quinta-feira, 16 de março de 2023

PRIVILÉGIO ALBINO

 "Me sinto privilegiada", diz mãe de três crianças albinas

Stacey e Jason Chappel são pais de cinco filhos, dos quais três têm albinismo

Dos cinco filhos do casal britânico Stacey, 34, e Jason Chappell, 40, três nasceram com albinismo. A condição afeta a produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele, cabelos e olhos. Jay, 15, Leon-James, 3, e Amelia Grace, 1, usam óculos e têm deficiência visual. Eles também não podem sair de casa sem aplicar protetor solar fator 50 e a casa da família precisa ter cortinas blackout em todos os cômodos, já que a luz solar pode causar queimaduras graves nas crianças. Os outros dois irmãos, Sky, 13, e Lexi, 11, não têm a doença.

Apesar dos cuidados, Stacey se sente honrada em ter os três como filhos. “Eu me sinto privilegiada. Sou tão abençoada por tê-los, porque é uma condição rara”, declarou, em entrevista ao Metro UK. Ela também falou sobre a reação de estranhos, quando se deparam com as crianças na rua. “As pessoas dizem: 'Olha o cabelo dele, olha os cílios'. E eu falo: ‘Sim, ele tem albinismo’”, afirmou.
No entanto, não foi simples se habituar à rotina. Os pais, de South Tyneside, na Inglaterra, não sabiam nada sobre albinismo antes do diagnóstico dos filhos. Quando o filho mais velho, Jay, foi diagnosticado com apenas três semanas de idade, Stacey disse que “se culpava” pelo seu albinismo porque ela “o fez”. A mãe teve depressão pós-parto e inicialmente rejeitou a ajuda de outras pessoas, porque sentia que era sua responsabilidade cuidar do filho.
Stacey disse que as informações que eles receberam, na época, eram limitadas, mas eles faziam tudo o que podiam para apoiar o primogênito. “Como ele é nosso primeiro filho, foi uma curva de aprendizado”, disse Stacey. “Acho que foi mais desafiador quando ele começou a frequentar a escola - foi aí que começamos a pensar: 'Uau, isso é totalmente diferente'”, explicou.

Jay tem deficiência visual grave. Ele precisa usar fonte tamanho 36 para ler e, às vezes, tem problemas para sair ou atravessar a rua devido à sua visão reduzida. Diferentes condições climáticas – sol, chuva e neve – podem afetar a capacidade de Jay de identificar prédios, carros e trilhas, o que já causou vários acidentes. “À medida que crescia, ele sofria cada vez mais acidentes”, relata a mãe. “O que conseguimos ver a 3 mil metros de distância, ele só consegue ver a seis metros”, compara.
Quando Jay começou a estudar, a família passou a ter acesso ao apoio – tanto da equipe de deficientes visuais do conselho local quanto da Guide Dogs – a principal ONG do Reino Unido para pessoas com perda de visão.
Jay usa uma bengala para andar de forma independente. Ele também aprendeu a ler com as letras maiores e usar a tecnologia para facilitar sua vida. Os irmãos mais novos também receberam apoio. Leon-James está atualmente fazendo a transição do berçário para a escola primária, e Amelia-Grace participa das sessões My Time to Play, organizadas pela instituição de caridade, que ajudam crianças com perda de visão a desenvolver uma ampla gama de habilidades por meio da brincadeira.
As sessões também permitem que Stacey e Jason se conectem com outros pais de crianças com deficiência visual. "É tão bom conversar com alguém que entende você e seu filho", disse Stacey. “Ninguém está lá para julgar você e, às vezes, você se sente como se estivesse sendo julgado”, afirmou.
Ter albinismo também afeta a confiança. Segundo a mãe, Jay sofre de ansiedade e já ouviu comentários ofensivos de seus colegas. “Ele é muito tímido. Como aconteceram algumas coisas ruins com ele, ele acha que todo mundo vai ser desagradável”, continuou Stacey. “Tentar explicar que nem todo mundo é desagradável e que as pessoas estão lá para te ajudar, é tão difícil”, diz ela.
Leon-James, que, como o irmão, é deficiente visual, também já recebeu comentários ofensivos de estranhos. “Estávamos no supermercado e ele quase esbarrou em algumas pessoas. Pedi desculpas, mas a mulher disse: 'Não é de admirar que ele não consiga enxergar com esses óculos idiotas'”, conta.
Apesar dos desafios diários, a família espera que, ao falar mais abertamente sobre o albinismo, as pessoas pensem duas vezes antes de fazer comentários "desagradáveis". A mãe sente que muitas pessoas ignoram os desafios que as famílias podem enfrentar. Ela espera que as pessoas se conscientizem e tenham a mente mais aberta, desejando ajudar, em vez de desencorajar e julgar.
“Você conhece aquele ditado – nunca julgue um livro pela capa”, disse ela.

