michael Keaton, a série retrata como uma corporação desencadeou a pior epidemia de opioides na história dos Estados Unidos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

CAIXA DE MÚSICA 492

Filho de Lenine, João Cavalcanti, que durante 17 anos foi o dono da voz do grupo de samba carioca Casuarina, traz no DNA a vocação para a boa música e preparou cuidadosamente as 14 faixas desse projeto, que lhe apresenta como intérprete versátil e repleto de recursos vocais. Construído em parceria com o acordeonista e pianista Marcelo Caldi, Garimpo reúne, além de inéditas, canções de João que foram gravadas por grandes vozes da MPB. Destaque para a faixa ‘A Causa e o Pó’, que conta com a participação especial do português António Zambujo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

CONTANDO A VIDA 376

PREGUIÇA, A MÃE DOS PECADOS

José Carlos Sebe Bom Meihy


Andava meio triste, algo saudoso da vida rotineira de antes da Covid. Bateu saudade dos parentes, amigos, alunos... Dei asas a mais alguns maus pensamentos que rondavam meu inconsciente e para dissipar o climão que se anunciava, resolvi ir às compras. Demorei o mais que pude e depois, distraído na fila do supermercado, meio sem pressa para voltar, ouvi uma conversa dessas que acabam por chamar a atenção. Tratava-se de uma senhora muito bem apessoada, que dizia para uma jovem ao lado: olha, a preguiça é o maior e o melhor dos pecados, pois quando se apossa de uma pessoa, todas as outras faltas deixam de ser praticadas. Nossa, pensei!... E foi o que me bastou para rogar que a espera fosse longa.

E os argumentos prosseguiam compondo instigante investida teológica feita às avessas. Com certa maestria didática, a altiva senhora pregava que alguns pecados capitais isentavam outros e até os redimiam. O exemplo seguinte explorava a “inveja”, que, segundo a exegeta de supermercado era responsável pelo progresso, pelo impulso pessoal para a melhoria de vida. E os casos usados eram excitantes “veja bem, se alguém tem inveja do vizinho, que tem um carrão, casa na praia, viagens fabulosas, por inveja legítima, ele vai lutar para ter o mesmo, ou até mais”. Fiquei ouriçado com a clareza...

Confesso que me continha para não entrar no papo animado, pois ao se referir a outro pecado capital, a “gula”, o argumento exagerava na melhoria da culinária. E não é que os afundamentos da senhora faziam todo sentido. Com um gesto exuberante ela apontava para as prateleiras ao lado, afirmando que nada daquilo existiria se não fosse a tal da “gula”. E eu, com pescoço meio inclinado concordava, lembrando-me de reclamação recente sobre o exagero dos programas de culinária na televisão. Aliás, fiquei irritado ao entrar em um site de minha livraria preferida e me deparar com o número multiplicado de lançamentos de livros de receitas. Além disso, o próprio supermercado justificava a questão.

E a “avareza”, exclamava a experiente dona da conversa: a “avareza” é responsável pelo avanço da economia, pelo sucesso das empresas que animam o mercado. Lembrei-me da expressão “pão duro” e imediatamente recordei de uma situação recente em que ruminei raiva de um companheiro que, ao compartir conta coletiva depois de lauto jantar, fazia questão de contar centavos. E me veio à cabeça a indignação por ser exatamente ele o mais rico do grupo, dono de um próspero comércio... seria por isto?!

Para minha desgraça, a fila corria muito mais ligeira do que no comum das vezes, e logo pensei na “ira”. Sim, fiquei “irado” por não ter acesso aos demais informes passados pela abalizada defensora das nobres virtudes dos pecados capitais. Ao olhá-la já no caixa, passando os produtos comprados, resolvi dar sentido aos ensinamentos e admiti que a “ira” que sentia pela interrupção da conversa (alheia) era algo positivo, pois, na solidão desses dias pandêmicos, no isolamento a que me proponho, daria estrada a uma possível depressão e, assim resignado, até me surpreendi com a certeza que seria melhor ser colérico, ter uma explosão passageira, do que me abandonar deprimido.

Pois bem, as duas se foram e fiquei com o tema na cabeça. E foi assim que pensei no sentido da “luxúria”. E me veio imediata a relação que fiz com os livros de Philip Roth (“Complexo de Portnoy”), de Vladmir Nabokov (“Lolita”) e até dos clássicos Diderot, Sade e principalmente de Georges Bataille (“História do olho”). Aliás, só por essa seleção os pecados da carne estariam absolvidos.

A “soberba” exigiu que me posicionasse favorável ao orgulho, e até julguei que São Tomás exagerou ao dizer que é o maior dos pecados. Fundamentei meu ponto assumindo que, para ser orgulhoso, e do orgulho ir para a “soberba”, era preciso ter qualidades exaltadas, caso contrário o personagem não seria levado a sério. Bem, estava perdido nessa trama quando me dei conta de que tudo havia começado com a “preguiça” e que ela era realmente a grande responsável, e, por fim, conclui que sem ela não haveria nenhum dos outros pecados. Como dá muito trabalho e/ou exige-se engenho, os demais delitos capitais todos seriam inexistentes se a preguiça dominasse. Pensei em reagir a isso tudo, em retomar a legenda cristã, mas, sinceramente, me deu enorme preguiça.

