domingo, 8 de maio de 2022

HERANÇA MATERNA ALBINA

Herança genética une família com albinismo de Santo André 

Com os olhos semicerrados por causa da luz do Sol, a maranhense Valdiana Santos Parga, 31 anos, observa a chegada dos dois filhos pequenos, que vêm correndo em sua direção. Angelo Gabriel Parga da Costa, 9, e Victoria Gabriela da Costa, 6, percorrem com agilidade as ruas esburacadas da comunidade Pintassilva, em Santo André, para entregar para a mãe os presentes que fizeram manualmente em homenagem ao Dia das Mães, celebrado hoje. A alegria do reencontro familiar é interrompida pela preocupação materna com os pequenos. “Vão colocar uma blusa porque está muito frio”, ordenou Valdiana, que precisa redobrar a atenção com as crianças devido ao albinismo, distúrbio genético hereditário que os três possuem. Essa história fecha a série produzida em três capítulos pelo Diário sobre as heranças maternas.


Devido à ausência de melanina no corpo, pigmento responsável pela coloração da pele, dos pelos e dos olhos, a família é conhecida no bairro como “alemães” ou “branquinhos” e enfrenta diversos problemas de saúde ocasionados pela condição genética, como dificuldade para enxergar, cicatrização demorada e recorrentes problemas na pele.


Valdiana irá realizar na próxima terça-feira cirurgia para remover três nódulos oriundos de câncer de pele – doença com maiores chances de desenvolver em pessoas albinas – e que acometeu pela quinta vez a mãe. Já a filha caçula foi diagnosticada com a mesma patologia neste ano e, antes de realizar a cirurgia de remoção, o caroço no seu peito desapareceu e os exames concluíram que não havia mais câncer – resultado que a mãe atribui à religião.

As condições climáticas também influenciam na vida social da família, que precisa evitar o Sol forte e as baixas temperaturas por conta da sensibilidade na pele e necessita passar durante o dia diversas vezes um protetor solar especial, com alto fator de proteção e, devido ao alto custo do item, ela não consegue comprar. “Dói muito não deixar meus filhos brincarem na rua. Evitamos ao máximo sair de manhã, mas em alguns casos não tem como evitar, como a ida à escola, por exemplo”, explica Valdiana. A restrição social e o isolamento quase que forçado unem ainda mais os três.

Enquanto a mãe conta as histórias da família, os filhos fazem questão de permanecer ao seu lado e acompanham atentos a todos os movimentos da mulher. Sorriem toda vez que ela os menciona nas frases e acenam com a cabeça quando concordam com o que foi dito. As crianças não entendem o porquê de os colegas de classe ou as crianças da rua não gostarem delas, mas os pequenos encontram em casa o amor e a proteção que precisam para não perderem o brilho nos olhos.

“Passei por uma infância muito difícil no Interior do Maranhão. Primeiro por causa do Sol forte. Precisava fugir de casa para poder brincar e, por conta da extrema pobreza que vivíamos, não tinha protetor solar na época. Depois pelo preconceito que era praticado na escola, pois as pessoas não entendiam minha cor e eram maldosas comigo. Hoje, quando meus filhos passam pela mesma situação, abraço eles o mais forte que puder e estou sempre disponível para dar colo. Amor é o que não falta”, conta, emocionada, a mãe, que herdou o albinismo da sua bisavó – única pessoa na família que tem o distúrbio genético.

A luta de Valdiana para defender os filhos é diária. Ela enfrenta dificuldades para colocar comida na mesa, já que a única renda da família é um salário mínimo, oriundo de benefício social pago pelo governo do Estado devido à sua condição médica. Além do albinismo, ela possui anemia falciforme (doença hereditária caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue). A moradia também é outra preocupação, já que o antigo barraco que a família morava desabou com as fortes chuvas de março e agora eles vivem em outro local, que não passa de 10 metros quadrados.

“Sempre sonhei em ser mãe e sou completamente doida pelos meus filhos. Uma vez fiquei internada por 40 dias por causa da anemia e fugi do hospital porque não aguentava mais de saudades deles. São crianças doces e que só querem brincar”, diz Valdiana, com um largo sorriso no rosto. Mesmo com as adversidades, o amor e a alegria sempre arrumam espaço na vida dos três, que exibem com orgulho a herança genética que receberam.

Desafios do albinismo

O albinismo é um distúrbio genético causado pela ausência total ou parcial de melanina no corpo (pigmento responsável pela coloração da pele, dos pelos e dos olhos). Entre as principais características de pessoas albinas estão pele, olhos, cabelos, cílios e demais pelos parcialmente ou completamente claros.

Evitar a exposição ao Sol é o principal cuidado para pessoas que possuem a condição genética, conforme afirma a dermatologista Flávia Maklouf. Ela ressalta que caso seja necessário sair debaixo do Sol, mesmo que fraco, a proteção com a pele precisa ser redobrada. “É importante usar protetores solares e roupas fechadas para proteger-se da radiação. Também são recomendados acessórios como chapéus, bonés e sombrinhas. As crianças não devem ser expostas ao Sol em nenhum momento, portanto, as atividades ao ar livre devem acontecer em períodos noturnos. Como a exposição ao Sol, algumas vezes, é nula, faz-se necessária a suplementação com vitamina D. Essa vitamina é a responsável pela manutenção de dentes e ossos, e sua ausência no organismo está relacionada com o raquitismo”, explica a médica.

Flávia reforça que quanto menos melanina for sintetizada no organismo, maior será o risco de ocorrerem queimaduras e câncer de pele devido à exposição solar. “Entre as principais complicações do albinismo estão câncer de pele e até cegueira”, comenta a especialista, que ainda reforça o uso de óculos escuros como forma de proteção. A médica dermatologista Fernanda Nichelle complementa: “Os albinos têm um risco maior de desenvolver problemas de saúde, principalmente câncer de pele e a cegueira, assim como o estrabismo, fotofobia. É importante que a pessoa com albinismo seja acompanhada regularmente por um oftalmologista e um dermatologista para prevenir qualquer complicação”, finaliza.
 

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