quinta-feira, 9 de março de 2023

HISTÓRIAS DE ALBINISMO GAÚCHO

Da infância à maturidade: como é viver com albinismo

No Brasil, não há estatísticas oficiais sobre este público



As poucas informações sobre o albinismo no Brasil são notadas também no Rio Grande do Sul. Os estudos populacionais não incluem o grupo, segundo o Departamento de Economia e Estatística, vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG). Por não ser uma condição compulsória - aquela que o serviço de saúde precisa notificar -, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) não tem levantamento sobre esse público, nem atendimento especializado. Além disso, o Estado não tem políticas públicas específicas para albinos.

GZH conta a história de quatro pessoas albinas que moram em Porto Alegre: um bebê, duas crianças e duas adultas.


Nasce um albino


Joaquim tem albinismo oculocutâneo, considerado o tipo mais comum
Jonathan Heckler / Agencia RBS

Menino é o primeiro filho do casal Diego e Luana, que mora no bairro Azenha, na Capital
Jonathan Heckler / Agencia RBS


Brinquedo é utilizado para estimular a visão do menino
Jonathan Heckler / Agencia RBS









Diego da Silva Diogo, 40 anos, deixou o trabalho no início da tarde de 25 de julho de 2022 para acompanhar o nascimento do filho Joaquim. A esposa, Luana Lima Latorre de Souza, 38, havia sido internada em um hospital de Porto Alegre para a cesariana, marcada para as 18h. O pai aguardou o procedimento na sala de parto e foi chamado para cortar o cordão umbilical, por volta das 19h40min.

— Quando cortei, vi que ele era bem branquinho, fiquei em choque, travado, sem saber o que fazer — recorda Diego.

O estranhamento do pai ocorreu porque ele e a mãe têm pele morena e cabelo escuro, que é distinta do que viram no recém-nascido. A dúvida ficou entre o casal, e a equipe médica não lhes deu uma resposta naquele momento.

— Estávamos surpresos. A obstetra limpava, e ele ficava cada vez mais branco. Quando notei os cílios, nos olhamos e comentamos que só podia ser albino — diz a Luana.

Depois da alta hospitalar, um exame oftalmológico confirmou o diagnóstico para albinismo. No caso de Joaquim, o tipo identificado foi o oculocutâneo, o mais comum, que afeta pele, cabelo e olhos. Do “susto” no parto, o casal que mora no bairro Azenha, na Capital, passou à fase de colher informações sobre como lidar com um filho albino.


Eles sabiam que existiam pessoas com a condição porque Luana conhecia a mãe de duas crianças com albinismo (leia a história nesta reportagem) em Porto Alegre. Fora a conhecida, o casal relata ter buscado, sem sucesso, aconselhamento de um profissional especialista nesse tipo de atendimento.


— Não encontramos aqui (em Porto Alegre) alguém que conhecesse a fundo o assunto, que trabalhasse com albinos. Não tivemos base para buscar dentro de um hospital, encontramos informações na internet. O Google foi quem mais nos ajudou — resume a mãe.


Conhecer as consequências do albinismo na vida da pessoa é importante porque a condição é acompanhada por problemas de baixa visão e, em caso de descuido, pode causar doenças graves na pele. Por isso, os pais levaram Joaquim a uma oftalmologista especialista em baixa visão logo depois do nascimento.