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

CAIXA DE MÚSICA 491

Classix Nouveaux foi uma banda inglesa da década de 1980 de new wave/new romantic. Existiu entre 1979 e 1985. A banda atingiu certa fama pelas suas vestes negras e pelo fato do vocalista do grupo (Sal Solo) ser careca. Porém, como jamais vendeu muito em mercados-chaves, como Reino Unido ou EUA, hoje é praticamente esquecida, a não por ser por fanáticos pela década de 80.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

TELONA QUENTE 395


Crítica do filme Cela 211 (Amazon Prime)

Juan Oliver sofre um acidente em uma prisão, pouco tempo antes do início de uma rebelião no setor onde estão os presos mais perigosos, liderada pelo bandido Malamadre. Os seus companheiros fogem para se salvar e abandonam Juan desacordado na cela 211. Quando Juan acorda e entende o que aconteceu, passa a se fingir de presidiário perante os amotinados. Agora, ele corre perigo e terá que contar com muita astúcia para sobreviver a base de mentiras.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

CONTANDO A VIDA 375

ROBERTO CARLOS, OUTRA VEZ...


José Carlos Sebe Bom Meihy

Sabe, tenho relação pendular de admiração e crítica ao “Rei Roberto Carlos”. Não chega a ser algo na base do “amor ou ódio” ou do “ame-o ou deixe-o”, mas causa perplexidade e me faz pensar. Antes de mais nada, deixe-me dizer que sou apreciador do gênero brega, não perco os “especiais de fim de ano” e enlevado em frente da televisão espero o lançamento das rosas vermelhas no final dos shows. Cafonices à parte, gosto daqueles lances meio estranhos como “sou amante a moda antiga, do tipo que ainda manda flores” e devo confessar inclusive que chego às lágrimas com algumas canções pop/religiosas como “Nossa Senhora, me dê a mão” e até me pego balbuciando “Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui”. E como não ver graça quando apela para “os erros do meu português ruim” ou se posiciona “debaixo dos caracóis dos seus cabelos”. Mesmo aquela passagem dos “botões da blusa que você usava e meio confusa desabotoava”, até isto, eu deixo passar impunemente.

Mas – sempre tem um “mas” fatal, né?! – Mas, no meu caso, o que pega é a encrenca que ele armou com o excelente biógrafo e admirador, com o maior estudioso de sua vida, o analista mais arguto de sua produção musical, Paulo Cesar de Araújo. Tenho motivos de sobra para defender o autor do “Roberto Carlos em detalhes”, livro lançado em 2006. Sobretudo, por se tratar de obra exemplar sob o ponto de vista editorial e com conteúdo irretocável, esse livro se coloca entre os melhores textos analíticos de nossa cultura tão pouco dada às biografias. Confesso que o quilate do livro do Paulo Cesar não me causou surpresa, pois dele já conhecida uma publicação anterior “Eu não sou cachorro não: música cafona e ditadura militar”, de 2002. Desde então, acompanho as peripécias deste pesquisador incansável que, aliás, situa-se entre os melhores críticos musicais do Brasil.

É muito difícil compreender por que o “Roberto Carlos em detalhes” virou complicação. O fato é que a contenda do poderoso Rei provocou o maior e mais consequente processo sobre autoria biográfica da nossa história. Todos devem se lembrar da polêmica que se arrastou por anos – durou até 2015. Foi grande o nó atado pelo Rei, amarrando-o definitivamente ao seu súdito mais devotado. Tudo porque, Roberto Carlos se viu acima da lei, poderoso suficiente para achar que poderia usar a tesoura própria para censurar um texto produzido para homenageá-lo. Argumentando “invasão de privacidade”, e dizendo-se “dono da própria vida”, o Rei não conteve fúria para impedir a circulação do livro que, apesar de retirado de circulação pode ser acessado gratuitamente pela internet. E aquele foi um embate desigual: de um lado o biografado contando com o melhor aparato “de defesa”, advogados famosos, apoios prestigiados, e de outro o biógrafo que precisou ir ao Tribunal - de Niterói onde mora para São Paulo onde a ação fora ajuizada - de ônibus por não ter como arcar com as despesas.

O notável é que, mesmo assim, Paulo Cesar ganhou a causa em parecer importantíssimo exarado pela Ministra Carmem Silvia do Supremo Tribunal Federal. Convém lembrar que, desmedido, o Rei demandava indenização exorbitante, além de pedir a prisão do biógrafo por dois anos. Isso aos brados, alardeando “vocês pensam que podiam mesmo publicar essa biografia sem minha autorização? Com eu(sic) aqui, vivo?”

Algo teimoso, para nossa felicidade de leitores, isso motivou Paulo Cesar a registrar seu ponto de vista, e em 2014 lançou “O réu e o rei – minha história com Roberto Carlos, em detalhes”, páginas tradutoras de rara fineza explicativa. Para gaudio do público, agora, o mesmo Paulo Cesar coloca nas livrarias dois volumes de nova façanha biográfica, intitulada “Roberto Carlos, outra vez”, páginas escritas a partir de canções testemunhais da vida do Rei. Enquanto espero a oportunidade de leitura, pensando na trama que implica os dois lados dessa moeda agridoce me vem à cabeça uma espécie de trilha sonora, que certamente inspirou o biógrafo a se apropriar da canção que serve de mote ao título, composta pelo Rei com Isolda Bourdot, e que acompanha o roteiro que, tomara, continue iluminando os dois: “você foi o maior dos meus casos/ de todos os abraços/ o que eu nunca esqueci/ Você foi, dos amores que eu tive/ o mais complicado e o mais simples pra mim/ Você foi o melhor dos meus erros/ a mais estranha história/ que alguém já escreveu/ E é por essas e outras/ que a minha saudade faz lembrar/ de tudo outra vez...