segunda-feira, 24 de março de 2025

A ACEITAÇÃO DE JULIANA

Influenciadora negra albina reflete sobre reconhecimento racial: 'Não entendia muito bem os meus traços'

Juliana viveu um processo de autodescoberta, superando as dificuldades de se aceitar como mulher negra e albina. Desde criança, lidava com o olhar alheio e os desafios de sua condição genética, mas com o tempo se encontrou. A Marie Claire, ela conta sua experiência: 'Eu mesma me privava de ir a lugares por causa do albinismo'


Juliana Andrade compartilha suas experiências nas redes sociais — Foto: Reprodução/ Instagram

Juliana Andrade, 21, está acostumada a chamar atenção por onde passa desde criança. A paulista nasceu com albinismo, uma condição genética que se caracteriza pela ausência total ou parcial da enzima responsável na síntese da melanina. Com o passar dos anos e o ganho de maturidade, se entendeu também como uma mulher negra.

“Para mim, foi um processo de descoberta. Eu só achava que era albina, então não entendia muito bem os meus traços. O porquê do meu cabelo crespo, o motivo do meu nariz, enfim, dos meus traços no rosto”, diz ela, em entrevista a Marie Claire.

De acordo com estudos publicados pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, em média uma a cada 17 mil pessoas têm albinismo no mundo todo, e a condição rara afeta com mais frequência pessoas negras.

Aos 13 anos, Juliana entrou para uma agência de modelos em São Paulo, local que foi importante para seu letramento racial. Antes disso, no entanto, suas características passaram a ser motivo de desconforto para ela. “Eu demorei um pouco para entender, até porque teve um período em que eu não queria ser albina, tentava disfarçar”, conta.

Além de não aceitar suas características como albina, ela também questionava os seus traços raciais. “Quando eu era bem pequenininha, a minha maior vontade era ter cabelo liso. Só que, além de ter o cabelo crespo e cacheado, meu cabelo era bem curtinho. Tinha a questão do meu nariz. Ele é grande, e antes eu queria muito fazer uma cirurgia para deixá-lo mais arredondado.”

Logo quando entrou na empresa, a jovem teve outros exemplos para se inspirar. “Fiz aulas de passarela e meu professor tinha dread. Eu achava isso muito legal. Foi nessa época que comecei a deixar meu cabelo crescer e cuidar dele sozinha. Como fui conhecendo várias pessoas, e várias mulheres negras, acabei vendo muitas albinas no Instagram também. Foi aí que comecei a me achar bonita. Depois de entrar na agência, passei a me sentir assim”.

“Foi um processo demorado. Mas, quando entendi, foi algo natural. Fui pesquisando e descobri que eu me encaixava naquele universo, com aquelas mulheres negras albinas. Hoje eu aceito meus traços, assim como aceito meu cabelo, que não tenho mais vontade de alisar. A partir daquela época comecei a me aceitar.”

Jovem passou por processo até aceitar seus traços — Foto: Reprodução/ Instagram

"Já sabia que ia ser o centro das atenções"

Por conta do albinismo, Juliana tem apenas 45% de sua visão. Esse é um dos pontos mais complicados para ela da condição genética. “A pele também é difícil. Preciso tomar muito cuidado com o sol, porque queima fácil, mas, sinceramente, o que eu mais acho ruim mesmo é a questão da vista.”

Em relação a sua aparência, a jovem lembra que era tratada diferente dependendo do lugar em que estava. “Normalmente, as pessoas zoavam. Meu pai sempre me ensinou a lidar bem com isso. Por isso, eu ignorava, fingia que não me importava, mesmo quando, na verdade, me importava.”

“Com o tempo, muitos acabavam se acostumando e paravam de me zoar. Eu me tornava apenas mais uma pessoa na escola, sem chamar tanta atenção. No começo, era bem difícil, porque já sabia que ia ser o centro das atenções. Estudei em nove escolas e, em cada uma, tinha muitas piadinhas e coisas do tipo.”

Já em outra escola, a paulista se lembra de “todo mundo querer ser seu amigo” por ela ser albina. “As pessoas me elogiavam por conta da minha cor e do meu cabelo. Acho que a maioria nunca tinha conhecido alguém albino. Tem lugares onde sou muito bem recepcionada porque as pessoas me acham linda e outros onde não sou bem tratada, principalmente porque me acham estranha.”


A representatividade nas redes sociais
Pela falta de discussão sobre o albinismo nas redes sociais, Juliana recebe muitas perguntas nas redes sociais e até mesmo comentários pejorativos. “Quando entrei nesse assunto, alguém me perguntou se eu era negra ou albina, e eu respondi que sim. Depois disso, recebi vários comentários de pessoas que não entendiam e, além de não entenderem, não aceitavam. Desconsideravam tudo o que eu passei e o que sou”, diz.

“Desde 2020, quando comecei a seguir alguns perfis de albinos, eu achava muito interessante. Tinha muita vontade de fazer o mesmo [conteúdo], só que ficava receosa de receber muitos comentários ruins.”
Juliana cria conteúdo sobre albinismo nas redes sociais — Foto: Reprodução/ Instagram

Mesmo assim, ela passou a levar seus vídeos mais a sério. “Era uma coisa que não dava para esconder. As pessoas me perguntavam, queriam saber, falavam sobre isso. E o que me motivou. Tem uma galera que faz ‘hate’, mas também tem gente legal que manda mensagem e fala que gosta dos meus vídeos principalmente as pessoas albinas.”

“O que mais me motiva é receber mensagens de mulheres albinas, dizendo que se identificam, que gostam muito do que eu faço, que também gostariam de fazer algo semelhante. Isso é a parte mais legal para mim: conhecer várias histórias de pessoas albinas, conversar, trocar experiências”, declara.

Para Juliana, suas vivências até aqui a fizeram se libertar de algumas amarras da sociedade. “Eu mesma me privava de ir a lugares por causa do albinismo, pensava: 'Não vou, porque as pessoas vão me olhar demais'. Ou 'não vou usar essa roupa, porque sou muito chamativa'. Hoje em dia, eu não me importo mais. Eu faço o que me faz sentir bem, o que eu gosto, independente da opinião dos outros sobre mim ou minha aparência. O que aprendi é que não devemos nos importar com a opinião dos outros, porque isso afeta muito. E é um processo até a gente se aceitar de verdade.”

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