A profissional indicou que o menino fosse encaminhado para sessões de estimulação visual precoce. No caso de Joaquim, esse trabalho busca reduzir o impacto do nistagmo — um movimento descontrolado dos olhos que dificulta a focalização da imagem — na visão da criança. Por isso, o bebê, com sete meses, é levado para atividades semanais na União de Cegos do Rio Grande do Sul (Ucergs), na Capital, e a uma clínica particular especializada em baixa visão em Caxias do Sul, na Serra.

Outra alteração causada pelo albinismo é a fotofobia (ou sensibilidade à luz), condição que faz o casal evitar sair à rua em períodos de sol e manter ambientes com iluminação reduzida em casa para não incomodar a criança. Os óculos escuros, adaptados por não haver um de tamanho específico para recém-nascidos, também fazem parte da rotina contra a fotofobia desde o segundo mês de vida.
— Ele gosta muito da noite. É a hora que abre o olho confortavelmente. Durante o dia, ele tende a dormir mais — relata Luana.

Os cuidados com os olhos são somados à atenção com a pele do menino que, pela deficiência na produção de melanina, fica exposta à ação de raios ultravioleta. Sem a defesa natural, é preciso usar algum tipo protetor solar, para evitar queimaduras, câncer e envelhecimento precoce.

Os pais foram aconselhados a não aplicar o protetor no menino até os seis meses de vida. Por isso, a cada saída, a criança era protegida com roupas para evitar a exposição da pele.
Além da atenção com a saúde do filho, o casal também precisa lidar com a curiosidade na rua. Alguns não entendem como Diego, por ser moreno, é o pai da criança; outras estranham quando veem mãe e filho na rua: há até quem pense que Joaquim é um boneco.
Os relatos, até o momento, estão ligados ao estranhamento de pessoas, e não em tom de preconceito ou discriminação, diz o casal. Ao falar de sua principal preocupação com o futuro do filho, Luana assegura que não são os aspectos da saúde, mas a possibilidade de que curiosidade de hoje mude para discriminação no futuro.
— Meu maior medo quando o vejo crescendo é o preconceito, do que vão falar. Não temos como fazer com que todo mundo trabalhe isso com os filhos em casa, mas vamos trabalhar com ele, para que tenha noção de que é diferente, e que o diferente faz parte do todo — comenta a mãe.
Casais que tiveram uma criança com albinismo têm 25% de chance de ter o segundo filho com a condição. Para Diego, esse fato não influencia o planejamento da família:

— Não deixaríamos de ter um filho com o medo da possibilidade de ele ser albino.

Os irmãos albinos


Francisco e Maria usam óculos e bonés quando vão ao parque: proteger a pele é essencial para a saúde de albinos
Jonathan Heckler / Agencia RBS

Protetor solar é item de uso diários na rotina dos irmãos
Jonathan Heckler / Agencia RBS

Francisco brinca no Parque da Redenção sem se descuidar da proteção
Jonathan Heckler / Agencia RBS








