Atriz negra albina fala sobre preconceito: ‘Tratam como doença’
Thielle Luize, que esteve nas novelas ‘Cara e Coragem’ e ‘Todas as Flores’, fala sobre conscientização do albinismo e o questionamento racial: ‘As pessoas vivem dizendo que sou branca. Não é verdade. Minha mãe é negra, meu pai é negro, toda a minha família é negra’
Desde criança, Thielle Luize chama a atenção por onde passa. Recebe olhares curiosos, fascinados e até mesmo pouco amigáveis. Mesmo adulta, a influenciadora, que se tornou conhecida no TikTok por falar sobre albinismo, relata momentos que a machucam.
“Aqui no Rio, os ônibus são muito cheios, e raramente alguém
senta do meu lado. Isso já aconteceu diversas vezes. Quem normalmente senta
perto de mim são pessoas negras, com certeza por entenderem o que é
discriminação. Hoje não me importo muito, mas já chorei demais”, diz ela, em
entrevista a Marie Claire.
O preconceito se dá pela falta de conhecimento. De acordo
com a OLA (Organização Latino-Americana de Albinismo), o albismo é uma condição
genética que se caracteriza pela ausência total ou parcial da enzima
responsável na síntese da melanina. “As pessoas não entendem, o albinismo é
algo normal, é apenas a ausência de melanina, mas tratam como doença”, fala
ela.
Thielle cresceu sem referências na televisão, mas acabou
abrindo caminho como uma das primeiras albinas a atuar em um folhetim. Em Cara
e Coragem, ela interpretou uma das integrantes do clube do terno laranja, um
grupo de apoio a mulheres que passam por diferentes necessidades.
Para a jovem, foi uma surpresa ser convidada para entrar em
cena. “Eu já havia gravado um clipe, mas essa foi a primeira vez que fiz
novela. Nunca fui muito de sair e, quando as filmagens começaram, entrei em
contato com diversas pessoas que nunca havia visto. Foi um baque,
principalmente no momento em que fomos tirar uma foto em que aparecia na
novela. A diretora pediu que eu ficasse bem na frente, e na hora pensei: ‘Será
que não vou chamar muito a atenção?’’. E ela me respondeu: ‘E não é essa a
intenção? É importante mostrar que um grupo não é formado por pessoas iguais”,
relatou Thielle, que também participou de Todas as Flores, do Globoplay.
'Mesmo que as críticas venham, não posso parar'
O trabalho na novela fez com que ela confirmasse que estava
pronta para encarar o mundo, mas o reconhecimento mesmo veio antes, por meio do
TikTok. Em sua conta na rede social, Thielle fala sobre os desafios enfrentados
por uma mulher negra albina.
Quem a motivou foi sua mãe e os diversos comentários que
recebia no Instagram sobre albinismo. “Fiz o vídeo com muita vergonha, postei,
e não olhei mais. Quem viu a repercussão, com mais de 2 milhões de
visualizações, foi minha mãe. Na hora em que li alguns comentários bem
desagradáveis, pensei em nunca mais gravar. Mas entendi que agora era ainda
mais necessário que não me calasse."
No vídeo em questão, Thielle fala sobre o fato de muitos
pedirem para tocar a sua pele por nunca terem visto uma pessoa albina de perto
antes. “Isso acontece! Às vezes a pessoa já chega e começa a falar encostando.
Por isso é tão importante, para mim, ajudar outros albinos. Mesmo que as
críticas venham, não posso parar.”
Na rede, ela também gosta de frisar que é uma mulher negra.
“As pessoas vivem dizendo que sou branca e ponto. Não é verdade. É preciso ver
o traço da família. Minha mãe é negra, meu pai é negro, toda a minha família é
negra. Tenho traços negróides, boca, nariz, formato do rosto. É fácil
reconhecer um negro albino, é só olhar para os traços”, diz.
De acordo com estudos publicados pelo Instituto Nacional de
Saúde dos EUA, em média uma a cada 17 mil pessoas tem albinismo no mundo todo,
e a condição rara afeta com mais frequência pessoas negras. Conforme estimativa
da SAPS (Secretaria de Atenção Primária à Saúde), aproximadamente 21 mil brasileiros
são albinos, com maioria no Maranhão, local com a maior comunidade de albinos
do país.
Pela falta de discussão sobre o albinismo na mídia e nas
redes, Thielle conta que recebe dúvidas inusitadas. “Na novela, apareci toda
maquiada, e as pessoas não sabiam que maquiagem pega na pele de albino, me
perguntaram muito isso. E pega, claro, é normal. Também me questionam sobre
pintar o cabelo, se a tinta funciona. Óbvio que sim. É cabelo como qualquer
outro. Já pintei o meu de vermelho quando criança e garanto que dá certo.”
'Comecei a me aceitar depois que tive a minha filha'
“Ontem, a minha filha me disse que tem um trabalho para
fazer do Dia da Mulher e precisou citar uma mulher inspiradora. Ela comentou
que falou sobre mim, por me ver como uma pessoa forte, que nunca abaixa a
cabeça. Isso me emocionou demais. Os meus filhos, infelizmente, já me viram
passando por situações de preconceito com agressão verbal”, desabafou.
Agora, após o reconhecimento e a participação em uma novela,
Thielle planeja seguir usando as suas redes sociais para a conscientização.
“Quanto mais a gente expõe e fala sobre o assunto, mais ensina.”
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