Ana Carolina Rieck Duarte, 35 anos, pediu para que a entrevista com GZH fosse feita no Parque Farroupilha (Redenção), em Porto Alegre, antes das 10h ou depois das 16h. A solicitação quis evitar que os filhos Francisco Rieck Campos, 5 anos, e Maria Rieck Campos, de 6, não fossem expostos à parte do dia com grande incidência de raios ultravioleta, principais responsáveis pelo surgimento do câncer da pele. Esse cuidado é indicado para todas as pessoas, mas evitar a exposição à radiação solar no horário é um dos hábitos mais importantes para a saúde de pessoas albinas, como é o caso dos filhos de Ana Carolina.
— Os amigos sabem que têm de acordar cedo ou esperar o fim da tarde para ver os dois, porque eles ficam “presos” em casa. E, quando saem, é com uma parafernália: óculos, chapéu, camiseta UV e protetor solar — explica a mãe.
Em um dos parquinhos da Redenção, os irmãos brincavam com outras crianças, sob supervisão da mãe, no fim de dezembro passado. Para evitar a exposição dos olhos à luz, ambos usavam óculos escuros; na cabeça, a dupla vestia chapéus para proteger o couro cabeludo. Além disso, a baixa visão de ambos requer alertas periódicos da mãe:
— O que mais falo na minha vida todos os dias é a frase: “Olha para o chão!”. Eles tropeçam e caem muito, comparados aos amigos da mesma idade.
Na mochila, Ana Carolina levava um protetor solar infantil fator 50, que protege a pele dos raios ultravioleta A e B. O valor do protetor é uma das dificuldades de quem é albino: o produto utilizado pelos irmãos custa por volta de R$ 90 em farmácias, e foi obtido junto à administração municipal por meio de um processo judicial que demorou cerca de sete meses. Dez frascos foram liberados para as crianças, quantidade que deve durar quatro meses.
A demora tem uma explicação: segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), no Brasil, apenas os Estados de Alagoas e Bahia têm políticas públicas específicas para o público. O único Projeto de Lei (PL) que trata dos direitos das pessoas com albinismo é o 7.762/2014, do senador Eduardo Amorim (PSC/SE), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Albinismo. Segundo o site da Câmara dos Deputados, o PL está parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) desde março de 2021.
Entre outros pontos, o PL propõe a elaboração e implementação de um cadastro nacional, porque esse levantamento não é feito no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que impossibilita identificar o número de albinos no país.
O PL trata do acesso gratuito a protetor solar e atendimento dermatológico especializado, atendimento oftalmológico, distribuição de lentes especiais e capacitação de servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento à população com albinismo. No Rio Grande do Sul, um projeto de lei de 2010, do então deputado estadual Jerônimo Goergen (PP), propunha a distribuição da loção nos postos de saúde do Estado. O texto, no entanto, foi arquivado devido ao fim da legislatura.

Informar e conscientizar
Depois do nascimento de Maria, a família se mudou para Governador Celso Ramos, no litoral de Santa Catarina, onde Ana Carolina criou um perfil no Instagram chamado Albinismo Sem Fronteira. “Criando dois irmãos albinos. Conscientizar!” é a descrição da página, que é atualizada com as atividades dos filhos e informações sobre albinismo.
A mãe diz que a ideia surgiu por ter encontrado poucos conteúdos sobre o assunto nas buscas feitas após os primeiros anos de vida dos irmãos. O perfil colocou-a em contato com pessoas de diferentes pontos do país, que também relatam dificuldades e incertezas:
— Criei porque sabia o quão foi difícil ter informações. Comecei a postar de forma resumida o que aprendi. Recebi muitas mensagens de mães chorando, dizendo que não sabiam se o filho era albino, que diziam que os médicos também não sabiam.
Quando a menina nasceu, Ana Carolina estava na situação na qual os pais de Joaquim estão hoje: se quisesse ter outro filho com o mesmo companheiro, a chance de nascer mais um albino era de 25%. Pai e mãe não se preocuparam com o fato e decidiram que Maria teria um irmão um ano e alguns meses mais jovem.
—Para mim, era indiferente. Se o segundo filho nascesse albino, seria bom para a Maria, porque ela teria um irmão igual a ela, para crescer junto, um ajudar o outro — acrescenta.

Mascarar o albinismo


Bianca Brandalise mora na zona norte de Porto Alegre
Jonathan Heckler / Agencia RBS

Na adolescência, a jovem pintou o cabelo por se incomodar com piadas
Jonathan Heckler / Agencia RBS

Albinos têm cabelo e cílios claros devido à falta de melanina
Jonathan Heckler / Agencia RBS






Aos 14 anos, Bianca Brandalise estava incomodada por ser alvo de piadas, comparações e olhares curiosos: o cabelo típico de uma pessoa albina chamava atenção, fazia dela a “diferente” na rua, nos espaços frequentados. Por isso, optou por escurecer o cabelo, sobrancelhas e cílios, como uma forma de deixá-la "fora do foco".
— Quando somos adolescentes queremos pertencer a um grupo, parecer com os outros. Eu não queria chamar atenção por conta do cabelo, era uma característica que, na época, eu não conseguia ver com bons olhos — relata Bianca, hoje com 26 anos, engenheira eletricista e moradora da zona norte de Porto Alegre.
Episódios de discriminação são comuns em indivíduos do grupo em todo o mundo, e dificultam a inserção de pessoas com albinismo na sociedade, afirmou Ikponwosa Ero, relatora independente da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos de albinos, durante visita ao Brasil em 2019.
Naquele ano, a especialista agregou que essas circunstâncias causam “vulnerabilidade e marginalização” dessa parcela da população. No caso de Bianca, a saída para não ficar sozinha foi participar de pequenos grupos para “suportar a situação” na escola, na companhia de colegas que, a exemplo dela, sentiam-se apartados do restante da turma.
Somada à parte física, havia a baixa visão da jovem, que impedia que a estudante enxergasse o conteúdo escrito pelo professor no quadro, ainda que sentada nas primeiras carteiras. Essa dificuldade foi outro fator a contribuir para mantê-la afastada dos outros estudantes.
— A educação não está preparada para lidar com o bullying, o preconceito e com o aluno que é diferente. Situações que não eram corretas aconteciam na escola, não por maldade, mas os professores não sabiam lidar com um aluno com alguma limitação física, cognitiva. Isso se torna algo bastante complicado — pontua.
Bianca recebeu o diagnóstico de albinismo logo depois do nascimento. Mas, segundo ela, à época, os pais tinham poucas informações sobre como lidar com o fato. A jovem diz que a família foi "assustada" com orientações ruins de profissionais consultados: disseram que a menina não poderia ler e escrever, seria incapaz de acompanhar os colegas na escola, desenvolveria limitações físicas, teria de se resguardar do sol de forma extrema.
A jovem mudou-se sozinha de Caxias do Sul, onde viveu até os 16 anos, para estudar Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. No Ensino Superior, o problema da visão seguia, mas ela ganhou aliados nos estudos: telefones celulares e tablets foram utilizados para fotografar o conteúdo do quadro para, depois, ampliar a foto nos dispositivos. Assim, ela conseguia enxergar melhor os materiais das disciplinas.
Na Capital, ela seguia com o cabelo em tom mais escuro, condição que só mudou durante intercâmbio para estudar Engenharia Biomédica na França. Bianca seguiu na Europa por quase três anos. O contato com outras culturas, pessoas e lugares fez com que ela mudasse a percepção das características físicas e abandonasse, aos 21 anos, o hábito de esconder a condição.
— Consegui me conhecer, me aceitar como sou naturalmente. Resolvi deixar o cabelo voltar à cor original, com a intenção de ver se me adaptava e gostava. Agora, não me imagino escurecendo o cabelo para mascarar essa característica, que hoje vejo como algo único, que vejo beleza, apesar de ser diferente — destaca.

Albina sem saber


Leila Marques trabalha no hospital Conceição, em Porto Alegre, desde 1988
Mateus Bruxel / Agencia RBS


Por conta da baixa visão, a telefonista precisar alterar o tamanho das letras do computador do trabalho
Mateus Bruxel / Agencia RBS

Leila diz que começou a cuidar da pele apenas quando já era adulta
Mateus Bruxel / Agencia RBS









Duas décadas é o tempo que demorou entre o nascimento de Leila Marques e o dia em que ela ouviu a palavra albinismo pela primeira vez. Hoje, aos 59 anos, com quase um terço de vida sem cuidados adequados para a condição, está convicta quanto ao fato de estar viva e com boa saúde:


— Tive sorte!


A história de Leila está vinculada à da irmã, um ano mais nova, também albina, que trata um câncer de pulmão que, segundo ela, pode ter tido origem em um câncer de pele. As duas cresceram em Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre, nas décadas de 1960 e 1970, com outras duas irmãs com pigmentação normal.


Se hoje existe a reclamação de pouco conhecimento da população sobre o albinismo, há meio século nem sequer se sabia que a condição demandava cuidados além de não se expor à radiação solar e evitar bolhas na pele. Leila relata que ela e a irmã foram integradas às atividades da família e à escola sem qualquer conhecimento sobre o albinismo. E, a exemplo dos outros entrevistados nesta reportagem, convive com a baixa visão desde o nascimento, limitação que era desrespeitada em sala de aula.
— Eu não enxergava, e a professora puxava a minha orelha, colocava no caderno que eu não fazia nada. Era tachada de burra porque não aprendia. Tive de largar a escola porque não avançava, não tinha nada adaptado para mim, fiquei patinando. Comecei a trabalhar de (empregada) doméstica aos 14 anos — conta.
A falta de um ambiente adequado de ensino fez com que ela fosse alfabetizada em casa aos 11 anos por iniciativa de um primo. Situação similar ocorreu com a irmã, que teve de lidar com os mesmos empecilhos na escola.
A vida de Leila começou a mudar aos 18 anos, ao ouvir uma reportagem na Rádio Gaúcha sobre a Associação de Cegos Louis Braille, na Capital. A organização oferecia meios de estudo para pessoas com baixa visão.
— Meu mundo se abriu, terminei meus estudos e fui para o mercado de trabalho. Ali (na associação) me encontrei com meus pares, com pessoas que tinham a mesma dificuldade que a minha e que precisavam apenas de um caminho — diz.
Adultas e conscientes do albinismo, ela e a irmã iniciaram tratamento e acompanhamento médico em um hospital de Porto Alegre. Foi apenas nesse período que começaram a usar protetor solar, o principal escudo dos albinos contra o desenvolvimento de doenças graves na pele. No entanto, ela recorda que, à época, teve acesso apenas ao protetor com fator 15, distante dos mais utilizados por portadores da condição hoje, os de fator 50.
No mesmo período, Leila iniciou a prática do atletismo e, com os bons resultados, integrou a delegação brasileira que participou das Paralimpíadas de 1988, em Seul, na Coreia do Sul, e de 1992, em Barcelona, na Espanha. A baixa visão não impediu que a moradora da zona norte de Porto Alegre continuasse os estudos: ela é formada em História e Geografia pela Uniasselvi.
Leila trabalha desde os 25 anos no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, onde é telefonista. Essa condição faz dela parte de uma minoria dentro do grupo de albinos no mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas, apenas 10% dos albinos estão empregados de maneira formal. A situação piora para moradores de áreas rurais e quilombos: isso faz com que a maioria dos albinos dependa de benefícios de assistência social, diz a entidade global.
Leila diz não deixar de fazer nenhuma atividade por ser albina: frequenta praia, viaja, trabalha, mas ressalta que teve de conviver com episódios de discriminação durante toda a vida, em especial na juventude:
— Eu sinto menos hoje, mas sofri muito com o preconceito, de as pessoas não entenderem porque sou assim, o cabelo, a pele, os olhos. Ouvi muitas piadas. A minha irmã nem saía de casa. As pessoas se incomodam com o diferente, mas nem todo mundo é igual.

domingo, 5 de março de 2023

ALBINA VENCEDORA

Mulher albina supera bullying e ganha concurso de beleza no Reino Unido


Inglesa que sofre com falta de pigmentação na pele e no cabelo foi eleita a Modelo Alternativa do Ano, no Reino Unido


A total ausência de pigmento na pele, no cabelo e nos olhos sempre fizeram da inglesa Sarah Wright, hoje com 18 anos, uma criança bem diferente das outras. Portadora de albinismo, ela passou a maior parte de sua infância e adolescência se escondendo do sol e das pessoas que praticavam bullying com sua imagem. Em entrevista ao jornal Daily Mail, Sarah contou que alguns colegas da escola chegaram a jogar pedras e latas de bebida para assustá-la. "Todos diziam para minha mãe que eu não seria capaz de fazer as coisas que os outros faziam. Mas ela recusava-se a ouvir e me incentivava a participar de todas as atividades, principalmente quando eu era criança", contou.

Quando alcançou o segundo grau, os olhares preconceituosos sob Sarah aumentaram. Além das brincadeiras de mau gosto dos outros estudantes, a inglesa também foi vítima de cyber bullying. O assédio moral continuou por anos e fez Sarah sentir-se feia e sem valor. O cabelo comprido transformou-se no principal esconderijo da jovem, que cobria o rosto sempre que podia.

A situação começou a mudar quando uma amiga da inglesa lhe deu algumas dicas de maquiagem. Já na faculdade, Sarah cortou o cabelo e diariamente se aventurava pelo universo das sombras, blushes e batons. Foi aí que apareceu a oportunidade de se inscrever em um concurso de beleza, o Modelo Alternativa do Ano de 2013. "Quando chegou o dia dos desfiles, estava petrificada, mal conseguia andar pelo palco", relembra. O nervosismo não impediu que ela ganhasse não só a coroa de primeiro lugar, mas também um contrato para iniciar a carreira de modelo.

"Estou feliz que consegui provar aos que me agrediram que eles estavam errados. Durante anos eles fizeram da minha vida um inferno. Agora sei que não preciso me esconder, tenho orgulho de quem eu sou".

A SUPERAÇÃO DE THIELLE LUIZE

 Atriz negra albina fala sobre preconceito: ‘Tratam como doença’

Thielle Luize, que esteve nas novelas ‘Cara e Coragem’ e ‘Todas as Flores’, fala sobre conscientização do albinismo e o questionamento racial: ‘As pessoas vivem dizendo que sou branca. Não é verdade. Minha mãe é negra, meu pai é negro, toda a minha família é negra’

 


Desde criança, Thielle Luize chama a atenção por onde passa. Recebe olhares curiosos, fascinados e até mesmo pouco amigáveis. Mesmo adulta, a influenciadora, que se tornou conhecida no TikTok por falar sobre albinismo, relata momentos que a machucam.

“Aqui no Rio, os ônibus são muito cheios, e raramente alguém senta do meu lado. Isso já aconteceu diversas vezes. Quem normalmente senta perto de mim são pessoas negras, com certeza por entenderem o que é discriminação. Hoje não me importo muito, mas já chorei demais”, diz ela, em entrevista a Marie Claire.

O preconceito se dá pela falta de conhecimento. De acordo com a OLA (Organização Latino-Americana de Albinismo), o albismo é uma condição genética que se caracteriza pela ausência total ou parcial da enzima responsável na síntese da melanina. “As pessoas não entendem, o albinismo é algo normal, é apenas a ausência de melanina, mas tratam como doença”, fala ela.

Thielle cresceu sem referências na televisão, mas acabou abrindo caminho como uma das primeiras albinas a atuar em um folhetim. Em Cara e Coragem, ela interpretou uma das integrantes do clube do terno laranja, um grupo de apoio a mulheres que passam por diferentes necessidades.

Para a jovem, foi uma surpresa ser convidada para entrar em cena. “Eu já havia gravado um clipe, mas essa foi a primeira vez que fiz novela. Nunca fui muito de sair e, quando as filmagens começaram, entrei em contato com diversas pessoas que nunca havia visto. Foi um baque, principalmente no momento em que fomos tirar uma foto em que aparecia na novela. A diretora pediu que eu ficasse bem na frente, e na hora pensei: ‘Será que não vou chamar muito a atenção?’’. E ela me respondeu: ‘E não é essa a intenção? É importante mostrar que um grupo não é formado por pessoas iguais”, relatou Thielle, que também participou de Todas as Flores, do Globoplay.

 


'Mesmo que as críticas venham, não posso parar'

O trabalho na novela fez com que ela confirmasse que estava pronta para encarar o mundo, mas o reconhecimento mesmo veio antes, por meio do TikTok. Em sua conta na rede social, Thielle fala sobre os desafios enfrentados por uma mulher negra albina.

Quem a motivou foi sua mãe e os diversos comentários que recebia no Instagram sobre albinismo. “Fiz o vídeo com muita vergonha, postei, e não olhei mais. Quem viu a repercussão, com mais de 2 milhões de visualizações, foi minha mãe. Na hora em que li alguns comentários bem desagradáveis, pensei em nunca mais gravar. Mas entendi que agora era ainda mais necessário que não me calasse."

No vídeo em questão, Thielle fala sobre o fato de muitos pedirem para tocar a sua pele por nunca terem visto uma pessoa albina de perto antes. “Isso acontece! Às vezes a pessoa já chega e começa a falar encostando. Por isso é tão importante, para mim, ajudar outros albinos. Mesmo que as críticas venham, não posso parar.”

Na rede, ela também gosta de frisar que é uma mulher negra. “As pessoas vivem dizendo que sou branca e ponto. Não é verdade. É preciso ver o traço da família. Minha mãe é negra, meu pai é negro, toda a minha família é negra. Tenho traços negróides, boca, nariz, formato do rosto. É fácil reconhecer um negro albino, é só olhar para os traços”, diz.

De acordo com estudos publicados pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, em média uma a cada 17 mil pessoas tem albinismo no mundo todo, e a condição rara afeta com mais frequência pessoas negras. Conforme estimativa da SAPS (Secretaria de Atenção Primária à Saúde), aproximadamente 21 mil brasileiros são albinos, com maioria no Maranhão, local com a maior comunidade de albinos do país.

Pela falta de discussão sobre o albinismo na mídia e nas redes, Thielle conta que recebe dúvidas inusitadas. “Na novela, apareci toda maquiada, e as pessoas não sabiam que maquiagem pega na pele de albino, me perguntaram muito isso. E pega, claro, é normal. Também me questionam sobre pintar o cabelo, se a tinta funciona. Óbvio que sim. É cabelo como qualquer outro. Já pintei o meu de vermelho quando criança e garanto que dá certo.”

 


'Comecei a me aceitar depois que tive a minha filha'

 A aceitação de Thielle veio de mãos dadas com a maternidade. Mãe de dois filhos, ela conta que precisou ser forte por eles. “Comecei a me aceitar depois que tive a minha filha. Tenho dois filhos, tento não deixar que as pessoas me abalem. Eles são a minha força.”

“Ontem, a minha filha me disse que tem um trabalho para fazer do Dia da Mulher e precisou citar uma mulher inspiradora. Ela comentou que falou sobre mim, por me ver como uma pessoa forte, que nunca abaixa a cabeça. Isso me emocionou demais. Os meus filhos, infelizmente, já me viram passando por situações de preconceito com agressão verbal”, desabafou.

Agora, após o reconhecimento e a participação em uma novela, Thielle planeja seguir usando as suas redes sociais para a conscientização. “Quanto mais a gente expõe e fala sobre o assunto, mais ensina.”

https://revistamarieclaire.globo.com/retratos/noticia/2023/03/atriz-negra-albina-fala-sobre-preconceito-tratam-como-doenca.ghtml

quarta-feira, 1 de março de 2023

ATOR ALBINO NA GLOBO

 Globo lança ator mirim albino para papel de destaque em Terra e Paixão

A Globo definiu um dos papéis importantes de Terra e Paixão. Felipe Melquíades foi confirmado no elenco da novela de Walcyr Carrasco como o pequeno Cristian. O autor da próxima trama das 9 preparou um núcleo no folhetim para tratar sobre albinismo. Paulista, o ator mirim de 10 anos passou por vários testes.

O garoto ganhou o papel do filho de Débora Falabella e Ângelo Antonio. Ele e sua família partiram para o Rio de Janeiro para o início das gravações de Terra e Paixão, em estúdio, a partir do mês que vem, segundo informações da jornalista Patricia Kogut, do jornal O Globo.

Para a história, Walcyr Carrasco colocou alguns ingredientes polêmicos: bullying na escola e problemas de aceitação. O novelista ainda pensou no problema enfrentado por albinos com o sol forte, especialmente no clima típico da região do Mato Grosso do Sul.
Globo grava Terra e Paixão no Centro-Oeste

No início deste mês, a Globo acelerou as gravações da próxima novela do horário nobre com gravações em regiões do Mato Grosso do Sul, com cenas envolvendo Cauã Reymond, Johnny Massaro, Bárbara Reis, Agatha Moreira e Tony Ramos.

A emissora da família Marinho marcou para o dia 8 de maio a estreia da novela, que antes mesmo do primeiro capítulo recebeu a missão de elevar os índices de audiência de Travessia, atual fracasso do horário.